Em momento de debate sobre censura, relembre 10 músicas proibidas pela ditadura militar


Um dos grandes discos da história da música brasileira,
Milagre dos Peixes (1973), de Milton Nascimento).
(FOTO/Reprodução/Hypeness).
Desde que o Brasil existe enquanto país que a censura vigora, em maior ou menor intensidade, no campo cultural ou político, cerceando princípios tão básicos quanto a liberdade de expressão e de opinião. Mesmo após a constituição de 1988, que supostamente garante por princípio tais liberdades, são diversos os casos de censura que passaram por cima de tais determinações constitucionais essenciais, e permitiram que juízes e liminares proibissem expressões, diversas vezes no campo das artes.

Durante o período da ditadura militar tais perseguições se intensificaram ao extremo e, especialmente a partir do Ato Institucional Número 5 (AI-5), de 13 de dezembro de 1968, todo e qualquer veículo de comunicação passava a ter de aprovar suas pautas previamente, correndo o risco de inspeção e prisão. Por isso, a ditadura militar se tornou paradigma dos males e problemas que a censura nos traz politicamente, artisticamente e enquanto nação.

Censurar expressões artísticas é não somente um cerceamento da própria liberdade de expressão como um todo – independentemente das eventuais opiniões pessoais sobre a obra censurada – como também é uma maneira de impedir o dissenso, a denúncia e o pensamento crítico. Censurar a arte é também censurar a educação, a opinião e a expressão popular, seja seu gosto ou posição qual for – é reservar a um o poder e o direito de decidir o que toda a população pode ou deve pensar.

Em um momento tão delicado a esse respeito como o atual – em que a censura parece retomar seu fôlego, através de canetadas e decretos contra artistas e obras – vale lembrar uma pequena parcela das centenas de canções que foram censuradas durante a ditadura militar no Brasil, de 1964 a 1985. Um lembrete sobre a própria burrice que costuma reger a censura de modo geral, e as maneiras inventivas que os mais combatentes e importantes artistas do Brasil de então encontraram para driblar o retrocesso e as patadas de ignorância que a censura traz a qualquer país, em qualquer época.

Apesar de você (Chico Buarque)

Composta diretamente para afirmar o descontentamento de Chico com a situação do país em 1970, Chico enviou Apesar de Você à censura fingindo tratar-se de uma canção sobre uma relação que terminava, mas tendo certeza de que seria vetada. Para sua surpresa, inicialmente a letra foi aceita e a música foi lançada em compacto, alcançando grande sucesso.

Quando a canção se tornou mania, alcançando status de hino de esperança e resistência contra a ditadura, foi que a censura percebeu o sentido real e proibiu a canção. Já era tarde: a música era um marco, e tal situação marcaria pra sempre a perseguição dos censores a Chico até o fim do regime.

Comportamento Geral (Gonzaguinha)

Gonzaguinha foi um dos artistas mais censurados durante a ditadura, tendo 54 canções vetadas. Antes de se tornar o compositor romântico e extremamente popular do final da década de 1970 e década de 1980, o filho de Luiz Gonzaga foi um dos mais ferrenhos opositores ao regime, que por sua seriedade e comprometimento foi apelidado de “cantor-rancor”. “Comportamento Geral” é seu primeiro grande sucesso, e seus versos severamente críticos à apatia popular e à situação do país mostravam a que vinha aquele jovem compositor.

Jorge Maravilha (Chico Buarque, sob heterônimo de Julinho da Adelaide)

A censura contra Chico Buarque era tamanha, especialmente depois do lançamento de Apesar de Você, que bastava chegar uma letra assinada pelo compositor para que os censores imediatamente decretassem: vetada. A solução encontrada por Chico foi criar um heterônimo. E assim nascia Julinho de Adelaide, compositor fictício criado por Chico, que teria nascido e sido criado na Rocinha, e que assinou canções como Acorda amor e Jorge Maravilha.

Essa segunda provocava o presidente de então, Ernesto Geisel, que tinha uma filha fã do cantor: “Você não gosta de mim/mas sua filha gosta”, diz o refrão. Depois de descobrir o “esquema” de Chico, a censura passou a exigir RG e CPF dos compositores.

