Áudio de Bolsonaro defendendo massacre indígena desaparece na câmara

 

Bolsonaro elogiou Cavalaria dos Estados Unidos por ter dizimado povos indígenas durante discurso quando era deputado em 1998. Foto: Alan Santos/PR. 

Na manhã de 15 de abril de 1998, o então deputado Jair Bolsonaro (RJ) subiu à tribuna da Câmara para repercutir a declaração de um general das Forças Armadas dos Estados Unidos que defendia a intervenção norte-americana na Amazônia. Bolsonaro aproveitou o gancho para criticar a “Cavalaria brasileira” por não ter dizimado os indígenas, tal como haviam feito os Estados Unidos.

Até vale uma observação neste momento: realmente, a Cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente, sim, foi a Cavalaria norte-americana, que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema”, discursou o então deputado do chamado baixo clero, grupo de parlamentares sem expressão política e apegado a questões mais corporativas e paroquiais.

O discurso pode ser encontrado no site da Câmara, tanto no Diário da Câmara quanto no registro das notas taquigráficas. Mas o áudio, com a voz de Bolsonaro, desapareceu dos registros da Casa. O pronunciamento está nos arquivos sonoros, mas o trecho em que o então deputado elogia a cavalaria norte-americana pelo massacre indígena desapareceu. Foram, ao todo, quatro parágrafos e meio suprimidos. O corte é claramente perceptível.

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Com informações do Congresso em Foco.

Lula: uma mão pesada contra o golpismo; e outra estendida à esperança

 

Boaventura de Sousa Santos é professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra. Autor, entre outros livros, de O fim do império cognitivo (Autêntica) e do recém-lançado Descolonizar – Abrindo a História do Presente (Boitempo).

Dificilmente se encontrará na política internacional um começo tão turbulento de um mandato democrático como o que caracterizou o do presidente Lula.

A democracia esteve por um fio e está salva (por agora), devido a uma combinação contingente de fatores excepcionais: o talento de estadista do presidente, a atuação certa no momento certo de um ministro no lugar certo, Flávio Dino, logo secundado pelo apoio ativo do STF.

As instituições especificamente encarregadas de defender a paz e a ordem pública estiveram ausentes, e algumas delas foram mesmo coniventes com a arruaça depredadora de bens públicos.

Quando uma democracia prevalece nestas condições, dá simultaneamente uma afirmação de força e de fraqueza. Mostra que tem mais ânimo para sobreviver do que para florescer. A verdade é que, a prazo, só sobreviverá se florescer e para isso são necessárias políticas com lógicas diferentes, suscetíveis de criarem conflitos entre si. E tudo tem de ser feito sob pressão. Ou seja, o futuro chegou depressa e com pressa.

O Brasil não volta a ser o que era antes de Jair Bolsonaro, pelo menos durante alguns anos. O Brasil tinha duas feridas históricas mal curadas: o colonialismo português e a ditadura. A ferida do colonialismo estava mal curada, porque nem a questão da terra, nem a do racismo antinegro, anti-indígena e anticigano (as duas heranças malditas) estavam solucionadas. A última só o primeiro governo de Lula começou a enfrentar (ações afirmativas etc.).

A ferida da ditadura estava mal curada devido ao pacto com os militares antidemocráticos na transição democrática de que resultou a não punição dos crimes cometidos pelos militares. Estas duas feridas explodiram com toda a purulência na figura de Jair Bolsonaro.

O pus misturou-se no sangue das relações sociais por via das redes sociais e aí vai ficar por muito tempo por ação de um lúmpen-capitalismo legal e ilegal, racial e sexista, que persiste na base da economia, uma base ressentida em relação ao topo da pirâmide, o capital financeiro, devido à usura deste.

Esta ferida mal curada e agora mais exposta vai envenenar toda política democrática nos próximos anos. A convivência democrática vai ter de viver em paralelo com uma pulsão antidemocrática sob a forma de um golpe de Estado continuado, ora dormente ora ativo. Assim será até 2024, data das eleições norte-americanas, devido ao pacto de sangue entre a extrema direita brasileira e a norte-americana.

A tentativa de golpe de 8 de janeiro alterou profundamente as prioridades do presidente Lula. Dado o agravamento da crise social, a agenda de Lula estava destinada a privilegiar a área social. De repente, a política de segurança impôs-se com total urgência. Prevejo que ela vá continuar a ocupar a atenção do Presidente durante todo o tempo em que o subterrâneo golpista mostrar ter aliados nas Forças Armadas, nas forças de segurança e no capital antiamazônico.

Este capital está apostado na destruição da Amazônia e na solução final dos povos indígenas. A fotos dos Yanomami que circularam no mundo só têm paralelo com as fotos das vítimas do holocausto nazista dos anos de 1940.

Como poderia eu imaginar que, oito anos depois de dar as boas-vindas na Universidade de Coimbra aos líderes indígenas de Roraima (comitiva em que se integrava a agora ministra Sônia Guajajara) e de receber deles o cocar e o bastão da chuva – uma grande honra para mim – assistiria à conversão do seu território, por cuja demarcação lutamos, num campo de concentração, um Auschwitz tropical?

O Brasil precisa da cooperação internacional para obter a condenação internacional por genocídio do ex-presidente e alguns dos seus ex-ministros, nomeadamente Sergio Moro e Damares Alves.

Quando o futuro chega depressa, faz exigências que frequentemente se atropelam.

O drama midiático causado pela tentativa de golpe exige muita atenção e vigilância por parte dos dirigentes. Contudo, visto das populações marginalizadas a viver nas imensas periferias, o drama golpista é muito menor do que:

Não poder dar comida aos filhos

Ser assassinado pela polícia ou pelas milícias

Ser estuprada pelo patrão ou assassinada pelo companheiro

Ver a casa ser levada pela próxima enxurrada

Sentir os tumores a crescer no corpo por excessiva exposição a inseticidas e pesticidas, mundialmente proibidos mas usados livremente no Brasil

Ver a água do rio onde sempre se buscou o alimento contaminada ao ponto de os peixes serem veneno vivo

Saber que o seu jovem filho negro ficará preso por tempo indefinido apesar de nunca ter sido condenado

Temer que o seu assentamento seja amanhã vandalizado por criminosos escoltados pela polícia.

