Atlas da Violência: assassinatos de indígenas sobem 22% em uma década

 

Pelo menos 2.074 indígenas foram assassinados entre 2009 e 2019 no Brasil. Atlas da Violência 2021 também faz um retrato sobre as agressões contra a população LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. (FOTO/ Mídia Ninja/ MNI).

A violência letal contra os povos indígenas recrudesceu na última década, de acordo com o Atlas da Violência 2021, divulgado nesta terça-feira (31). A publicação revela, com base em dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM) do Ministério da Saúde, que ao menos 2.074 pessoas indígenas foram assassinadas entre 2009 e 2019. Um aumento de 21,6% na taxa de homicídios, na contramão dos homicídios em geral no país, que registraram queda de 20%, no mesmo período, segundo a publicação.

Foram 15 mortes de indígenas por 100 mil habitantes em 2009 para 18,3 por 100 mil habitantes, em 2019. Isso ante a redução geral de 27,2 mil para 21,7 mil por 100 mil habitantes. Essa é a primeira vez que os dados sobre a violência letal contra os povos originários foram analisados no Atlas elaborado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) e o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Instituto Jones dos Santos Neves (IJSN). A publicação levou em conta também dados do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) da Saúde.

Para retratar a violência no Brasil contra essa população específica, o estudo analisou os números de homicídios nos municípios com terras indígenas e sem terras indígenas. A comparação mostrou que nas cidades com Terras Indígenas (TIs), as taxas de homicídios foram maiores, chegando a uma taxa de 20,4 para 100 mil habitantes, enquanto que os municípios sem territórios indígenas fecharam o período com uma taxa de assassinatos de 7,7 para 100 mil habitantes. Nos estados com TIs, Amazonas (49), Roraima (41), Mato Grosso do Sul (39) e Amapá (30,1), registraram os maiores índices de violência letal. Em alguns estados, a situação, segundo o Atlas, “é ainda mais grave relativamente” porque a taxa de homicídios contra pessoas indígenas supera os índices de assassinatos no geral.

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Com informações da RBA.

Resistência negra e as páginas rasgadas da ditadura

 

Movimento Contra a Discriminação Racial, nas escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, no ano de 1978. (FOTO/ Reprodução/ Outras Palavras).

Lideranças perseguidas e assassinadas. Escolas de samba e bailes soul monitorados. Pesquisas e debates sufocados. Militares agiram para vender ao mundo a falaciosa “democracia racial” — uma história que, agora, começa a ser contada

No carnaval passado, a Estação Primeira da Mangueira abalou a Sapucaí com o samba-enredo Histórias para ninar gente grande em que dizia cantar “A história que a História não conta”, seguindo uma tradição importante do samba brasileiro de crítica social e de transmissão de memória coletiva. Da mesma forma, faz quarenta anos que se conta na tradição oral das rodas de samba paulistas que a composição de Geraldo Filme, Silêncio no Bixiga, fora entoada no enterro de Pato N´água, exímio sambista, que teria sido assassinado pelos esquadrões da morte, na então “cidade da garoa”, nos tempos mais sombrios da ditadura militar.

Geraldo Filme, talvez já ciente dos apagamentos intencionais ou não da história, e frente ao contexto de forte repressão militar, deixou registrado na memória afetiva e intelectual afro-brasileira e popular o samba que até hoje faz parte das boas rodas de São Paulo. A homenagem que fez ao “sambista de rua” ficou conhecida também, em algumas versões, como um registro sensível da experiência negra durante os anos de chumbo.

 

(…) Escolas

Eu peço silêncio de um minuto

O Bixiga está de luto

O apito de Pato N’água emudeceu

Partiu

Não tem placa de bronze

Não fica na história

Sambista de rua morre sem glória (…) (FILME, 1969)

 

O icônico samba ainda é um guardião das memórias até hoje não reveladas da última ditadura, já que nenhum livro de História que circula nas salas de aula das  escolas brasileiras, públicas ou privadas, discute o impacto da ditadura militar sobre a população negra e suas expressões culturais e políticas. De fato, a historiografia nacional e a produção acadêmica especializada no assunto, no Brasil e fora dele, construíram uma narrativa sobre o período que deixou à margem segmentos sociais expressivos do povo brasileiro. A Comissão Nacional da Verdade, um marco para o escrutínio da memória do nosso passado recente e que trouxe grandes contribuições para o enfrentamento dos tabus do regime autoritário vigente entre 1964 e1985, reproduziu o racismo estrutural ao silenciar-se sobre a temática racial e sobre as formas de resistência negras durante o período. Essa lacuna tem efeitos perversos pelos menos em dois aspectos: 1) na invisibilidade ou no apagamento da presença negra nas lutas (armadas) e outras formas de resistência ao regime militar; e 2) nos desdobramentos dos efeitos da ditadura – sejam em termos de um pensamento autoritário ou em formas e técnicas de repressão – sobre a população negra e periférica durante e após o período autoritário. Não à toa, quando jornalistas e jovens investigadores se deparam com documentos oficias sobre a questão racial ou com casos no contexto democrático que se assemelham ao período do regime militar (a exemplo de prisões ilegais e arbitrárias, da tortura, dos assassinatos ou dos desaparecimentos forçados de pessoas negras e periféricas sob o poder das autoridades policiais) não sabem ao certo a quem recorrer para dar maior inteligibilidade à “caixa preta” do período autoritário e seus efeitos deletérios no período democrático.

Afinal, como a ditadura militar impactou a vida dos negros brasileiros?

O estabelecimento do regime militar teve múltiplos impactos sobre a questão racial no Brasil. Censura, controle de informação, guerra ideológica, vigilância, exílios, cassações, perseguições, prisões, remoções em favelas, tortura, assassinatos, omissões no enfrentamento aos grupos de extermínio, de justiçamento e de esquadrões da morte, desaparecimentos forçados, desarticulação do ativismo e de organizações negras, além do sufocamento do debate sobre o preconceito, a discriminação e as desigualdades raciais no país. Nos termos de Lélia Gonzalez, após o Golpe de 1964, houve um verdadeiro “silenciamento, a ferro e fogo, dos setores populares e de sua representação política” (1982, p.11).