Tiro ao Álvaro (Adoniran Barbosa)

A justificativa para a proibição da clássica canção “Tiro ao Álvaro”, do sambista paulista Adoniran Barbosa, deflagra a mediocridade dos parâmetros da censura: a “falta de gosto” por conta dos supostos “erros” de pronúncia e de português na letra impediam sua liberação. “Tauba”, “artomórve”, “revorve”.

O que o sambista estava fazendo era um claro recurso poético, utilizado desde os modernistas do início do século, de assumir a coloquialidade da fala popular em uma letra de música. A falta de leitura, de entendimento da licença poética e da afirmação de uma identidade popular – a falta, portanto, de gosto – era em verdade do censor.

Vaca Profana (Caetano Veloso)

Caso tardio de censura, a canção de Caetano Veloso foi censurada em 1984, quando do lançamento do álbum Profana, de Gal Costa. Segundo a Divisão de Censura de Diversões Públicas, a letra de Caetano feria a moral e os bons costumes em seus versos semipornográficos e… profanos. Trata-se, no entanto, de uma obra-prima, em poética e canção, que mantem-se até hoje como um dos pontos mais altos do impressionante repertório de composições de Caetano.

Cruel, cruel esquizofrênico blues/Ela quer morar comigo na lua (Blitz)

Catapultado pelo enorme sucesso da canção “Você não soube me amar”, o primeiro disco da Blitz, “As Aventuras da Blitz”, de 1982, tornou-se um fenômeno, vendendo mais de 300 mil cópias e tornando-se um dos pontos fundadores do que viria a se tornar o BRock, o rock da geração 1980. Acontece que a censura ainda funcionava, e as duas últimas faixas do discos, “Cruel, cruel esquizofrênico blues” e “Ela Quer Morar Comigo na Lua”, foram vetadas, mesmo depois da primeira prensagem do disco já ter sido fabricado (a primeira por conter um palavrão, e a segunda provavelmente por cantar a palavra “bundando”).

Milagre dos Peixes (Álbum – Milton Nascimento)

Um dos grandes discos da história da música brasileira, Milagre dos Peixes, de 1973, foi de tal forma censurado que o disco tornou-se praticamente um trabalho instrumental: 8 das 11 faixas tiveram suas letras proibidas pela censura. Tal radical intervenção não intimidou o cantor, que não acatou a sugestão da gravadora de abandonar o projeto e as gravou cantando a melodia sem palavras. Foi assim, segundo o próprio Milton, que ele passou a utilizar sua voz como um instrumento.

Acender as velas (Zé Keti)

Uma das obras-primas de Zé Keti, Acender as Velas foi, assim como o clássico samba Opinião, proibida por motivos evidentes: ambas as canções denunciam a dureza e o calvário do dia-a-dia na favela em meados dos anos 1960, revelando a violência da situação social da população mais carente dos morros cariocas na época – que se agravou e até hoje permanece como questão central na cidade. Crítica social e denuncia na voz de um grande sambista negro não eram exatamente o gosto dos censores, e as duas canções foram proibidas.

Cálice (Gilberto Gil/Chico Buarque)

Repleta de metáforas a respeito da situação política e social do país de então, a composição partiu de Gilberto Gil, em 1973, em alusão à fala e ao calvário de Jesus Cristo no refrão. O duplo sentido e a ambiguidade marcam a palavra “cálice” com o imperativo “cale-se”, e foi utilizado como tentativa de, em um elaborado jogo de palavras, criticar e ao mesmo tempo driblar a censura.

No dia de lançamento da canção, no histórico show Phono 73, os microfones foram cortados, e a música foi cantada aos trancos e barrancos, sem letra, somente com melodia e a repetição do título.

Que as crianças cantem livres (Taiguara)

De todos os compositores perseguidos pela censura e pela ditadura, é provável que nenhum outro tenha sido tão prejudicado quanto foi Taiguara. Nada menos que 68 de suas canções foram proibidas. “Que as crianças cantem livres”, já pelo título, era uma afronta direta às proibições do regime e, ao mesmo tempo, um pedido genuíno em uma de suas mais belas composições. A música só veio a ser liberada em 1982 e, ironicamente, o nome Taiguara quer dizer, em tupi, “livre”.  (Por Vitor Paiva, no Hypeness).

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