A maior coleção de arte iorubá fora do África chegará ao Brasil em agosto. (FOTO?Divulgação). |
O
Rio de Janeiro vai receber a maior coleção de arte iorubá fora da África. Serão
centenas de peças, em processo de escolha e catalogação, que chegarão a partir
de agosto. Os artefatos milenares devem ser exibidos em um espaço sem
correspondente no mundo: a Casa de Herança Oduduwa, um local para exposições,
aulas de língua iorubá, centro de estudos e um teatro, num elo permanente de
comunicação e intercâmbio entre o Brasil e o povo iorubá. Uma forma de
aproximar as culturas e auxiliar o povo brasileiro a conhecer melhor suas
origens, heranças, histórias, e até suas feições.
A
vinda desse tesouro histórico, religioso e cultural é um esforço pessoal do rei
de Ifé, Ojaja II, de 44 anos, a maior autoridade tradicional e religiosa do
povo iorubá, que originariamente habitava o Reino de Ketu e o Império do Oyó,
áreas atualmente do Benin e da Nigéria. Há ainda um grande número de iorubás
vivendo no Togo e em Serra Leoa, além de, fora da África, em Cuba, na República
Dominicana e no Brasil. O desejo do rei nasce de uma coincidência propiciada
pelo fato de o povo brasileiro desconhecer seus antepassados africanos.
Em
dezembro de 2015, Adeyeye Enitan Babatunde Ogunwusi, um empresário então com 41
anos, tornou-se o rei de Ifé (Ooni de Efé, em iorubá). O antecessor não era o
pai dele, porque o trono não é hereditário. O rei é escolhido entre integrantes
das seis famílias reais da cidade. Mais de 50 iorubás pleitearam a honraria.
Feita a seleção pelo Conselho Real, a cerimônia de entronização foi transmitida
ao vivo por emissoras de tevê da Nigéria e do Benin para cerca de 40 milhões de
súditos.
Ao contrário do que tantos pensam, o busto na Avenida Getúlio Vargas não retrata o lendário líder quilombola…
Dois
anos depois, o rei iniciou uma campanha para agregar os iorubás espalhados pelo
mundo. Um diretor de tevê teve a ideia de pedir que mandassem saudações
gravadas pelo celular. Ao ver a mensagem que chegou do Brasil, o rei quase
pulou da cadeira. Era impressionante a semelhança entre o seu próprio rosto e o
cenário escolhido para a gravação: o Monumento a Zumbi dos Palmares, no
canteiro central da Avenida Presidente Vargas, no Rio de Janeiro.
Na
paisagem carioca desde 1986, a identidade da máscara de 3 metros de altura e
800 quilos de bronze é misteriosa. Na época, o jornal O Globo deixava claro que
não era um busto do homenageado: “A escultura é réplica de uma cabeça nigeriana
esculpida entre os séculos XI e XII. Descoberta em 1938, ela hoje está no
British Museum de Londres”. Em texto publicado no livro A Cidade Vaidosa, de
1999, a historiadora e pós-doutora Mariza de Carvalho Soares esmiúça vários
aspectos da criação e instalação desse monumento, mas também não traz a
identificação do dono do rosto.
Tudo
indica que nem sequer o secretário de Cultura do Rio na época da inauguração, o
antropólogo Darcy Ribeiro, sabia exatamente de quem se tratava. Em 1995, nos
300 anos da morte de Zumbi, ele declarou à Revista do Senado Federal: “Um dos
gostos maiores que eu me dei na vida foi erigir no Rio o Monumento a Zumbi.
Belíssimo, porque reproduz, muito ampliada, uma cabeça de bronze do Benim. Não
há quem olhe para ele e não se espante com a beleza negra que expressa”. Em
outras ocasiões, Darcy fez ilações sobre o fato de a máscara “voar” sobre a
estrutura de alvenaria, simbolizando a decapitação de Zumbi.
Tanta
beleza e força fez com que o próprio rei de Ifé quisesse ver a escultura de
perto. Em junho do ano passado, ele esteve no Brasil, acompanhado de outros
reis e rainhas africanos, para uma série de encontros no Rio de Janeiro e em
Salvador. A historiadora Carolina Maíra Morais (que mandou o vídeo do marido
para a coroação em 2017 e prepara um documentário sobre a saga da cabeça de
bronze) fez parte da comitiva, transformou-se em adida cultural do Ooni de Ifé
no Brasil e testemunhou a alegria de todos ao “reconhecer” os traços do Rei na
cabeça de bronze do Monumento a Zumbi. “Eles se sentiram em casa, em solo
iorubá”, diz a historiadora. “Foi um momento de alegria. Não havia dúvida para
ninguém ali que aquele era o rosto de Oduduwa”.
Na
tradição iorubá, Oduduwa é o Senhor da Criação, o Pai de Todos. Para os
seguidores de vários matizes das religiões de matriz africana, o rei de Ifé é o
“Sentinela do Trono de Oduduwa” e tem a mesma importância que o papa tem para
os católicos. Segundo a tradição, o rei descende diretamente de Oduduwa, deus
do panteão iorubá, reencarnação de outras divindades.
Grande
parte dos escravos trazidos ao Brasil Colônia ou no período imperial era iorubá
– também chamados de nagôs. A mitologia que originou o candomblé, a umbanda e
outras religiões afro-brasileiras tem muita influência nagô, bem como o samba,
nascido nas casas de senhoras do século XIX que mantiveram os cantos e os
batuques de seus antepassados.
Logo
depois de visitar o monumento (Ori Olokun, em iorubá), o rei de Ifé consultou
seus guias espirituais e recebeu a ordem de mandar para o Brasil imagens e
peças originais do acervo milenar da cidade sagrada – e não cópias ou
reproduções. São os próprios orixás tentando reforçar a identidade afro-brasileira
e fazer com que conheçamos a história da nossa história. E também com que
Oduduwa e Zumbi dos Palmares sejam cada vez mais conhecidos e reconhecidos pelo
povo brasileiro, seus diretos descendentes, inclusive nas feições. (Com informações de CartaCapital).
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