Um exemplo paradigmático, porém pouco conhecido, é o caso de Esmeraldo Tarquinio, deputado negro pela Baixada Santista. Atento às demandas populares e negras da região, a trajetória do então deputado foi marcada por um conflito racial com os militares. Logo após o Golpe, Tarquino fez discurso sobre a retração democrática no país, ao que um general violentamente retrucou: “Se no Brasil não tivesse democracia, um preto comunista que nem você não seria deputado”.  E logo acrescentou: “Vá para Rússia lavar latrina. Lá que é o seu lugar!”. O referido episódio permaneceu na memória do ex-deputado e, sempre que teve oportunidade, remontava esse caso como fator explicativo para a sua cassação anos depois, o que o impediu de assumir o cargo de prefeito na cidade de Santos, para o qual fora eleito democraticamente. Em seu lugar, o General Costa e Silva nomeou um interventor federal, já que Tarquinío teve seus direitos políticos suspensos por dez anos e nunca mais teve oportunidade de exercer sua vocação política; em 1982, quando novamente pôde se candidatar, morreu às vésperas das eleições.

Poucos sabem, mas o silenciamento oficial durante o regime também gerou a supressão da pergunta sobre raça/cor no censo de 1970.  Pela primeira vez na história do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), não se pôde coletar dados capazes de informar sobre as diferenças nas condições de vida da população brasileira segundo o seu pertencimento racial. A supressão da pergunta impactou diretamente a produção acadêmica e a luta antirracista, que se nutria desses dados oficiais para realizar as análises e denúncias sobre as fortes e persistentes desigualdades raciais brasileiras.

Acrescente-se a este a retração dos estudos acadêmicos sobre a temática racial. A agenda de pesquisa sobre relações raciais desenvolvida no processo de institucionalização do campo científico das ciências sociais, a exemplo das pesquisas realizadas por Florestan Fernandes e seus orientandos, perdeu o espaço que tinha na principal universidade brasileira, posto que os militares interferiram diretamente na carreira universitária de estudiosos cujos resultados das investigações questionavam o mito da democracia racial, de um lado, e o argumento da ausência de preconceito racial, de outro.  Como certa vez disse o historiador Thomas Skidmore, os militares não chamavam de subversivos apenas os guerrilheiros com suas armas, mas também os cientistas com suas ideias.  Nas palavras do sociólogo Antônio Sérgio Guimarães, “foi nesse período que a democracia racial passou a ser um dogma, uma espécie de ideologia do Estado brasileiro” (1999, p. 66). É irônico notar que, em pleno contexto de retração de direitos civis, políticos e sociais, a diplomacia brasileira tenha insistido tanto em mostrar para o mundo as supostas relações harmônicas entre negros e brancos, livres de preconceitos e discriminações de cunho racial, escondendo graves violações aos direitos humanos e negando ou minimizando os casos de crescentes desigualdades.

Esse discurso ideológico, no entanto, foi confrontado pelas lideranças negras. Talvez, uma das mais expressivas delas tenha sido aquela realizada pelo exilado Abdias do Nascimento, fundador do Teatro Experimental do Negro, que deixou o Brasil, em 1968, rumo aos Estados Unidos, de onde passou a denunciar para o mundo a existência de racismo no Brasil. O confronto entre Nascimento e o governo militar ficou registrado no livro Sitiado em Lagos (1981), em que o autor revela as tentativas de difamação e de guerra ideológica do Itamaraty para colocar em descrédito e silenciar as denúncias do intelectual negro exilado.

Internamente, a forma coletiva de confronto mais expressiva desse contexto foi a formação do Movimento Contra a Discriminação Racial, nas escadarias do Teatro Municipal, em São Paulo, no ano de 1978. Sublinhe-se que um dos motores daquela manifestação foi o caso de Robson Silveira da Luz, que, acusado de roubar frutas, foi levado à delegacia da zona Leste de São Paulo, onde veio a óbito.  Mortes como essa, com nítidas evidências de tortura sequer são arroladas no quadro das vítimas da ditadura militar. Isso revela que há muito a se problematizar sobre a frágil, mas “sagrada” divisão entre “presos políticos” e “presos comuns” no período de 1964 a 1985.

Assim como muitas organizações críticas ao regime, lideranças, atos, encontros e seminários negros estiveram sob vigilância cerrada dos agentes de segurança, uma vez que, sob aquele regime, falar do racismo era entendido como um ato subversivo, como se tratar do assunto gerasse o “ódio racial”, tema arrolado na lei de segurança nacional, conforme nos revelou a pesquisa pioneira de Karin Kössling. Curiosamente, até onde se sabe, nenhum grupo ou ato racista foi investigado pelos militares, os militantes negros que combatiam a discriminação racial, todavia, tiveram suas vidas sistematicamente controladas pelos aparatos da repressão.

As ações de monitoramento e de censura não se limitavam aos espaços tradicionais do “fazer política”, a exemplo de sindicatos, jornais, movimentos sociais, organizações estudantis e partidos, havia também monitoramento constante dos agentes de segurança e repressão aos territórios e espaços de sociabilidade negra – como escolas de samba e bailes soul. Sem contar, as censuras e alterações de trechos de letras das composições de samba-enredo. Ainda no plano da produção artística, o crítico de cinema e sociólogo Noel Carvalho mostrou o impacto da censura no filme Compasso de espera, que tinha como tema central os preconceitos e conflitos raciais na sociedade brasileira. O conteúdo era considerado de teor subversivo, em contraste com a imagem de paraíso racial que o regime imprimia para dentro e para fora do país.

Talvez sejam por essas e outras razões que o diretor baiano Wagner Moura escolheu negritar as linhas tortuosas da ditadura militar, ao levar para telas de cinema a vida do guerrilheiro Carlos Marighella, na pele de Seu Jorge. Guardadas as devidas peculiaridades históricas, em som e em imagem, há que se notar em Moura, assim como em Geraldo Filme, a preocupação de demover dos escombros da ditadura alguns dos seus silêncios e silenciamentos. Cada um a seu modo, ambos registram fatos e experiências históricas, disputam os símbolos e as narrativas vividas sob a ditadura militar e trazem à memória social dos brasileiros e das brasileiras seus traumas coletivos. Tarefa ainda mais urgente num contexto político assolado por apologia à tortura, pelos clamores de grupos  (ainda) minoritários nas ruas em favor do retorno ao regime militar, pelo aparelhamento ideológico da extrema direita nas instituições de cultura (a exemplo da Cinemateca), pela desqualificação das comissões da verdade e das investigações sobre as vítimas, os crimes e criminosos da ditadura (vide as recentes bravatas presidenciais  e suas declarações indignas  direcionadas ao presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e à ex-presidente  do Chile e atual Alta Comissária da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH), Michelle Bachelet, pela legitimação das violações aos direitos humanos por parte de governantes do poder executivo (casos das declarações e atos aberrantes dos governadores do Rio de Janeiro e de São Paulo, que incentivam e legitimam assassinatos em favelas e em territórios periféricos), pela censura às expressões plurais de ideias e formas de viver o amor (a recente cruzada ideológica do Crivella na Bienal do livro), pela militarização das favelas, pelas intervenções nas universidades públicas, pelas ameaças às liberdades  de cátedra, de associação e organização política, aos direitos individuais e conquistas sociais.