Estes são alguns dos dramas das populações que no futuro próximo, responderão às sondagens sobre a taxa de aprovação do presidente Lula e seu governo. Quanto mais baixa for essa taxa, mais champanhe consumirão os golpistas e lideranças fascistas nacionais e estrangeiras.

Confiemos no gênio político do presidente Lula, que sempre viveu intensamente estes dramas da população vulnerabilizada, para governar com uma mão pesada para conter e punir os golpistas presentes e futuros e para com uma mão solidária, amparar e devolver a esperança ao seu povo de sempre.

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Por Boaventura de Sousa Santos, originalmente em A Terra é Redonda e na RBA.

Ministra dos Povos Indígenas espera demarcação de 14 áreas em 2023

 

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, é a entrevistada do programa A Voz do Brasil.  (FOTO| Agência Brasil)

A ministra dos Povos Indígenas, Sônia Guajajara, afirmou, em entrevista a veículos da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que 14 processos de demarcação de terras indígenas estão prontos para homologação pelo governo federal.

São áreas localizadas em oito estados de quase todas as regiões do país. “Temos 14 processos identificados, que estão com os estudos prontos, concluídos, já têm a portaria declaratória. A gente espera que o presidente Lula possa assinar a homologação”, disse.

As terras indígenas prontas para o reconhecimento definitivo ficam no Ceará, Bahia, Paraíba, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Acre, Amazonas e Mato Grosso. O governo anterior, de Jair Bolsonaro, havia paralisado todos os processos de demarcação de terras indígenas e a retomada desses processos foi um compromisso de campanha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

No fim ano passado, durante a transição de governo, o grupo de trabalho temático sobre questões indígenas já havia incluído, no seu relatório, uma lista das 13 áreas prontas para demarcação. Ao todo, elas somam cerca de 1,5 milhão de hectares.

AMEAÇAS

Primeira indígena a assumir um cargo de ministra no governo federal, Sônia Guajajara foi a entrevistada da edição desta sexta-feira (27) do programa Voz do Brasil, da EBC, em que atualizou a situação de vulnerabilidade de diversos povos.

O tema ganhou evidência nos últimos dias com a eclosão da crise sanitária vivida pelos Yanomamis, em Roraima. Segundo a ministra, este caso é apenas “a ponta do iceberg”.

Tivemos seis anos de muita ausência do poder público. Yanomami é uma pontinha do iceberg”, afirmou Guajajara. A ministra citou os casos dos povos Arariboia e Guajajara, no Maranhão, Uru-eu-wau-wau, em Rondônia, Karipuna, no Acre, e Munduruku, no Pará. “Todas essas áreas estão com situação grave de madeireiro ou de garimpeiro e, com isso, [há] uma insegurança geral de saúde e alimentar”, disse.

A ministra também mencionou a situação dos indígenas Guarani Kaiowá, grupo que já esteve em evidência há alguns anos, mas que segue grave. Eles vivem em área ainda não demarcada e que é disputada por fazendeiros, as chamadas de áreas de retomada, em que há conflito permanente. “Temos recebido demanda do Guarani Kaiowá. Eles vivem em áreas de retomadas e isso dificulta a produção de alimentos. Tem a situação do povo Pataxó, também numa área de retomada. É uma terra indígena que aguarda portaria declaratória do governo federal. [Há também] os Awá Guarani, no Paraná, que têm procurado a gente para dar uma atenção especial”, acrescentou.

Outra fonte de preocupação, de acordo com a ministra, segue sendo a região Vale do Javari, no extremo oeste do Amazonas, que concentra o maior número de povos indígenas isolados de todo o país. No ano passado, a região foi notícia mundial com os assassinatos brutais do jornalista britânico Dom Phillips e do indigenista Bruno Pereira.

Nas duas últimas semanas foi encontrada uma bomba dentro da casa de um servidor da Funai [no Vale do Javari]. A Polícia Federal foi chamada e conseguiu desarmar a bomba. O Vale do Javari é uma prioridade para garantir proteção”, revelou a ministra.

Com essa afirmação do presidente Lula de que vai retomar a demarcação de terras indígenas, de que vai avançar com esses processos, então [isso] já gera uma certa turbulência, animosidade de quem é contra a demarcação e, com isso, eles tentam formas de intimidar a própria atuação do governo federal”, acrescentou.

AÇÕES PERMANENTES

A ministra do Povos Indígenas ainda falou sobre a necessidade de ações permanentes nos territórios indígenas, para repelir ameaças e evitar novas situações de vulnerabilidade.

Essa ação é muito importante, é a retomada da presença do Estado no território. E é preciso que seja feito um trabalho articulado com vários ministérios. Para isso, instalou-se uma comissão de enfrentamento que vai começar na segunda-feira (30), e a ideia é que o Ministério da Defesa permaneça ali com essa presença de fiscalização, juntamente com Ministério da Justiça, [com] a Polícia Federal”, finalizou.

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Com informações do O Cafezinho e Agência Brasil


Terra Yanomami: garimpo ilegal causou alta de 309% no desmatamento

 

Território Yanomami vive crise humanitária por conta do estímulo à invasão do governo Bolsonaro. (FOTO/ Divulgação/Ministério da Defesa).

No intervalo entre outubro de 2018 e dezembro de 2022, o desmatamento resultante do garimpo ilegal na Terra Indígena (TI) Yanomami aumentou 309%, de acordo com levantamento elaborado pela Hutukara Associação Yanomami. Em dezembro de 2022, último mês do governo de Jair Bolsonaro, a área devastada era de 5.053,82 hectares, ante 1.236 hectares detectados no início do monitoramento.

Pelo cálculo do Projeto de Mapeamento Anual do Uso e Cobertura da Terra no Brasil (MapBiomas), as comunidades Yanomami terminaram os anos de 2020 e 2021 com 920 e 1.556 hectares de floresta a menos. A Hutukara, por sua vez, avalia que as perdas foram, respectivamente, de 2.126,64 e 3.272,09 hectares.

Assim o Instituto Socioambiental (ISA) estabeleceu um comparativo com os números coletados pela equipe do MapBiomas, constatando uma curva maior de crescimento no período. A diferença se deve à qualidade dos equipamentos utilizados.

