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(FOTO | Natália Carneiro). |
A
historiadora Ana Flávia Magalhães Pinto foi empossada como diretora
geral do AN (Arquivo Nacional), nesta sexta-feira (18). A cerimônia,
que ocorreu no Palácio da Fazenda, no Rio de Janeiro, contou com a
presença da ministra da Igualdade Racial Anielle Franco e
representantes de movimentos sociais.
Essa
é a primeira vez que uma mulher negra assume o cargo de direção do
órgão em 185 anos. Um passo importante para a gestão de documentos
e democratização no acesso ao conhecimento.
Em
discurso, Ana Flávia destacou que ao receber o convite da ministra
Esther Dweck para o cargo se sentiu preparada para seguir neste
espaço, dando continuidade ao exercício de cidadania, antirracismo
e contribuindo para fortalecer o Arquivo Nacional. A diretora também
destacou que terá historiadores, arquivistas e usuários como
prioridade de sua gestão.
Sueli
Carneiro, diretora executiva de Geledés-Instituto da Mulher Negra,
enfatizou em seu discurso que a trajetória de Ana Flávia “será
fundamental para que a gestão documental do Arquivo Nacional seja
valorizada e ampliada, sem abrir mão da responsabilidade da
instituição nesta fase de investimento público na memória como
fundamento da reconstrução do País”.
A
presença da historiadora no Arquivo Nacional também abre a
perspectiva de se “testemunhar a preservação e amplificação da
história brasileira democrática, aberta, plural e ativa no
enfrentamento ao racismo, às desigualdades de gênero, à
colonialidade e ao epistemicídio.”, segundo Sueli.
Sobre
Ana Flávia Magalhães Pinto
Doutora
em História pela Unicamp (Universidade de Campinas), mestre na mesma
área pela UnB (Universidade de Brasília) e bacharel em Jornalismo
pelo UniCEUB (Centro Universitário de Brasília), Ana Flávia
Magalhães Pinto foi a primeira docente negra do Departamento de
História da UnB. Atuou como coordenadora da Regional Centro-Oeste do
Grupo de Trabalho de Emancipações e Pós-Abolição, da Associação
Nacional de História, integra a Rede de Historiadoras Negras e
Historiadores Negros (RHN) e a Coalizão Negra por Direitos.
Leia
a íntegra do discurso de Ana Flávia
Boa
noite a todas, todes e todos!
“Venham
preparados ou não venham de jeito nenhum”.
Há
quase dez anos, num discurso em que defendia formas inovadoras e
efetivas de enfretamento às desigualdades no Brasil, Luiza Bairros,
então ministra da Seppir, mobilizou essa passagem da obra da
escritora afro-estadunidense Toni Morrison para provocar a ação do
governo e da sociedade brasileira.
Na
ocasião, a despeito da comoção de boa parte da audiência, que
prontamente começou a bradar “Estamos preparados!”, as reações
diante de uma frase tão categórica foram diversas. Houve quem não
visse sentido algum no que fora dito. Teve também gente assustada.
Afinal, o que fariam as pessoas que tinham a vontade de agir, mas se
sentiam inseguras para dar conta da missão? Teve ainda gente que fez
daquelas palavras oportunidade para elaborar silenciosamente uma
avalição sobre si e se dar conta do que poderia significar estar
preparada para o desafio que estava posto. E de fato seguir agindo.
Enquanto
vivia a organização desta cerimônia, em meio a uma infinidade de
demandas e contratempos da nova rotina, a movimentação das pessoas
comprometidas em fazer isso aqui acontecer me levava frequentemente a
lembrar daquela frase dita por Luiza uma década atrás.
O
Brasil de 2023, para quem se manteve na luta por justiça e
dignidade, parece estampar no ar: “Venham preparados ou não venham
de jeito nenhum”. Na verdade, estando nós mais conscientes do que
sempre esteve em disputa, é Tempo até mesmo de ajustar a frase:
“Venham preparadas, preparades e preparados ou não venham de jeito
nenhum!”.
Quando
recebi o convite da ministra Esther Dweck para assumir a
Direção-Geral do Arquivo Nacional, eu me sentia absolutamente
preparada para seguir nas lutas por um Brasil para todas, todes e
todos a partir dos espaços de exercício de cidadania em que já
estava. Estar no departamento de história da Universidade de
Brasília não mais como a única professora negra, graças à
chegada da malunga Mariléa de Almeida, aumentava a gana para seguir
na defesa da educação pública, gratuita e de qualidade a serviço
do povo brasileiro.
Ao
mesmo tempo, a criação de novas e potentes possibilidades de
exercer o ativismo antirracista e antissexista a partir das fileiras
da Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros e da Coalizão
Negra por Direitos, mesmo num cenário tão adverso, me fazia querer
ousar mais. Afinal, nunca antes na história deste país,
historiadoras negras e negros alcançaram tantos espaços e da
maneira como temos feito.