Com efeito, falar da ditadura militar e trazer os fatos e a verdade sobre esse período tornou-se, mais do que nunca, dever imperioso e ético de nossos tempos, seja para explicar o passado e seus vínculos com o presente ou para compreender e confrontar os agentes, os discursos e as práticas de violência rotinizadas pelos atuais representantes do Estado brasileiro. Em tempo: confrontar a história é lição que aprendemos no carnaval passado.  É aprendizado para não esquecer jamais.

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Por Flavia Rios, publicado originalmente no Outras Palavras.

ONU usa Lei da Anistia como exemplo da “cultura de impunidade” contra ditaduras

 

Dilma Rousseff em tribunal da Ditadura (FOTO/ Arquivo)

Reportagem de Jamil Chade nesta segunda-feira (30) no portal Uol revela que a Organização das Nações Unidas (ONU) vai usar a Lei da Anistia, decretada por João Batista Figueiredo no fim da Ditadura Militar no Brasil, como exemplo da “cultura de impunidade” da violação de direitos humanos por regimes autoritários.

O caso brasileiro, que anistiou militares pelos crimes cometidos durante a Ditadura – louvada hoje por Jair Bolsonaro -, consta em um relatório de Fabián Salvioli, relator da ONU para a promoção da verdade, justiça e reparação.

O documento já teria sido enviado a governos e será colocado em debate ainda em setembro durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU.

Muitos países, incluindo Argentina, Brasil, Chile, República Democrática do Congo, El Salvador, Serra Leoa, Espanha, África do Sul e Uruguai, promulgaram leis de anistia que barraram investigações criminais e a punição dos responsáveis quando estavam embarcando em processos de justiça transitórios a fim de facilitar acordos ou negociações políticas”, diz Salvioli em seu relatório, que afirma ainda que “as anistias violam uma série de direitos humanos, como o direito das vítimas de serem ouvidas por um juiz e o direito à proteção judicial por meio de um recurso efetivo”.

Elas também abrem o caminho para a impunidade, impedindo a investigação, perseguição, captura, acusação e punição das pessoas responsáveis pelas violações dos direitos humanos”, afirma o texto.

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Com informações da Revista Fórum.

‘Não importa o tempo que será necessário, faremos Palmares de novo’, diz Sueli Carneiro

 

Sueli Carneiro, 71 anos (FOTO/ Andre Seiti/Divulgação).

Apesar de não ser muito afeita a entrevistas, as palavras são a principal ferramenta de trabalho de Sueli Carneiro. Há mais de três décadas, a filósofa e ativista escreve incansavelmente e, por meio de suas palavras, contundentes como espada afiada, luta pela construção de um país antirracista, mais justo, igual e solidário. Aos 71 anos, completados em junho de 2021, ela é uma das intelectuais negras mais atuantes no país e um dos nomes que abriram os caminhos do feminismo negro brasileiro.

Da menina nascida no bairro da Lapa, zona oeste da capital paulista, à doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), sua trajetória foi recentemente recontada na biografia “Continuo preta” (Ed. Companhia das Letras), escrita pela jornalista Bianca Santana, e agora é celebrada na Ocupação Sueli Carneiro, inaugurada no sábado (28), no Itaú Cultural, em São Paulo. A exposição segue em cartaz até 31 de outubro.

— A Sueli faz parte de uma geração que ajudou a construir o movimento de mulheres negras e o movimento negro como um todo. Então, contar a história dela é contar uma historia coletiva e poder celebrá-la em vida é algo muito bom — afirma Santana, que também é cocuradora da exposição.

A geração a qual a biógrafa se refere é aquela que, em 1978, fundou o Movimento Negro Unificado (MNU), visando “defender a comunidade afro-brasileira contra a secular exploração racial e humana”. Inserida neste contexto, Sueli foi uma das primeiras a argumentar que era preciso incluir no debate os recortes de gênero, raça e classe.

Em 1985, ela lançou seu primeiro livro, “Mulher negra: política governamental e a mulher”, escrito com Thereza Santos e Albertina de Oliveira Costa, seguido de “Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil”. Mais tarde, em 1988, fundou o Instituto da Mulher Negra, o Geledés, onde passou a colocar em prática sua visão como socióloga e militante.

Com mais de 140 itens, entre fotografias, documentos, vídeos, artigos e livros, a Ocupação Sueli Carneiro celebra a construção da obra e da militância da ativista, sua ancestralidade, suas memórias pessoais, a paixão pelo futebol, a força e a simbologia de sua religiosidade e sua jornada de formuladora de debates fundamentais sobre o país.

Nesta rara entrevista, ela reflete sobre como é ver sua história contada em livro e exposição e o que mais a emociona ao olhar para trás. Sueli também fala sobre a atuação da Fundação Cultural Palmares sob o governo Bolsonaro: “Não importa o tempo que será necessário, faremos Palmares de novo”.

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Com informações do Geledés. Clique aqui e confira a íntegra da entrevista.

Enem 2021: número de negros e indígenas inscritos cai mais de 50%

 

Enem 2021: número de negros e indígenas inscritos cai mais de 50%. (FOTO/ Getty Images).

O Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) registrou o menor número de inscritos desde 2007. Por conta da pandemia do novo coronavírus, houve também uma redução mais acentuada na participação de candidatos negros e indígenas, em comparação com a última edição da prova. Em 2020, eram aproximadamente 2,7 milhões de estudantes, mas neste ano foram 1,3 milhão inscritos – uma redução de 51,7%. Em números percentuais, a queda de pessoas pretas (53,1%) e indígenas (54,8%) foi ainda maior. Em contrapartida, considerando os candidatos brancos, a diminuição foi mais sutil: de 35,8%.

O levantamento foi feito pelo Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp), a pedido da Globonews, com base nos microdados de inscritos no Enem 2021 e apontou que neste ano, foram 3,1 milhões de inscritos – uma redução de 2,6 milhões com relação ao ano passado, que somou mais de 5,7 milhões de pessoas para realizar a prova.

No levantamento do Semesp, em 2020, 63,2% dos estudantes eram negros, amarelos ou indígenas. Neste ano, eles representam 56,4% do total. No entanto, os estudantes brancos passaram a ter maior representatividade: saltaram de 34,7% em 2020 para 41,5% em 2021.

O estudo informa que a classificação dos candidatos é feita com base na autodeclaração opcional dos alunos, no momento da inscrição.

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Com informações do Notícia Preta.

Sozinho, Bolsonaro aposta no 7 de setembro

 

Bolsonaro. (FOTO/ Reprodução).