Enquanto o satélite usado pelo MapBiomas, o Landsat, processa dados com inteligência artificial, o sistema da Hutukara tem alta resolução espacial, o que permite maior precisão e a cobertura de perímetros que, por vezes, deixam de ser captados. Outro fator destacado pelo ISA é a alta frequência de visitas à Terra Indígena, por parte da associação representativa dos yanomami, o que influencia no trabalho de acompanhamento e registro.

Fonte: Hutukara Associação Yanomami.


Malária

De acordo com o presidente da Urihi Associação Yanomami, Junior Yanomami, o problema do garimpo ultrapassa a questão ambiental. Para ele, é a raiz de outras consequências, como o bloqueio ao atendimento de saúde. Há algumas semanas, a TI Yanomami tornou-se centro das atenções da imprensa e do governo federal, com a difusão de denúncias sobre a condição de saúde da população local. Fotografias de crianças e adultos yanomami têm inundado as redes sociais e impactado os usuários, devido à magreza dos corpos. De acordo com a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), as imagens mostram a omissão do governo Bolsonaro diante de inúmeros apelos ignorados.

Além da desnutrição infantil, outra contrariedade já bem conhecida dos yanomami é a malária, doença tratável. De acordo com o balanço da Hutukara, somente durante o governo Michel Temer, foram registrados 28.776 casos da doença. Desse total, 9.908 casos correspondem a 2018, e, no ano seguinte, início do governo Bolsonaro, a soma saltou para 18.187. Em 2020, a entidade contabilizou 19.828 casos e, em 2021, 21.883 casos.

Fonte: Hutukara Associação Yanomami.


Para o líder yanomami, autoridades de segurança pública são fundamentais enquanto o cerco de garimpeiros aos indígenas e a profissionais de saúde permanece. “Não adianta a gente mandar médicos. Garimpeiros vão intimidar com fuzil, submetralhadora. Exército, Polícia Federal tem que combater forte, punir, responsabilizar essas pessoas que estão destruindo a vida, o rio”, afirma Junior.

A crise que afeta as comunidades Yanomami levou o governo a decretar estado de emergência para combate à desassistência sanitária na região. No sábado (21), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros de Estado visitaram Roraima para acompanhar a situação dos indígenas.

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Com informações da RBA.

O que está acontecendo na terra dos Ianomâmis é tão grave quanto o que ocorreu em 8 de janeiro

 

Xamã Ianomâmi. (FOTO | Sebastião Salgado).

Por Ailton Krenak, entrevista a O Globo, em 26 de janeiro

É o Brasil tentando se autoimolar. Do mesmo jeito que estão atrás de invasores das sedes dos Três Poderes e de seus financiadores, é preciso ir atrás de invasores de terra indígena e financiadores do garimpo. (...) O território já estava invadido nos anos 1980, mas agora tem mais de 20 mil garimpeiros lá. O governo Bolsonaro abriu a porteira para o garimpo, que dá muito lucro para governadores, senadores e generais. (... Os algozes dos ianomâmis têm nome, e alguns continuam ocupando cargos públicos (...) A terra dos ianomâmis é como um acampamento na escuridão. Só quando um raio cai e produz um clarão, a opinião pública olha para lá e vê os ianomâmis morrendo. Dura o tempo de um relâmpago...

Fórum elege representantes para o Conselho LGBTQIA+ de Jardim

 

Fórum elege representantes para o Conselho LGBTQIA+ de Jardim. (FOTO/ Luan Moura).

Por Luan Moura, jornalista

A Prefeitura de Jardim, por meio da Secretaria de Desenvolvimento Social e do Trabalho (Sedest), promoveu o 1º fórum para escolha de representantes para compor o Conselho Municipal LGBTQIA+. O encontro ocorreu na tarde desta quinta-feira, no Cras II, e reuniu o prefeito Aniziário Jorge Costa, vereadores, secretários, Guarda Civil, dentre outros segmentos da sociedade civil. A entidade tem como objetivo melhorar as políticas de promoção à cidadania para lésbica, gay, mulher bissexual, homem bissexual, travesti, mulher e homem transexual.

Instituído em 2019 pela Lei 278/2019, o Conselho LGBTQIA+ é o 3º criado no Ceará, depois de Juazeiro do Norte e Fortaleza. Ao todo, são dez representantes titulares e suplentes da Sociedade Civil e do Poder Público, que permanecerão durante o biênio de 2023 a 2025. Entre as funções, destacam-se discussão de projetos, programas, planos e políticas públicas, aplicação de leis que punem qualquer tipo de crime verbal ou físico à população LGBTQIA+ em Jardim. Além disso, deverá buscar critérios de aplicação dos recursos destinados ao setor.

Durante o fórum, o prefeito Aniziario destacou o compromisso da gestão em garantir e efetivar políticas públicas ao público LGBT.  “Firmamos o compromisso em lutar pela efetivação e validação dos direitos LGBTQIA+ de Jardim, combatendo todo e qualquer ato discriminatório, mas também garantir a efetividade dos direitos humanos na nossa cidade em todas os aspectos e classes sociais, combatendo LGBTfobia, racismo, preconceito de classe, violência contra a mulher e todo e qualquer ato que venha a violar os direitos humanos”, afirma.

O evento também contou com a participação dos convidados Brendha Vlazack, Dr. Gilney Matos, Alessandra Braga e Jhully Carla, profissionais que têm amplo trabalho na promoção e defesa dos direitos do público LGTBQIA+ consolidados e reconhecidos a nível nacional. “A criação do Conselho Municipal LGBTQIA+, é mais um importante passo para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária, que visa garantir direitos humanos de forma democrática”, afirma Dr. Gilney, pesquisador das políticas públicas para promoção LGBT no Ceará.

Mestre Nena e o Estado criminoso

 

(FOTO/ Reprodução).

Por Alexandre Lucas, Colunista

O caso do mestre Nena e de sua família agredida fisicamente e verbalmente pela Polícia ( Raio), em Juazeiro do Norte, região do Cariri-CE, no dia 21 de janeiro, suscitou um debate urgente,  que é a ação do Estado como agente do crime.  O relato de violência amplamente divulgado pela família não é um caso isolado, mas uma prática corriqueira nas periferias brasileiras, que sofre de forma mais embrutecida com o racismo estrutural e a truculência policial. 