Numa
conversa com Sueli Carneiro nos primeiros dias do ano, falávamos da
legitimidade e da importância desses lugares de construção
política.
Era
certo que, tal como fizemos com Luiza, estaríamos prontas para
fortalecer a ação daquelas e daqueles que, estando no novo governo,
assumiam o desafio de combater o racismo, o sexismo, a LGBTfobia, a
destruição ambiental neste país, entre outras barreiras. Mas, no
meu caso, não poderia me afastar dos combates pela História. Foi
para isso que fui formada acadêmica e politicamente. Sendo assim,
pouca coisa poderia fazer mudar o que já estava planejado.
Atuar
no Arquivo Nacional, portanto, era uma das reduzidíssimas
possibilidades que poderiam me fazer cogitar mudar de rota e atuar
diretamente no governo. Quando o convite chegou, na noite em que saía
da formatura de historiadoras e historiadores da UnB pela quinta vez
em cinco anos, eu não consegui dizer não de pronto.
Confesso
que procurei apoios para recusar, mas não obtive. Em vez disso, ouvi
de diferentes pessoas que me são referências, mulheres e homens
negros, indígenas, cis e transgênero, com diferentes orientações
sexuais e origem regional, pessoas brancas com compromisso
antirracista também. O que ouvi foi: Esse é um espaço que nos é
estratégico e criamos condições para que a nossa chegada nele
pudesse acontecer. Estaremos contigo como sempre foi.
O
aceite ao convite demandou ainda um exercício de avalição do
cenário considerando outras dimensões e questões sensíveis. Disse
sim sabendo que teria desafios maiores do que aqueles que eram
percebidos da porta para fora. Mas, de fato, tanto individual quanto
coletivamente, estivemos nos preparando para não recuar neste
momento.
E
é assim que “Estamos chegando do chão da oficina, estamos
chegando do som e das formas, da arte negada que somos, viemos
criar”. Criar e fortalecer meios para evidenciar que o Arquivo
Nacional é uma instituição viva por força da ação de servidoras
e servidores, usuárias e usuários, que serão prioridade desta
gestão.
Assumimos
o compromisso de trabalhar muito para que a realização da missão
institucional do Arquivo Nacional seja compreendida como
imprescindível para a preservação de um valiosíssimo patrimônio
nacional, a nossa memória, singular, mas mobilizada no plural.
Estaremos a serviço da promoção da cidadania e direitos humanos
neste país.
A
propósito, aproveito a oportunidade para dizer que, além do
fundamental corpo de servidoras e servidores já atuantes no Arquivo
Nacional, passaremos a contar com:
Leandro
Bulhões: Chefe de Gabinete. Doutor em História, professor da
Universidade Federal do Ceará, integrante da Rede de Historiadoras
Negras e Historiadores Negros.
Mônica
Lima: Coordenadora Geral de Articulação de Projetos e
Internacionalização. Doutora em História e professora de História
da África da Universidade Federal do Rio de Janeiro.
Jader
Moraes: Coordenador Geral de Comunicação. Mestre em Comunicação e
jornalista com experiência em comunicação corporativa,
institucional e popular.
Eric
Brasil: Diretor de Processamento Técnico, Preservação e Acesso ao
Acervo. Doutor em História e professor na Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-brasileira.
Gecilda
Esteves: Diretora de Gestão Interna. Servidora do TCE Rio de
Janeiro, Mestra em Administração Pública (FGV-RJ), Mestra em
Ciências Contábeis (UFRJ), Especialista em Controle Externo, com
ênfase em Auditoria Governamental (FGV-RJ).
Maria
Aparecida Moura: Diretora de Gestão de Documentos e Arquivos.
Professora Titular da Escola de Ciência da Informação da
Universidade Federal de Minas Gerais.
Fábio
Costa de Souza: Assessor de Articulação Institucional. Analista
Técnico de Políticas Sociais. Psicólogo de formação, Mestre em
Assuntos Avançados em Seguridade Social e MBA em Gestão Estratégica
da Administração Pública.
Diana
Santos Souza: Coordenadora de Processamento Técnico e Preservação.
Mestra em História, Técnica em Digitalização e Documentação,
integra a Rede de Historiadoras Negras e Historiadores Negros e o
Wiki Movimento Brasil.
Carlos
Augusto da Silva Junior: Coordenação de Apoio Técnico
Administrativo. Bacharel em Ciências da Computação, Especialista
em Gestão de Processos Universitários e Servidor
Técnico-administrativo da Universidade Federal da Bahia.
Finalizo
agradecendo a Ministra Esther Dweck pelo convite, todos e todas as
companheiras de Ministério com quem tenho aprendido muito e todas as
pessoas presentes hoje e nos próximos momentos desta jornada. Em
especial agradeço às minhas famílias, nas pessoas de minha mãe
Sara Ramos Magalhães Pinto e de Equede Sinha.
Muito
obrigada mesmo! Tendo sobrevivido a tempos difíceis, estejamos
preparadas para criar tempos de esperança e felicidade!
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Com
informações do Geledés.