O Bolsonaro está cada dia mais isolado e acuado. Até o “apaziguador” Rodrigo Pacheco, presidente do Senado, parece que desistiu da paz com Jair Bolsonaro. Mais ágil do que o normal, ele negou a abertura do processo impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, solicitada pelo desesperado fascista do Planalto.

Diante da negativa, o derrotado presidente desabafou em entrevista à rádio Jornal Pernambuco nesta quinta-feira (26) que “nessa briga [contra o STF] eu estou praticamente sozinho… Os poderes são independentes. Eu entrei com a ação para que o processo fosse avante… O [Rodrigo] Pacheco entendeu e acolheu uma decisão da advocacia do Senado”.

O chororô do fascista, porém, não deve iludir ninguém. Apesar da nova derrota, ele vai insistir em jogar “fora das quatro linhas da Constituição”, apostando no caos e na desestabilização política. Como atesta a Folha, “Bolsonaro vem inflamando seus apoiadores no embate contra o STF, que deve ser um dos principais alvos do protestos de 7 de setembro”.

Os sinais são tensos no horizonte. Tanto que “o Supremo Tribunal Federal prepara esquema especial de segurança para proteger o prédio da Corte, em Brasília, no feriado de 7 de setembro, quando os bolsonaristas estão convocando manifestações contra o Judiciário na Esplanada dos Ministérios”, informa o site Metrópoles.

“O esquema está sendo organizado por integrantes do Supremo e da PM do Distrito Federal. Uma das ideias é cercar o prédio da Corte não só com grades de ferro como com PMs, para evitar invasões e depredações. Fontes do STF ressaltam que, além do prédio-sede da Corte, localizado na Praça dos Três Poderes, o órgão já havia reforçado a segurança pessoal de todos os 11 ministros do tribunal há alguns meses, quando bolsonaristas intensificaram ataques aos magistrados.”

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Com informações do O Cafezinho.

Litro da gasolina já passa de R$ 7 em alguns estados, e a culpa não é do ICMS

 

Dolarização dos combustíveis dói no bolso do motorista enquanto engorda as contas de investidores estrangeiros. (FOTO/ Fernando Frazão/ABR).

Motoristas de pelo menos quatro estados já estão pagando mais de R$ 7 pelo litro da gasolina comum. O valor mais alto, de acordo com levantamento da Agênca Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), foi registrado em Tocantins (R$ 7,36). Logo atrás aparecem o Rio Grande do Sul (R$ 7,18), Acre (R$ 7,13) e Rio de Janeiro (R$ 7,05). Mas os aumentos são generalizados em todo o país. Só em 2021, o preço da gasolina subiu 51%, em média.

O presidente Jair Bolsonaro tenta terceirizar a culpa pela escalada dos preços. “A gasolina tá barata”, chegou a dizer na última terça-feira (24). “O pessoal tem que entender a composição do preço”, acrescentou. São reiteradas as declarações do ocupante do Palácio do Planalto tentando responsabilizar os impostos estaduais, em especial o ICMS, pela explosão dos preços.

Trata-se de mais um caso de fake news presidencial. As alíquotas do ICMS variam de estado para estado. A média nacional fica em 27,5% sobre o valor cobrado nas distribuidoras. Contudo, não houve aumento desse percentual nos últimos anos que justifique a escalada de preços. Em São Paulo, por exemplo, a alíquota do imposto, de 25%, é a mesma desde 2015.

Composição do preço da gasolina

Além dos 27,5% do ICMS cobrado pelos estados, o preço da gasolina é composto de 11,6% de tributos federais; 16,3% do custo de etanol anidro; 11% de lucro na distribuição e revenda, e 33% da realização da Petrobras, que estabelece o custo da gasolina que sai das refinarias. A grande variação ocorreu neste último. E decorre da política de preços sendo adotada pela Petrobras a partir de outubro de 2016. Ainda durante o governo Temer, o presidente da estatal à época, Pedro Parente, implementou o chamado Preço de Paridade Internacional (PPI). Tais regras seguem valendo desde então.

Na definição do PPI, a principal baliza é o preço do petróleo no mercado internacional, cotado em dólar, portanto. O barril do tipo Brent, utilizado como referência, subiu 37% nesse ano. Soma-se a isso a desvalorização do real frente ao dólar. Na última quinta-feira (26), a moeda americana fechou cotada em 5,25. No mês passado, a alta registrada foi 4,76%. No primeiro semestre, houve leve queda, de – 4,13%. Em 2020, no entanto, o dólar teve alta acumulada de 29,36%. São, portanto, estas as variações associadas que explicam a escalada dos combustíveis, em função da dolarização dos preços.

“Não tivemos aumento dos impostos nos últimos anos. Nem mesmo dos impostos estaduais, nem federais. Na verdade o que temos são os fatores ligados à política de preços implementada por Temer e mantida pelo governo Bolsonaro”, disse o coordenador-geral da FUP, Deyvid Bacelar ao repórter Jô Miyagui, em reportagem para o Seu Jornal, da TVT.

Tá caro, e pode piorar

O propósito principal do PPI é garantir a lucratividade dos investidores da Petrobras. E vem cumprindo à risca a sua função. O lucro líquido registrado pela empresa no segundo trimestre foi de R$ 42,9 bilhões. No início do mês, a estatal anunciou, inclusive, o pagamento antecipado de R$ 31,6 bi em dividendos a seus acionistas, relativo ao exercício deste ano. Deste montante, R$ 12,8 bi ficaram na mão de investidores estrangeiros, que detêm mais de 40% do capital da Petrobras. Os acionistas privados brasileiros ficaram com R$ 7,7 bilhões. O restante (R$ 11,6 bi) foi direcionado ao caixa do governo federal e ao BNDES.

Para a economista-chefe do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE), Juliane Furno, o PPI é o principal fator que explica o aumento dos combustíveis. Ela prevê que os preços podem continuar subindo. Isso porque, com a gradual retomada das atividades nos países desenvolvidos, que estão reabrindo a economia após o avanço da vacinação contra a covid-19, a demanda mundial por petróleo deve se elevar. Já em relação ao dólar, ela aposta numa eventual recuo da moeda americana, em função da retomada dos fluxos de investimentos internacionais.

“Trocando em miúdos, mesmo que o dólar ceda, a gente vai continuar pagando muito caro no combustível. A tendência é que o preço do barril de petróleo ainda não tenha atingido o seu clímax, e ainda pode subir com a retomada das atividades econômicas”, aponta Juliane.

Tributação

Por outro lado, além de afastar qualquer relação do ICMS com a escalada do preço da gasolina nas bombas, a economista chama a atenção para a importância do tributo estadual. Com a queda das atividades econômicas, em geral, por conta do descontrole da pandemia, as receitas tributárias oriundas dos combustíveis ganharam ainda maior relevância. Ela destaca que é a arrecadação do ICMS, em grande parte, que garante a manutenção dos serviços públicos estaduais, como saúde, educação e segurança, utilizada inclusive para arcar com os salários de médicos, professores e policiais.