Quando agentes públicos agem fora da legalidade estão cometendo crimes, premissa básica de um criminoso.  Buscas e apreensão sem mandado, invasões domiciliares, violência psicológica, agressões físicas, torturas, ameaças e até assassinatos fazem parte do cotidiano das áreas espacialmente marginalizadas das cidades do país.

A concentração de riquezas nas mãos de poucos gerou um crescimento desordenado das cidades e estratificação social dos espaços, gerando áreas marginalizadas e situações de vulnerabilidade social destinadas às camadas populares. Esse contexto nos remete historicamente aos espaços ocupados pela população pobre e negra, após o período da escravatura. Livres dos senhores de escravos, a população negra teve que se submeter à repressão do Estado.

A Lei da Vadiagem é um exemplo da ação do Estado contra a sua própria omissão. As manifestações de religiões de matriz africana e a própria capoeira foram criminalizadas pelo estado Brasileiro.  Existem um padrão de suspeito para as forças de repressão, ser pobre e negro é uma credencial.

O ódio e a prepotência contra as populações periféricas foram ensinados. As “canções TFM” (Treinamento Físico Militar), são um dos exemplos, apresentam músicas de apologia à violência em que a periferia é o alvo. A narrativa dominante reproduz um discurso de criminalidade nascente nesses espaços e esconde as raízes geradoras da desigualdade e vulnerabilidade social.

No caso do Mestre Nena, o tiro saiu pela culatra, os seus algozes, não esperavam que aquele senhor de 71 anos, fosse um Mestre da Cultura e o caso repercutisse. Brincantes, outros mestres, gestores públicos, parlamentares, representantes de Pontos de Cultura, pesquisadores e lideranças dos movimentos sociais saíram em defesa da família de seu Nena, mas que isso se manifestaram contra a violência do Estado e a criminalidade de agentes públicos. O Mestre Nena representa neste momento o símbolo contra a truculência policial nas periferias brasileiras.    

O crime contra a família do Mestre Nena aponta para o governo do Ceará a oportunidade de abrir um amplo debate com a sociedade civil e as forças de segurança visando reduzir a delinquência praticada pelos servidores do Estado contra a população. 

O bairro João Cabral onde aconteceu o crime contra a família do Mestre Nena merece ser recontado para além das páginas policiais, essa é a narrativa que sempre se sobressai. Outras histórias são escondidas e apagadas e possivelmente são essas que devemos evidenciar na luta constante pelo direito à cidade.

O João Cabral é um complexo das manifestações da tradição popular, é ponto de conjugação da identidade e resistência cultural do Cariri. É lugar de gente que ficou acordada, enquanto o estado dormiu.  

O João Cabral do Mestre Nena é também dos grupos:  - Reisado dos Irmãos - Discípulos de Mestre Pedro, Renascer a Tradição, Reisado Estrela Guia, Reisado São Miguel, Guerreiro Beija-flor, Guerreiro Nossa Senhora Aparecida, Guerreiro Santa Madalena, Banda Cabaçal Meninos da Paz, Banda Cabaçal Meninos Maluvidos; Banda Cabaçal São Bento, Maneiro Pau do Mestre Raimundo; Quadrilha Matutino Júnior; Quadrilha Rochedo dos Matutinos; Cia.Teteretete. Carroça de mamulengos, Mágico Mister Van, Cantares de Almas e os Bacamarteiros da paz, grupo do Mestre Nena. São 18 grupos, é muito mestre e mestra, brincante e brincadeira.

Se nos falta o pão, não nos tire o riso.

Com 2.500 vítimas em 2022, Brasil chega a 60 mil pessoas resgatadas da escravidão

 

Operação resgata 34 pessoas de condições análogas à escravidão em fazenda de café em MG - Sérgio Carvalho/Inspeção do Trabalho.

O Brasil encontrou 2.575 pessoas em situação análoga à de escravo em 2022, maior número desde os 2.808 trabalhadores de 2013, segundo informações do Ministério do Trabalho e Emprego. Com isso, o país atinge 60.251 trabalhadores resgatados desde a criação dos grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão no país, em maio de 1995. Nesses 28 anos, R$ 127 milhões foram pagos a eles em salários e valores devidos.

Celebra-se, no próximo sábado (28), o Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, que também marca o aniversário da Chacina de Unaí, quando funcionários do Ministério do Trabalho foram executados durante uma fiscalização rural em 2004.

Ao todo, foram 462 operações para verificar denúncias em todo o país. Elas não flagraram o crime apenas em Alagoas, no Amapá e no Amazonas. Minas Gerais foi o estado com mais operações de combate ao trabalho escravo, com 117 empregadores fiscalizados e o maior número de resgatados: 1.070. Desde 2013, o estado lidera em número de flagrados em situação de escravidão contemporânea.

Neste ano, Minas também ficou com o maior resgate individual de trabalhadores, no município de Varjão de Minas, com 273 no corte de cana. O recorde histórico ainda está na mão da usina Pagrisa, em Ulianópolis (PA), com um resgate de 1064 resgatados em 2007.

Goiás (49) e Bahia (32) vêm logo atrás na quantidade de fiscalizações, mas Goiás ficou em segundo lugar (271) em número de vítimas, seguido por Piauí (180), Rio Grande do Sul (156) e São Paulo (146).

Os 2.575 resgatados receberam R$ 8,19 milhões em salários e verbas rescisórias. Mais de R$ 2,8 milhões foram recuperados para o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

As operações são coordenadas pela Inspeção do Trabalho em parceria com o Ministério Público do Trabalho, a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária Federal, o Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União, entre outras instituições. Ou por equipes ligadas às Superintendências Regionais do Trabalho nos estados, que também contam com o apoio das Polícias Civil, Militar e Ambiental.

“O resgate tem por finalidade fazer cessar a violação de direitos, reparar os danos causados no âmbito da relação de trabalho e promover o devido encaminhamento das vítimas para serem acolhidas pela assistência social”, afirmou o auditor fiscal do trabalho Maurício Krepsky, chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo (Detrae) do Ministério do Trabalho e Emprego.

Mais de 80% dos resgatados se declararam negros

Dos resgatados, 92% eram homens, 29% tinham entre 30 e 39 anos, 51% residiam no Nordeste e 58% nasceram na região. Quanto à escolaridade, 23% declararam não ter completado o 5º ano do ensino fundamental, 20% haviam cursado do 6º ao 9º ano incompletos e 7% eram analfabetos.

