Paulo Coelho. (FOTO/Reprodução). |
O
escritor Paulo Coelho publicou, nesta semana, artigo no Washington Post onde,
por conta do anúncio do presidente Jair Bolsonaro de querer comemorar
‘devidamente’ o golpe de 31 de março, descreve tortura sofrida por ele durante
o regime militar.
O
escritor conta que, em 28 de maio de 1974, seu apartamento foi invadido por um
grupo de homens armados. “Começam a
revirar gavetas e armários – não sei o que estão procurando, sou apenas um
compositor de rock”, diz.
“Sou levado para o DOPS (Departamento de
Ordem Política e Social), fichado e fotografado. Pergunto o que fiz, ele diz
que ali quem pergunta são eles. Um tenente me faz umas perguntas tolas, e me
deixa ir embora. Oficialmente já não sou mais preso: o governo não é mais
responsável por mim. Quando saio, o homem que me levara ao DOPS sugere que
tomemos um café juntos. Em seguida, escolhe um táxi e abre gentilmente a porta.
Entro e peço para que vá até a casa de meus pais – espero que não saibam o que
aconteceu”, afirma.
O
relato do escritor toma outro rumo: “No
caminho, o táxi é fechado por dois carros; de dentro de um deles sai um homem
com uma arma na mão e me puxa para fora. Caio no chão, sinto o cano da arma na
minha nuca. Olho um hotel diante de mim e penso: ‘não posso morrer tão cedo’”,
escreve.
“Sou levado para a sala de torturas, com
uma soleira. Tropeço na soleira porque não consigo ver nada: peço que não me
empurrem, mas recebo um soco pelas costas e caio. Mandam que tire a roupa.
Começa o interrogatório com perguntas que não sei responder. Pedem para que
delate gente de quem nunca ouvi falar. Dizem que não quero cooperar, jogam água
no chão e colocam algo nos meus pés, e posso ver por debaixo do capuz que é uma
máquina com eletrodos que são fixados nos meus genitais”,
destaca.
O
relato ganha ares de dor. “Entendo que,
além das pancadas que não sei de onde vêm (e portanto não posso nem sequer
contrair o corpo para amortecer o impacto), vou começar a levar choques. Eu
digo que não precisam fazer isso, confesso o que quiser, assino onde mandarem.
Mas eles não se contentam. Então, desesperado, começo a arranhar minha pele,
tirar pedaços de mim mesmo”, diz o escritor, numa cena parecida com a que
descreve em seu livro “Hippie”.
No
dia seguinte, outra sessão de tortura, com as mesmas perguntas. “Depois de não sei quanto tempo e quantas
sessões (o tempo no inferno não se conta em horas), batem na porta e pedem para
que coloque o capuz. O sujeito me pega pelo braço e diz, constrangido: não é
minha culpa. Sou levado para uma sala pequena, toda pintada de negro, com um
ar-condicionado fortíssimo. Apagam a luz. Só escuridão, frio, e uma sirene que
toca sem parar.”
“Quando acordo estou de novo na sala. Luz
sempre acesa, sem poder contar dias e noites. Fico ali o que parece uma
eternidade. Anos depois, minha irmã me conta que meus pais não dormiam mais;
minha mãe chorava o tempo todo, meu pai se trancou em um mutismo e não falava”,
escreve.
“Já não sou mais interrogado. Prisão
solitária. Um belo dia, alguém joga minhas roupas no chão e pede que eu me
vista. Me visto e coloco o capuz. Sou levado até um carro e posto na mala.
Giram por um tempo que parece infinito, até que param – vou morrer agora?
Mandam-me tirar o capuz e sair da mala. Estou em uma praça com crianças, não
sei em que parte do Rio.”
O retorno
à casa não deixa de ser dramático. “Minha
mãe envelheceu, meu pai diz que não devo mais sair na rua. Procuro os amigos,
procuro o cantor, e ninguém responde aos meus telefonemas. Estou só: se fui
preso devo ter alguma culpa, devem pensar. É arriscado ser visto ao lado de um
preso. Saí da prisão mas ela me acompanha. A redenção vem quando duas pessoas
que sequer eram próximas de mim me oferecem emprego. Meus pais nunca se
recuperaram.” (Com informações de CartaCapital).
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