Nesse sentido, ela também afirma que não faz sentido exigir que os governadores sacrifiquem as arrecadações estaduais. A principal diferença, segundo ela, é que os estados têm capacidade de endividamento muito limitada, ao contrário do governo federal. Este, sim, teria condições de arcar com políticas de desoneração fiscal ou, ainda, lançar mão de outros instrumentos (como a emissão de títulos) para eventualmente gastar mais do que arrecada.

Alternativas

Além disso, Juliane também acredita que não só é possível, como também viável abandonar o PPI. Ela lembra que, antes de 2016, a política preços adotada pela Petrobras levava em consideração os valores internacionais, mas, mais do que isso, era baseada na internalização (e não internacionalização) dos custos de produção do petróleo e seus derivados.

“Mais significativos eram os custos de internalização, os custos de produção e de refino, que são dados em reais. Portanto, não precisaria acompanhar a precificação internacional, nem converter isso pela taxa de câmbio. É possível, sim, uma nova política de preços, mesmo mantendo a Petrobras com controle acionário privado”, disse.

Ela diz que as ações da Petrobras deveriam “precificar” os riscos inerentes a uma estatal. As funções da empresa, segundo ela, vão muito além do que apenas garantir vultosos lucros aos seus acionistas. A estatal deve orientar sua atuação no sentido de garantir a soberania energética, oferecendo combustíveis a preços justos, o que é fundamental para o desenvolvimento do país. Mas, para isso, será necessário enfrentar os interesses dos investidores, que teriam suas margens de lucro reduzidas no curto prazo.

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Com informações da RBA.

V Amostra Anglo-Hispânica da Escola Estadual Menezes Pimentel de Potengi ocorrerá nesta terça-feira (31)

 

(FOTO/ Reprodução/ Rosemberg/ EEFM Menezes Piemtel).

Por Nicolau Neto, editor

A Escola de Ensino Fundamental e Médio Menezes Pimentel, do município de Potengi, na região do cariri, promoverá nesta terça-feira, 31, a quinta edição da Amostra Anglo-Hispânica e pelo segundo ano consecutivo se dará no formato remoto em face da pandemia no novo coronavirus.

Segundo Edilene, professora de língua espanhola, o evento “geralmente acontece no segundo semestre letivo e tem como principal finalidade “provocar um intercâmbio cultural entre as culturas inglesa e espanhola.”

Para ela, além do conhecimento histórico e sociocultural dos países que que falam as duas línguas, há ainda um troca de experiências e de cultura com a brasileira, visto “que os protagonistas são os alunos, onde eles desenvolvem” todas as ações “a partir de temas como a gastronomia, as curiosidades, a política, o sistema monetário, a literatura e outros.”

A amostra é uma iniciativa da Escola, mas tem como principais articuladoras/es e coordenadoras/es as/os professoras/es Edilene e Jailton. Ambos destacaram a importância e o protagonismo da classe estudantil a partir de ações artísticas culturais.

O evento tem como público alvo estudantes e a comunidade em geral e este ano apresenta como temática a “diversidade cultural e a construção de saberes.” As ações estão programadas para começarem às 19h00 pelo Google Meet.

A escravidão brasileira na Holanda e em Pernambuco

 

(FOTO/ Reprodução/ Geledés).

Artigo na Folha de São Paulo informa que o Brasil sustentou luxo de escravocratas holandeses, cujos retratos são mostrados em exposição na Holanda. De modo mais específico, aparecem retratos do casal de senhores de escravos no Recife, Marten Soolmans e Oopjen Coppit, pintados por Rembrandt. Mais adiante, continua o texto:

“Com a exposição, o museu faz um movimento no sentido de restaurar a verdade histórica. Como diz Tacco Dibbits, diretor-geral do museu, ‘a escravatura não é um conceito abstrato. Durante mais de 250 anos, foi parte integral de nossa história, que tem de ser estudada e aprofundada se quisermos ter uma imagem mais completa de nosso passado e uma melhor compreensão da sociedade de hoje”.”

Isso na Holanda! E o que dizer do Brasil? Por favor, não tirem as crianças da sala, porque elas precisam aprender.

Para a nossa própria história, e do Nordeste do açúcar em especial, para o que não se destaca em Gilberto Freyre, para o que em Gilberto é prosa encantatória, a realidade de escravos assassinados, enquanto a rotina do engenho seguia, tudo isso é tão Brasil, amigos. Hoje mesmo, aqui na minha cidade, em qualquer cidade brasileira, jovens são amarrados em postes, numa recuperação dos velhos pelourinhos. Os novos escravos são espancados, enquanto comunicadores na televisão aprovam e ganham dinheiro e fama por açular a massa para o linchamento de marginais.

E como é Brasil, até hoje, a tortura em presos nas delegacias de polícia, nos presídios, como se fossem escravos sob o chicote. É ilustrativa a sobrevivência física e até o elogio, no governo Bolsonaro, a torturadores da ditadura brasileira.  Se fosse representada ao nível do real, do histórico, a tortura dos costumes brasileiros daria vômitos pela agonia da dor, ainda que apenas representada. Porque a realidade é ainda mais cruel que o imaginado em representações. Os corações mais delicados, e hipócritas por extensão, se recusam a ver que os negros escravos, quando se rebelavam, eram passados em moendas de cana, que expulsavam suas vísceras como bagaço. Outros após o chicote, antes da morte, tinham as feridas abertas lambidas por bois. E aqui não preciso falar o quanto é áspera, cruel e ferina a língua de um boi.


Poupemos os corações mais delicados. Mas, de passagem, menciono que negros eram ferrados no corpo como os quadrúpedes na fazenda. Eles não tinham a marca do dono por uma medalhinha, como aparece no escravo Salomon do filme “12 anos de escravidão”.

Mais de uma vez, pude notar um dos sintomas da barbárie nacional, quando vi que os melhores relatos vivos sobre a nossa escravidão vêm de estrangeiros, como os descritos em Charles Darwin e Vauthier, o engenheiro francês que viveu no Recife. Ou de Maria Graham, a digna escritora que visitou Pernambuco em 1821. Cito as palavras da inglesa:

“Os cães já haviam começado uma tarefa abominável. Eu vi um que arrastava o braço de um negro de sob algumas polegadas de areia, que o senhor havia feito atirar sobre os seus restos. É nesta praia que a medida dos insultos dispensados aos pobres negros atinge o máximo. Quando um negro morre, seus companheiros colocam-no numa tábua, carregam-no para a praia onde, abaixo do nível da maré-cheia, espalham um pouco de areia sobre ele”.