No total, 83% se autodeclararam negros, 15% brancos e 2% indígenas.

Três indígenas Guarani-Kaiowá de 23, 20 e 14 anos foram resgatados de condições análogas às de escravo em uma área de produção de eucalipto em Ponta Porã (MS), em 19 de abril do ano passado, Dia dos Povos Indígenas. Contando com pouca comida, eles caçavam passarinhos para matar a fome quando foram encontrados.

Os três estavam alojados em um barraco de lona, usando espumas e colchões velhos para dormir sobre o chão de terra. Usavam um brejo para tomar banho e uma cacimba para retirar água a fim de cozinhar e beber. A comida era descontada do pagamento, o que é ilegal. No momento da fiscalização, havia pouca à disposição, então os jovens se alimentavam com passarinhos que eles mesmos caçaram.

Dos resgatados, 148 eram migrantes de outros países, o que representa o dobro em relação a 2021, sendo 101 paraguaios, 14 venezuelanos, 25 bolivianos, quatro haitianos e quatro argentinos.

No ano passado, 35 crianças e adolescentes foram submetidos ao trabalho análogo ao de escravo. Desses, dez tinha menos de 16 anos e 25 possuíam entre 16 e 18 anos no momento do resgate. O cultivo de café foi a atividade em que mais crianças e adolescentes foram resgatados, com 24% das vítimas.

Mas escravidão contemporânea também foi flagrada junto a menores de 18 anos em atividades esportivas, produção florestal, cultivo de arroz, cultivo de coco-da-baía, criação de bovinos, fabricação de produtos de madeira, produção de carvão vegetal, cultivo de soja e confecção de roupas.

O cultivo da cana-de-açúcar foi a atividade com maior número de resgatados em 2022, segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, com 362 vítimas. Na sequência, aparece atividades de apoio à agricultura (273), produção de carvão vegetal (212), cultivo de alho (171), de café (168), de maçã (126), a extração e britamento de pedras (115), criação de bovinos (110), cultivo de soja (108), extração de madeira (102) e construção civil (68).

Do total de resgatados, 87% estavam em atividades rurais.

Trabalhadora resgatada após 72 anos escravizada pela mesma família

A Inspeção do Trabalho vem registrando um aumento de casos de trabalho escravo doméstico nos últimos anos. Em 2022, foram 30 vítimas em 15 unidades da federação, sendo dez apenas na Bahia.

O caso mais emblemático foi o de uma mulher de 84 anos resgatada de condições análogas às de escravo, em março, após 72 anos trabalhando como empregada doméstica para três gerações de uma mesma família no Rio de Janeiro. Nesse período, ela cuidou da casa e de seus moradores, todos os dias, sem receber salário, segundo a fiscalização.

De acordo com dados do Ministério do Trabalho, essa é a mais longa duração de exploração de uma pessoa em escravidão contemporânea desde que o Brasil criou o sistema de fiscalização para enfrentar esse crime.

Quando a trabalhadora, que é negra, passou a atuar para a família, a Lei Áurea (1888) tinha apenas 62 anos, o presidente era Eurico Gaspar Dutra e o Rio, a capital do país.

De acordo com a fiscalização, seus pais trabalhavam em uma fazenda no interior do estado que pertencia à família Mattos Maia. Aos 12 anos, ela se mudou para a residência do casal proprietário para realizar serviços domésticos. Quando faleceram, migrou para a casa da filha deles, onde manteve suas atividades, incluindo o cuidado com as crianças.

 

Ao ser resgatada, atuava como cuidadora da empregadora, apesar de ambas terem idade semelhante. Ao todo, serviu três gerações da família, uma vez que, na residência na Zona Norte da cidade, também reside o neto dos patrões originais. Os empregadores foram procurados época do resgate, mas não responderam os pedidos por um posicionamento.

“Em razão da grande repercussão do resgate da trabalhadora doméstica Madalena Gordiano no final de 2020 em Patos de Minas, o número de denúncias aumentou”, afirmou o auditor fiscal Maurício Krepsky.

Chacina de Unaí completa 19 anos sem cumprimento de pena dos mandantes

O 28 de janeiro foi escolhido como Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo para marcar o aniversário da Chacina de Unaí, quando os auditores fiscais do trabalho Erastóstenes de Almeida Gonçalves, João Batista Soares Lage e Nelson José da Silva e o motorista Ailton Pereira de Oliveira foram executados em uma fiscalização de rotina no Noroeste de Minas Gerais em 2004.

Os irmãos Antério e Norberto Mânica, grandes produtores de feijão, foram apontados como os mandantes do crime pela Polícia Federal. Entre ida e vindas, julgamentos e anulações, eles foram condenados. Porém, aguardam recursos em liberdade.

O inquérito entregue pela Polícia Federal à Justiça sobre a chacina de Unaí afirmou que a motivação do crime foi o incômodo provocado pelas insistentes multas impostas pelos auditores à família de fazendeiros, sendo que o auditor-fiscal do trabalho Nelson José da Silva era o alvo principal. Ele já havia aplicado cerca de R$ 2 milhões em infrações a fazendas da família Mânica por descumprimento de leis trabalhistas.

O motorista Oliveira, mesmo baleado, conseguiu fugir do local com o carro e foi socorrido. Levado até o Hospital de Base de Brasília, Oliveira não resistiu e faleceu. Antes de morrer, descreveu uma emboscada: um automóvel teria parado o carro da equipe e homens fortemente armados teriam descido e fuzilado os fiscais. Os auditores fiscais morreram na hora.

Trabalho escravo hoje no Brasil

 

A Lei Áurea aboliu a escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo, situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando a elas sua liberdade e dignidade.

Desde a década de 1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea, condições análogas às de escravo.

De acordo com o artigo 149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir), servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas), condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua saúde e vida).

Como denunciar

Denúncias de trabalho escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em 2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Em 2022, 1.654 foram enviadas pelo sistema. Denúncias também podem ser feitas através do Ministério Público do Trabalho, unidades da Polícia Federal, sindicatos de trabalhadores, escritórios da Comissão Pastoral da Terra, entre outros locais.

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Com informações do Brasil de Fato

Quanto vale um Mestre da cultura popular?

 

(FOTO | Reprodução).