Mas na perigosa escrita de Gilberto Freyre o mesmo quadro se conta assim:

“Foi numa praia perto de Olinda que Maria Graham, voltando a cavalo da velha cidade para o Recife, viu um cachorro profanando o corpo de um negro mal enterrado pelo dono. Isto, em 1821. Olinda pareceu à inglesa extremamente bela vista do istmo e da praia pela qual, indo do Recife, chegou até ao pé dos montes da primeira capital pernambucana”.

Vocês viram: o horror ocupa uma só linha em Gilberto Freyre, perdida na bela vista de Olinda. Quem quiser, confira, essa ocultação do real está em sua “Olinda, Guia Prático, Histórico e Sentimental de uma Cidade”.


De Vauthier cito: “Madame Sarmento nos contou que como sua negrinha lhe tinha roubado seis vinténs, ela amarrou-lhe as mãos e deu-lhe umas boas chicotadas!!! Levantando- lhe a roupa!!! Sem nenhum constrangimento!!! Diante dos filhos!!! O mais velho deles observou que o posterior da negrinha não era mais bonito do que o de um cavalo, quando levanta a cauda. Qualquer pessoa poderia chegar a praticar coisas semelhantes num momento de excitação e envergonhar-se delas depois, mas contá-las. Que mulher! Que alma!…

Hoje o cadáver de um negro ficou boiando na praia, debaixo das nossas janelas, levado e trazido pelas oscilações das marés. Mil pessoas passaram, viam-no, pararam um instante antes de seguirem caminho muito filosoficamente. Aprecio pouco as ideias geralmente admitidas sobre cadáveres que tendem em alguns casos a conceder mais cuidados aos despojos sem alma do que ao ser quando está vivo – mas este descaso, essa indiferença geral perante a morte – é verdade que era um negro! Um negro vivo já é pouca coisa: o que será então um negro morto? Essa incúria generalizada com as exalações que emanam de um cadáver, tudo isso caracteriza de modo bem saliente esta barbárie, engastada na selvageria e mal maquilada em civilização”.

No Brasil, até hoje vale o que narrei em um personagem, retirado da minha memória: muitas vezes, a descendência de pessoas negras se dá pela mãe. Isso quer dizer, o pai não passa de um elemento fecundador, essa palavra suave, pouco afeita a modos nada corteses. Melhor à maneira mais crua: o pai não passa de um fodedor. É como uma tradição, emprenhar a negra e sumir. Foder a negra, foder muitas vezes a negra, mas, diabo, parece obra do diabo, o bucho da negra cresce. Mais tarde, filhos assim rejeitam esse passado coletivo. Apesar de se moverem em uma sociedade de classes e de preconceito de cor, jamais valorizam o lado paterno, porque para isso teriam de valorizar a gala que partiu.

Entre nós, neste dias, ainda perduram denúncias de trabalho escravo ou semiescravo. Entre as empregadas domésticas então, o desconhecimento de direitos elementares como privacidade, respeito, a falta de atenção para ver nelas uma pessoa igual aos patrões, sobrevive a qualquer mudança legal. É que continua em vigor o Direito Não-Escrito de Escravos. É histórico no Brasil, é como se estivesse no sangue, como se fosse genético, de um caráter irreprimível. Até antes das empregadas vão a democracia e a igualdade. A partir delas é outra história. Quantas vezes vemos nos restaurantes jovens casais com seus lindos filhos, tendo ao lado as escravas, que nem sequer têm direito a provar da bebida e da comida? Isso nos domingos e feriados! É justo, não é? A cidadania só alcança os iguais.

Em todas as situações desconfortáveis, se ousamos estranhar, ou agir com pelo menos um olhar atravessado para essa infâmia, recebemos a resposta de que as domésticas são pessoas da família. Parentes fora do sangue, apenas separadas por deveres, notamos. É o que se pode chamar de uma opressão disfarçada em laços afetivos. A ex-escrava é considerada como um bem amoroso, íntimo, mas que por ser da casa come na cozinha e se deita entre as galinhas do quintal. O que, afinal, é mais limpo que se deitar com os porcos no chiqueiro. Não estranhem, porque não exagero. Não faz muito  tempo no Recife era assim. E por que estranhar esse tratamento? Olhem os grandes e largos e luxuosos apartamentos do Rio e de São Paulo, abram os olhos para os minúsculos quartinhos das empregadas, entrem nos seus banheiros, que Millôr dizia serem a prova de que no WC as empregadas brasileiras não têm sexo.



Quando pesquisei para o Dicionário Amoroso do Recife, pude ver que na língua portuguesa o nome Zumbi significa alma que vagueia a horas mortas, ou fantasma de animal morto, ou com o sentido último de ser o título do chefe de um quilombo, zambi. Estranho, não? Ou melhor, faz um sentido histórico, porque alma de assombração ou fantasma de animal morto lembra mais uma vingança póstuma contra um herói na luta contra a escravidão.

E quanto ao bairro? O Zumbi, no Recife, foi o Engenho de Ambrósio Machado, lugar de cultivo de cana no trabalho escravo, desde a dominação holandesa. O sociólogo e jornalista José Amaro Correia, amigo já falecido, assim me informou, lembrando o bairro onde ele viveu na infância: “Diziam para as crianças: ‘Zumbi vai te pegar’. O medo que havia nos senhores de engenho foi transferido para os explorados. O explorado repetia à sua maneira a consciência do explorador. Até os meus 14 anos de idade, para mim e para todos os meninos, Zumbi não era coisa boa. Esse nome era associado ao bairro. Para as pessoas de fora, nós dizíamos que morávamos na Madalena. Nos anos 50, ainda falavam para as crianças que Zumbi ia voltar, como se fosse uma ameaça. Era o comentário, era o aviso na infância: ‘Zumbi vai voltar’. As mães do bairro diziam para os filhos: ‘não volte tarde, porque Zumbi pode te pegar’”

E assim pude ver a origem histórica do bairro e do seu nome. De lugar de escravos, de terras de senhor de engenho, a lugar onde voltaria Zumbi, desta vez como uma ameaça aos proprietários, e para os descendentes dos explorados, até hoje, como uma assombração, no registro dos dicionários. Que deveria receber um novo significado, que a consciência do novo tempo nos ensina. Deixo a sugestão para atualizar o verbete nos dicionários:

Zumbi, substantivo masculino. Nome do herói brasileiro, pessoa de rara coragem, que se levantou contra a escravidão. Falecido no dia 20 de novembro, deu origem ao dia da consciência negra.

Como bem escreveu Joaquim Nabuco, “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Ao que acrescentamos, a característica brasileira mais oculta, como um crime envergonhado que se reflete na cor. Podíamos pelo menos seguir o exemplo da Holanda. Lá, o conhecimento da escravidão brasileira, sem idealizações, vai entrar no currículo das escolas.

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Por  Urariano Mota, no Portal Vermelho.

Mostra ‘Insurreição!’ exibe gratuitamente 13 filmes sobre biografias de resistências negras

 

(FOTO/ Nicho 54).

A mostra de filmes ‘Insurreição!’ do Nicho 54, que acontece entre os dias 27 de agosto a 5 de setembro, promove um espaço de valorização dos negros no audiovisual, através da exibição online de 13 filmes sobre biografias de resistência negra. O público terá acesso gratuito da Sala 54. A iniciativa conta com uma pluralidade de curtas e longa-metragens nacionais e internacionais, três deles exibidos pela primeira vez no Brasil.

O Instituto Nicho 54, nasceu em novembro de 2019, e se estruturou em três pilares, que são curadoria, formação e mercado. A assinatura brasileira ‘Insurreição!’ contará com produções de horror, comédia e obras experimentais que buscam a reflexão do público para temas como processos coloniais, resistência à escravização e formação da sociedade brasileira.

“Essa estrutura se deve à importância de uma atuação que trouxesse os diferentes agentes da indústria do cinema, porque sentíamos que ao termos discussões sobre audiovisual e racialidade no Brasil, do ponto de vista de alteração de uma realidade de desigualdade, os debates tendiam a ficar concentrados em um lugar específico”, reflete Heitor Augusto, programador-chefe do Nicho 54 e curador da mostra.

Exibição

Destaque para a estreia brasileira de 'Nationtime' de William Greaves, um dos principais documentaristas negros estadunidense e autor de mais de 100 produções do gênero documental que versam sobre história, política e cultura afro-americana. Após ter ficado perdido por um longo período e ter sido encontrado em um galpão em Pittsburgh em 2018, o documentário, lançado em 1972, ganha exibição em versão restaurada na mostra em sessão autorizada por Louise Greaves, viúva e parceira cinematográfica do diretor.

O festival também fará exibição inédita no país da produção 'Pátria' (Zahlvaterschaft), do cineasta alemão Moritz Siebert, que retrata a luta de um homem em busca da cidadania alemã há mais de 30 anos, desvelando facetas do sistema colonial. O filme integrou a seção Forum Expanded, do Festival de Berlim deste ano.

Outra atração internacional é 'Panteras Negras: vanguarda da revolução' (The Black Panthers: Vanguard of the Revolution), único documentário em longa-metragem a explorar a importância do Partido dos Panteras Negras para a vida cultural e política dos Estados Unidos. O filme traz uma grande quantidade de entrevistas tanto com ex-lideranças quanto com anônimos, além de endereçar as contradições e complexidades do partido.

Já 'As pretas contra-atacam' (Chocolate Babies), de Stephen Winter, apoia-se na sátira social para acompanhar um grupo de gays, lésbicas e travestis que lutam contra políticos conservadores homofóbicos nas ruas de Nova Iorque. A sessão em ‘Insurreição!’ celebra os 25 anos da primeira exibição deste filme no OutFest, festival voltado à representação das pessoas LGBTQIA+.

Outro destaque fica para 'As Aventuras Amorosas de um Padeiro', dirigida por Waldyr Onofre - apenas a quarta pessoa negra brasileira a dirigir um longa-metragem -. O filme apresenta uma fábula controversa sobre luta de classes e relacionamento interracial no Brasil dos anos 1970.

Curadoria

“Quando pensamos em resistência negra, qual forma ela toma? Com quais corpos a associamos? A nossa abordagem curatorial em ‘Insurreição!’ convida o público a repensar pré-concepções e ir além da imagem do homem negro como símbolo único da militância. Priorizamos um entendimento amplo de luta negra, trazendo para destaque também os corpos dissidentes que constroem espaços divergentes da cisheteronormatividade”, afirma o curador do Nicho 54. 

‘Insurreição!’ É a segunda mostra promovida pelo Eixo Curatorial do NICHO 54 neste ano. A primeira delas foi a 'América Negra: Conversas Entre as Negritudes Latino-americanas', que exibiu 35 filmes, produzidos em 10 países diferentes, entre os dias 04 e 13 de junho. Contando com grande audiência internacional, a evento foi acompanhdo em mais de 20 países, entre eles Brasil, Estados Unidos, Colômbia, Equador e México.

“Entendemos a curadoria como esse espaço para a construção de pertencimento para os espectadores negros e negras, bem como um espaço para uma representação complexa das nossas vivências. A nova mostra do NICHO 54 representa a consolidação dessa visão curatorial racializada”, acrescenta Augusto. 

Captação de recursos

O programador-chefe contou a Alma Preta Jornalismo, durante o evento de coletiva de imprensa da mostra ‘Insurreição!’, quais foram as estratégias de captação de recursos utilizadas pelo Instituto para construção desse espaço de valorização do cinema negro:

“O Nicho 54 utiliza uma estratégia múltipla de captação. Um eixo muito importante da nossa captação é encontrar parceiros e financiadores. Sabemos que no Brasil o contexto está cada vez mais hostil e, além disso, temos observado nos últimos anos um profundo sucateamento das instituições fomentadoras. Então parte da nossa estratégia está em interlocução com agentes fora do Brasil”, pontua Augusto.

As duas mostras organizadas pelo Nicho 54 foram projetos financiados pela Open Society Foundations, fundação criada por George Soros, que contribui para a construção de democracia ao redor do mundo ao se aproximar das pautas dos Direitos Humanos. Segundo o curador, o recurso possibilita a construção das mostras, cursos, atividades de mobilização, catálogos e materiais de apoio para replicação em contextos educacionais.

“Parte da nossa estratégia está em interlocução com agentes fora do Brasil. Isso não é só uma necessidade, mas também uma vocação. Por conta das nossas trajetórias, o Nicho 54 nasce internacional. E a diáspora é um potencial interminável, as questões negras no Brasil são particulares e universais”, completa.

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Com informações do Alma Preta.

Filme ‘Candyman’ estreia nos cinemas: “uma alegoria do racismo na América”, diz roteirista

Foto/ Divulgação/ Universal).

A ‘Lenda de Candyman’, nova adaptação do conto de Clive Barker, chega aos cinemas brasileiros nesta quinta-feira (26). O filme de terror, que conta com a direção de Nia DaCosta e roteiro de Jordan Peele - dos filmes ‘Corra!’ (2017) e ‘Nós’ (2019) - traz uma profunda crítica racial ao lançar luz sobre temas como gentrificação, violência policial e protagonismo negro.