Por Karla Alves, Colunista 

Quantos quilos de diplomas da cultura popular são necessários para equivaler a um diploma da cultura erudita universitária? E para um negro morador de periferia, quantas toneladas de diplomas são necessários para lhe garantir RESPEITO e DIGNIDADE?

Mestre Nena, mestre dos bacamarteiros da PAZ reconhecido como Tesouro Vivo da tradição cultural nordestina, foi agredido pela PM com socos, pau e tiro (que graças a Deus não o atingiu), no interior da casa de seu filho onde a PM fazia uma abordagem que é de praxe na periferia: busca por drogas e armas de fogo. Não encontraram NADA além de uma família tentando se proteger dos abusos da autoridade do braço armado do Estado brasileiro. 

A polícia aterroriza a periferia mostrando que vai às ruas proteger aqueles que ELES consideram como cidadãos daqueles que ELES reconhecem como ameaça aos cidadãos. E segundo essa lógica colonial, Pretos estão sempre na mira, sem ter sua cidadania reconhecida desde a abolição da escravidão que não só nos deixou a mercê da nossa própria sorte como também não educou o restante da população para reconhecer a nossa humanidade e até hoje o povo preto sente a ameaça da polícia que trabalha na direção da política higienista brasileira e nos faz viver na busca de provar nossa inocência mesmo que saibamos que somos inocentes, para evitar que sejamos mais uma vitima do genocídio.

Em depoimento ao Jornal "O Povo" mestre Nena (que tem 71 anos de idade) diz que não se intimidou mesmo após um dos policiais disparar a arma contra ele e que foi em frente defender seu filho, quando um dos policiais "veio para me chutar, para pegar no ‘pé da barriga’. Eu fui e pulei para trás um pouco, esguei o corpo e pegou na minha mão. Tô aqui com os três dedos inchados”, relatou. Afirmou ainda que os policiais teriam trancado filhas dele em uma casa para que elas não acompanhassem a abordagem. Seriam três as viaturas policiais que participavam da ação. E além do mestre dois de seus filhos também sofreram agressões dos policiais.

Esse fato ocorreu no bairro João Cabral, periferia de Juazeiro do Norte - Ce, cujo governo municipal tem à frente um inspetor da polícia civil.

Do genocídio ao Ministério: o que muda no Brasil com os indígenas no poder?

 

“Não será fácil superar 522 anos em quatro”, disse Sonia Guajajara em cerimônia de posse histórica - Sergio Lima/AFP.


O antropólogo Darcy Ribeiro externou na década de 50 uma preocupação assustadora: os povos indígenas do Brasil estavam sendo levados ao desaparecimento. Não era alarmismo. A população estimada pela Funai em 3 milhões, antes da chegada dos colonizadores, havia caído para 70 mil em 1957.

Por isso, não foi meramente retórica a declaração de Sonia Guajajara ao tomar posse, no dia 11 de janeiro de 2023, como a primeira ministra dos Povos Indígenas do Brasil. "Não será fácil superar 522 anos em quatro", declarou, na cerimônia histórica.

Faz menos de um século que o genocídio passou a ser denunciado com veemência por homens e mulheres que, decididos a interromper o massacre, fundaram as primeiras organizações indigenistas. Entre eles, estava o filósofo e teólogo gaúcho Egydio Schwade.

"Foi uma longa caminhada para se chegar a este sucesso com a criação do Ministério. Acho a iniciativa muito boa e audaz, de grande futuro mais do que lindo para toda a América. Entretanto, minha expectativa continua cautelosa", pondera Schwade.

Desafios

Schwade acompanha o desenrolar da política indigenista desde os tempos do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), que pretendia “pacificar” e “integrar” os indígenas à sociedade dos colonizadores.

"O SPI que conheci na década de 60, com todos os seus erros e crimes, foi melhor do que a Funai que Joenia Wapichana [nova presidenta da Funai] recebeu [de Bolsonaro]. Por isso meus receios continuam", justifica.

Com três concursos públicos realizados nos últimos 30 anos, o quadro de servidores da Funai na Amazônia caiu pela metade em desde 2013. Rebatizada neste ano de Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), o órgão tem R$ 600 milhões no orçamento de 2023 para gastar com 726 terras indígenas.

"Esse orçamento não é suficiente, mas o presidente Lula já sabe disso e, com isso, eu espero que a Funai tenha um apoio financeiro a mais por conta das necessidades do órgão que é tomar conta de 14% do território brasileiro", reconheceu Joenia em entrevista ao site Ecoa Uol.

O que muda na Funai?

O presidente da associação de servidores da Funai, a Indigenistas Associados (INA), Fernando Vianna, espera que a criação do Ministério dos Povos Indígenas se traduza no fortalecimento do serviço público "tanto em termos de orçamento, como de sustentação política e mesmo de condições de trabalho".

"Um ministério específico para articular o indigenismo de Estado representa, em princípio, um salto de qualidade em termos do reconhecimento da importância do trabalho a que nos dedicamos, que se resume na proteção e promoção dos direitos indígenas”, projeta Vianna.

Ainda não está claro, porém, como esse processo se dará na prática. A Funai será oficialmente integrada à pasta de Sonia Guajajara a partir de 24 de janeiro, quando entra em vigor o decreto presidencial que modifica a estrutura ministerial. Até lá, o órgão indigenista segue sob o Ministério da Justiça.

"A suplementariedade do Ministério dos Povos Indígenas em relação à Funai será construída com o tempo. Mas a gente parte de uma estaca zero de positividade e otimismo, já que o condutor desse processo é o movimento indígena brasileiro, que tem demonstrado muita maturidade de propósitos", diz o presidente da INA.

Indígenas no poder

A colonização confinou o povo Terena em territórios fragmentados e espalhados por pequenas "ilhas" indígenas cercadas por fazendas no Mato Grosso do Sul. Na última semana, Alberto Terena falou ao Brasil de Fato enquanto acompanhava a cerimônia de posse de Sonia Guajajara.

"Todos estão muito emocionados pelo fato de a gente ter passado quatro anos com uma proposta anti-indígena de governo. Quando a gente começa a fazer parte deste governo que propõe ouvir o nosso povo, é muito importante para nós. É um momento histórico", afirmou, em meio aos aplausos da multidão.