“Candyman é, em essência, uma alegoria do racismo na América”, diz Peele. “Com este filme, Nia explorou a corrida em muitos níveis, desde o desconfortável até o totalmente devastador. Com Candyman, Nia reuniu o horror sobre a violência racial neste país”, completa o roteirista.

A lenda urbana do assassino de casaco, com gancho no lugar da mão direita, que aparece sempre que se repete cinco vezes seu nome diante de um espelho, foi originalmente personificada pelo ator Tony Todd no filme de 1992 e depois em duas continuações, ‘Candyman: Farewell to the Flesh’ (1995) e ‘Candyman: Day of the Dead’ (1999). Quem faz o antagonista na nova versão é Yahya Abdul-Mateen II.

O novo ‘Candyman’ é ambientado na mesma vizinhança que o filme original, o bairro Cabrini-Green, que agora é uma zona altamente urbanizada de Chicago. Nos dias atuais, o artista visual Anthony McCoy (Yahya Abdul-Mateen II) e sua parceira, a diretora de galeria Brianna Cartwrigh (Teyonah Parris), mudam para um condomínio de luxo na região, originalmente negra, que agora está enobrecida e habitada por jovens em ascensão.

“A história de Cabrini-Green ainda não acabou. Porque agora tem uma história sobre uma comunidade que desapareceu daquele local, e queremos falar sobre o que foi deixado para trás. Então, a gentrificação tem uma grande importância na narrativa”, explica a diretora Nia DaCosta.

Origem

A lenda de Candyman girava em torno de um filho de escravo que se tornou próspero depois de desenvolver um sistema para fabricar sapatos em massa durante a Guerra Civil nos EUA. Ele também se tornou conhecido como artista por seu talento como pintor de retratos.

A história conta que o personagem foi morto em um lichamento após se envolver e engravidar uma mulher branca. Ele foi espancado e lambuzado de mel para que as abelhas o picassem. Para que não pudesse mais pintar, sua mão foi decepada e substituída por um gancho.

Seu cadáver também foi queimado e suas cinzas foram espalhadas pela área de Chicago, onde seu espírito vingativo aparece quando seu nome é dito cinco vezes no espelho.

O Candyman de 1992 foi um marco na história do gênero de terror. Pela primeira vez, um grande filme de terror americano lançou um homem negro como personagem titular e principal antagonista.

“Aquele filme me pareceu um filme negro. Um filme para mim. Então, eu queria fazer um filme que olhasse para essa história de fantasmas de uma perspectiva negra”, diz Peele.

O novo filme

No longa de 1992, um menino, Anthony McCoy, é sequestrado por Candyman. Já na sequência de Nia DaCosta, ambientado cerca de 30 anos depois, Anthony é o personagem central, que cresceu sem nenhuma memória deste incidente da infância. O personagem, então, começa a explorar os detalhes dessa história em seu trabalho artístico e acaba abrindo uma porta para o passado, que desencadeia uma onda de violência.

Ao retratar a brutalidade policial de forma implacável como um enxame de abelhas, o filme de Nia DaCosta busca personificar em Candyman incontáveis ​​homens negros vítimas da violência racista. 

“Candyman é sobre a morte negra causada pela violência branca”, diz a diretora. “Quando as pessoas ouvem a palavra 'linchamento', pode parecer que é de outra época, do passado. O que este filme está dizendo é que, na verdade, não é coisa do passado. Está acontecendo agora”, conclui.

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Com informações do Alma Preta.

Newton Duarte faz abertura da Mostra do Brincar nesta quinta-feira

(FOTO/ Reprodução).


Referências nacionais da Pedagogia Histórico-Critica e da Psicologia Histórico-Cultural, como é o de Newton Duarte e Zoia Prestes farão parte da programação da IV edição da Mostra do Brincar realizada pelo Coletivo Camaradas, nos dias 26 e 27 de agosto. Esse ano a Mostra continuará sendo realizada em formato virtual. Newton Duarte é autor de livros, capítulos de livros e artigos, publicados no Brasil e no exterior. Entre seus trabalhos destacam-se os livros: Sociedade do Conhecimento ou Sociedade das Ilusões? (2003); Vigotski e o Aprender a Aprender (2011, 5ª ed); A Individualidade Para Si (2013, 3ª ed.); Os conteúdos escolares e a ressurreição dos mortos (2021, 2ª ed); Conhecimento Escolar e Luta de Classes: a pedagogia histórico-crítica contra a barbárie (2021) em coautoria com Dermeval Saviani. Zoia Prestes desenvolve pesquisas na área de Educação, Psicologia e Desenvolvimento da criança com base na teoria histórico-cultural, tradutora do russo para o português, publicou o Livro Imaginação e Criação na Infância de Lev Vigotski, juntamente com Elizabeth Tunes. Zoia é fiha de Luiz Carlos Prestes e de Maria Prestes, viveu exilada, durante a ditadura militar que se instalou no Brasil em 1964, com seus pais na União Soviética, foi em Moscou que fez sua graduação e mestrado em Pedagogia e Psicologia Pré-Escolar pela Universidade Estatal de Pedagogia de Moscou.  

Com o tema “O brincar na perspectiva da Psicologia Histórico-Cultural”, o evento visa promover o debate com os educadores, estudantes e pais, a partir do olhar do teórico marxista Lev Vigotski. Importante teórico que aborda sobre o brincar, desenvolvimento e a formação humana de caráter emancipacionista. O evento, tem como público alvo os professores da rede básica de ensino, estudantes das áreas afins, cuidadores e responsáveis por crianças. 

A edição de 2020 teve como tema “O brincar e o direito à cidade”. 

Esse ano, a mostra contará com duas conferencias: dia 26 de agosto, às 15h, Psicologia histórico-cultural e pedagogia histórico-crítica em tempos de barbárie, com professor Newton Duarte e mediação da professora Marteana Ferreira de Lima; no dia 27, às 15h, L. S. Vigotski e o papel da brincadeira para o desenvolvimento infantil, com a professora Zoia Prestes e mediação da professora Rebeca Baia.  

Serão produzidos vídeos curtos com falas de pedagogos sobre o brincar, além de vídeos com contação de histórias do Coletivo Narradores Cariri que deverão circular entre pais e educadores da rede ensino da região da Metropolitana do Cariri. 

A Mostra era realizada no Território Criativo do Gesso e contava com oficinas e brincadeiras que envolviam as crianças da comunidade. Desde de 2020, devido a situação da Pandemia, o evento tem se dado de forma virtual.    

O evento faz parte das ações do projeto Território Criativo do Gesso, aprovado no edital de Prêmio Fomento Arte e Cultura do Ceará, da Secult/CE, através da Lei Aldir Blanc.

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Texto encaminhado ao Blog por Alexandre Lucas.