Representante do Conselho Terena a da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), ele espera que as demandas mais urgentes dos povos possam ser atendidas. E prevê que as políticas públicas possam ser formuladas pelos próprios indígenas, que poderão conhecer de dentro as limitações burocráticas do Estado.

"A Sônia [Guajajara] tem todo o preparo de uma extensa jornada de lutas dentro do movimento indígena. Ela traz para si a responsabilidade de assumir esse ministério. Somos representados pela Sonia, estamos junto com ela e estaremos dentro da proposta desse ministério", frisou a liderança Terena.

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Com informações do Brasil de Foto.

“Mais que uma crise humanitária, o que vi em Roraima foi um genocídio”, diz Lula sobre os Yanomami

 

Crime premeditado contra os Yanomami, diz Lula durante visita a comunidade. (FOTO/ Ricardo Stuckert).

Um crime premeditado contra os Yanomami, cometido por um governo insensível ao sofrimento do povo brasileiro.

Fome, doenças e mortes. Falta de médicos e medicamentos. Adultos com peso de crianças, crianças morrendo por desnutrição, malária, diarreia e outras doenças. Os poucos dados disponíveis apontam que nos últimos quatro anos pelo menos 570 crianças menores de 5 anos perderam a vida no território Yanomami, vítimas de doenças que poderiam ser evitadas e tratadas.

Além do descaso e do abandono por parte do governo anterior, a principal causa do genocídio é a invasão de 20 mil garimpeiros ilegais, cuja presença foi incentivada pelo ex-presidente. Os garimpeiros  envenenam os rios com mercúrio, causando destruição e morte. Uma das lideranças com quem conversei resumiu a tragédia: “O peixe come o mercúrio, a gente come o peixe, a gente morre”.

Por isso, quero repetir o que disse durante a campanha eleitoral, e dizer novamente agora ainda com mais convicção: Não haverá garimpo ilegal em terra indígena.

Na Casa de Saúde Indígena Yanomami vi pessoas que saem de suas aldeias em busca de atendimento em Boa Vista e depois não conseguem voltar para suas aldeias. Conversei com uma senhora que está há seis meses à espera do transporte de volta, desesperada porque seus filhos ficaram na comunidade. Outro Yanomami, que trabalha como agente comunitário de saúde, me contou que foi a Boa Vista receber o salário e não consegue mais voltar, para cuidar da saúde do seu povo.

Isso precisa e vai acabar. Vamos aumentar o número de voos e melhorar as pistas de pouso nas comunidades, para que aviões de grande porte consigam pousar, transportando um número maior de pessoas. Quero também mudar a lógica atual: em vez das pessoas saírem de suas comunidades para buscar tratamento em Boa Vista, vamos levar equipes médicas permanentes para cada comunidade Yanomami.

Já ouvi várias pessoas dizendo que no Brasil tem muita terra para poucos indígenas, e que os indígenas estão ocupando o território brasileiro. Mas essas pessoas esquecem que em 1500 os povos originários eram donos de todo o Brasil. Ou seja: nós é que estamos ocupando o que pertence aos primeiros habitantes do nosso país.

Não haverá mais genocídios. A partir de agora, os Yanomami e demais povos indígenas serão tratados com dignidade, como cidadãos brasileiros de primeira classe.

A humanidade como um todo, e o Brasil em particular, têm uma dívida histórica para com os povos indígenas, que preservam o meio ambiente e ajudam a conter os efeitos das  mudanças climáticas. Essa dívida será paga, em nome da sobrevivência do planeta Terra e de todas as criaturas que nele habitam.

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Texto publicado pelo presidente Lula em suas redes sociais.

Com Bolsonaro, desmatamento na Amazônia cresce 150%, pior marca já registrada pelo Imazon

 

Números do Imazon mostram destruição sem precedentes - Christian Braga/Greenpeace.


O desmatamento na Amazônia bateu o quinto recorde anual seguido em 2022 e atingiu a maior destruição dos últimos 15 anos, quando começou a série histórica da pesquisa. Com 10.573 quilômetros quadrados de área derrubada, a floresta perdeu em média quase 3 mil campos de futebol por dia no último ano.

Os números foram divulgados na quarta-feira (18) pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e obtidos via monitoramento por satélites.

Entre 2019 e 2022, durante o mandato do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), a área derrubada atingiu 35.193 quilômetros quadrados. O tamanho é maior do que os estados de Sergipe e Alagoas juntos. Na comparação com os quatro anos anteriores, o aumento foi de quase 150%.

80% das áreas desmatadas no ano passado pertencem ao governo federal. Nesses territórios, a devastação cresceu 2% em relação a 2021. Apenas 11% do desflorestamento ocorreu em terras estaduais, mas foi nelas onde houve o maior salto devastação de um ano para o outro: 11%.

Esperamos que esse tenha sido o último recorde de desmatamento reportado pelo nosso sistema de monitoramento por satélites, já que o novo governo tem prometido dar prioridade à proteção da Amazônia", disse Bianca Santos, pesquisadora do Imazon, em nota divulgada pelo Instituto.

Para atingir a redução dos índices, Santos afirma que será preciso "máxima efetividade" no combate ao desmatamento, como a retomada da regularização de terras indígenas, a reestruturação dos órgãos de fiscalização e do estímulo à geração de renda com a floresta em pé.

Corrida pela devastação

Embora com uma margem de diferença, os dados do Imazon são compatíveis com os Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao governo federal, divulgados no início de janeiro.

Ambos os monitoramentos apontaram uma corrida pela devastação da floresta em dezembro de 2022. Segundo o Imazon, a derrubada cresceu 105% em relação ao mesmo mês de 2021, batendo o recorde da série histórica do Instituto.

O coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon, Carlos Souza Jr, diz que houve uma "corrida desenfreada para desmatar enquanto a porteira estava aberta para a boiada".

O aumento da destruição é compreendido como uma reação ao início do governo Lula, que prometeu zerar o desmatamento até 2030. "Isso mostra o desafio do novo governo [federal]", comentou.

"Amacro": nova fronteira do desmatamento

Desde 2019, Pará, Amazonas e Mato Grosso lideram o ranking estadual de desmatamento do Imazon. Em 2022, eles foram responsáveis por 76% de toda a floresta derrubada.

O maior aumento de um ano para o outro ocorreu no Amazonas e foi de 24%. O Imazon diz que o principal foco é na tríplice fronteira estadual Acre e Rondônia, área conhecida como “Amacro”, junção das siglas dos estados.

Nessa região se consolidou uma nova frente de expansão agropecuária durante o governo Bolsonaro, impulsionada pelo enfraquecimento da fiscalização e o incentivo ao agronegócio predatório.

Estamos alertando sobre o crescimento do desmatamento na Amacro pelo menos desde 2019, porém não foram adotadas políticas públicas eficientes de combate à derrubada na região, assim como em toda a Amazônia, resultando nesses altos números de destruição em 2022”, lamentou o coordenador do Programa de Monitoramento da Amazônia do Imazon.

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Com informações do Brasil de Fato.


Memória da população negra, por Henrique Cunha Júnior

 

(FOTO | Danny Abensur).


Memória é assunto importante, entretanto subjetivo. A memória é a base da historia de populações, sendo, portanto um documento da historia. Temos que história é o reconhecimento da existência de um grupo social e da sua inscrição na sociedade. O que não faz parte da historia é como não houvesse existido ou não tivesse importância em ter existido. Portanto numa sociedade de hierarquias sociais e de dominação entre os grupos sociais a memória e historia são componentes importantes para os direitos culturais, históricos e sociais. Brasil não se escreveu a história do escravismo criminoso na perspectiva da população negra pois seria peça para cobrança de indenizações e reparações sociais por estes crimes baseado na justiça da democracia liberal atual. As memórias dos grupos populacionais são especificas e formadas a partir da cultura processada pelo grupo social. Temos que a memórias é particular e especifica dos grupos sociais. Visto que os fatos sociais que tem importância para o grupo social não tem a mesma importância para os demais. As memórias do escravismo criminoso são importantes apenas para a população negra. Assim como as memórias das comunidades quilombolas tem importância para a população dessas localidades e para historia da população negra.

Sendo que essas memórias quilombolas quando reunidas formam uma peça histórica e que através de processos de reconhecimento pela fundação cultural palmares e pelo INCRA dando direito legal a posse e titulação das terras. Assim a memória e a historia são dois patrimônios culturais das populações que revertem em direitos sociais. Desse fato dos direitos sociais é surgem as controvérsias e disputas sobre a memória e a sua subjetividade.

Parte dos historiadores africanos se dedicaram ao aperfeiçoamento do uso da memória nos seus diversos suportes, como a literatura, a musica, a danças e o teatro na produção da historia. Parte da historia Geral da África é consequência do uso do equipamento documental produzido pelos memorialistas das sociedades africanas. A produção da Historia Geral da África é um marco revolucionário no estudo da historia no mundo ocidental. Sendo que cristaliza os estudos da memória e dos memorialistas dentro dos patamares científicos do ocidente. Foi uma revolução no estudo da historia que parte dos historiadores brasileiros conservadores relutam em aceitar e muito menos em incorporar ao ensino da historia no Brasil. A memória e os memorialistas, e o seu reconhecimento se transformou numa questão política e de relações sociais entre grupos sociais. Estamos falando também de estruturas racistas antinegro inseridos nestas disputas. Os assuntos científicos da memória no ocidente e no Brasil ficaram muito limitados e condicionados a invenção da memória através de uns poucos nomes europeus. Sendo que a cristalização e a limitação dos enfoques reproduzem as geopolíticas da dominação ocidental e do racismo antinegro em suas estruturas de aparência liberal e livremente cientifica. A ciência da historia no Brasil incorporou apenas a referência europeia e não trata as referencias africanas, afro-caribenhas e afrobrasileiras. Portanto a produção da Historia Geral da África apresenta pouco impacto e pouco usa na formação dos historiadores brasileiros por um defeito da cor do poder e da geopolítica do grupo dominante.

Memória seja individual ou coletiva se processa pela lembrança e interpretação dessas lembranças que temos do que foi vivido pelos indivíduos, em dado lugar ou região e num período temporal. São lembranças das paisagens, das localidades, dos fatos, as pessoas e das coisas que envolvem essas pessoas. O lugar sempre é um grande ingrediente da lembrança. Que é composto de coisas, conversas, fatos, relações entre pessoas e pessoas e coisas, de situações impares que pela importância data ficam registradas na mente humana. A razão do registro e forma de registro é variável, as vezes inexplicável, o importante é compõe um conjunto de registros mentais e que explicam as nossas existências. As lembranças tem lugar, cenário, familiar, de trabalho, de casa, da escola e de lugares por onde passamos. A lembrança é um elo com o passado, é uma interpretação do passado onde vivem as pessoas e onde construíram as sua existência. A lembrança é marca em ter existido.

Das lembranças decorre a memória, como uma sistematização. Temos como primeira instancia as lembranças que formam a memória e constituem um forma individual ou coletiva de recuperar o passado, seja por problemas sentimentais, de se localizar no mundo vivido, seja por problemas de ordem política da afirmação das existências dos grupos sociais, a base da primeira forma da memória que possibilita a recuperação do nosso passado. As lembranças e as memórias são especificas dos grupos sociais, da mesma forma que deveriam ser os conceitos científicos do tratamento dessas. Decorre também a impossibilidade de uma historia universal ou universalizada. Sendo esse ainda um enorme problema da pesquisa e do ensino de historia no Brasil. Esses desconsideram as perspectiva das populações negras brasileiras.

A memória da população negra é a síntese das lembranças da vida dessa população dentro dos fatos que são importantes e relevantes na nossa formação cultural. As memórias da população negra são condicionadas a vivência social e cultural das populações negras e é especifica. Para as lembranças da população branca racismo antinegro nunca existiu. Para uma parcela da população negra essa é a lembrança mais cruel das experienciais vividas, mesmo as pessoas não saibam conceitua-las como racismo antinegro. Sendo que racismo não é um problema de raças e sim de política de dominação. Sendo que também não vale pensarmos que na sociedade socialista não haverá racismo antinegro, pois as nossas lembranças são parte do passado e não do futuro.

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Henrique Cunha Júnior é professor da Universidade Federal do Ceará (UFC). Possui mestrado em Dea de Historia - Université de Nancy- França (1981) e Doutorado em Engenharia Elétrica pelo Instituto Politécnico de Lorraine (1983) e orienta doutoramentos e mestrados em Educação com temas relacionados a história e cultura africana, espaço urbano, bairros negros.