Excelentíssimo
Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski
Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal Renan Calheiros,
Excelentíssimas Senhoras Senadoras e Excelentíssimos Senhores Senadores,
Cidadãs e Cidadãos de meu amado Brasil, No dia 1o de janeiro de 2015 assumi meu
segundo mandato à Presidência da República Federativa do Brasil. Fui eleita por
mais 54 milhões de votos. Na minha posse, assumi o compromisso de manter,
defender e cumprir a Constituição, bem como o de observar as leis, promover o
bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a
independência do Brasil. Ao exercer a Presidência da República respeitei
fielmente o compromisso que assumi perante a nação e aos que me elegeram. E me
orgulho disso. Sempre acreditei na democracia e no Estado de direito, e sempre
vi na Constituição de 1988 uma das grandes conquistas do nosso povo. Jamais
atentaria contra o que acredito ou praticaria atos contrários aos interesses
daqueles que me elegeram. Nesta jornada para me defender do impeachment me
aproximei mais do povo, tive oportunidade de ouvir seu reconhecimento, de
receber seu carinho. Ouvi também críticas duras ao meu governo, a erros que
foram cometidos e a medidas e políticas que não foram adotadas. Acolho essas
críticas com humildade. Até porque, como todos, tenho defeitos e cometo erros.
Entre os meus defeitos não está a deslealdade e a covardia. Não traio os
compromissos que assumo, os princípios que defendo ou os que lutam ao meu lado.
Na luta contra a ditadura, recebi no meu corpo as marcas da tortura. Amarguei
por anos o sofrimento da prisão. Vi companheiros e companheiras sendo
violentados, e até assassinados. Na época, eu era muito jovem. Tinha muito a
esperar da vida. Tinha medo da morte, das sequelas da tortura no meu corpo e na
minha alma. Mas não cedi. Resisti. Resisti à tempestade de terror que começava
a me engolir, na escuridão dos tempos amargos em que o país vivia. Não mudei de
lado. Apesar de receber o peso da injustiça nos meus ombros, continuei lutando
pela democracia. Dediquei todos esses anos da minha vida à luta por uma
sociedade sem ódios e intolerância. Lutei por uma sociedade livre de
preconceitos e de discriminações. Lutei por uma sociedade onde não houvesse
miséria ou excluídos. Lutei por um Brasil soberano, mais igual e onde houvesse
justiça. Disso tenho orgulho. Quem acredita, luta.
Aos
quase setenta anos de idade, não seria agora, após ser mãe e avó, que abdicaria
dos princípios que sempre me guiaram. Exercendo a Presidência da República
tenho honrado o compromisso com o meu país, com a Democracia, com o Estado de
Direito. Tenho sido intransigente na defesa da honestidade na gestão da coisa
pública. Por isso, diante das acusações que contra mim são dirigidas neste
processo, não posso deixar de sentir, na boca, novamente, o gosto áspero e
amargo da injustiça e do arbítrio. E por isso, como no passado, resisto. Não
esperem de mim o obsequioso silêncio dos covardes. No passado, com as armas, e
hoje, com a retórica jurídica, pretendem novamente atentar contra a democracia
e contra o Estado do Direito. Se alguns rasgam o seu passado e negociam as
benesses do presente, que respondam perante a sua consciência e perante a
história pelos atos que praticam. A mim cabe lamentar pelo que foram e pelo que
se tornaram. E resistir. Resistir sempre. Resistir para acordar as consciências
ainda adormecidas para que, juntos, finquemos o pé no terreno que está do lado
certo da história, mesmo que o chão trema e ameace de novo nos engolir. Não
luto pelo meu mandato por vaidade ou por apego ao poder, como é próprio dos que
não tem caráter, princípios ou utopias a conquistar. Luto pela democracia, pela
verdade e pela justiça. Luto pelo povo do meu País, pelo seu bem-estar. Muitos
hoje me perguntam de onde vem a minha energia para prosseguir. Vem do que
acredito. Posso olhar para trás e ver tudo o que fizemos. Olhar para a frente e
ver tudo o que ainda precisamos e podemos fazer. O mais importante é que posso
olhar para mim mesma e ver a face de alguém que, mesmo marcada pelo tempo, tem
forças para defender suas ideias e seus direitos. Sei que, em breve, e mais uma
vez na vida, serei julgada. E é por ter a minha consciência absolutamente
tranquila em relação ao que fiz, no exercício da Presidência da República que
venho pessoalmente à presença dos que me julgarão. Venho para olhar diretamente
nos olhos de Vossas Excelências, e dizer, com a serenidade dos que nada tem a
esconder que não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes
dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente. Hoje o Brasil, o mundo e a
história nos observam e aguardam o desfecho deste processo de impeachment. No
passado da América Latina e do Brasil, sempre que interesses de setores da
elite econômica e política foram feridos pelas urnas, e não existiam razões
jurídicas para uma destituição legítima, conspirações eram tramadas resultando
em golpes de estado. O Presidente Getúlio Vargas, que nos legou a CLT e a
defesa do patrimônio nacional, sofreu uma implacável perseguição; a hedionda
trama orquestrada pela chamada “República do Galeão, que o levou ao suicídio. O
Presidente Juscelino Kubitscheck, que contruiu essa cidade, foi vítima de
constantes e fracassadas tentativas de golpe, como ocorreu no episódio de
Aragarças. O presidente João Goulart, defensor da democracia, dos direitos dos
trabalhadores e das Reformas de Base, superou o golpe do parlamentarismo mas
foi deposto e instaurou-se a ditadura militar, em 1964. Durante 20 anos,
vivemos o silêncio imposto pelo arbítrio e a democracia foi varrida de nosso
País. Milhões de brasileiros lutaram e reconquistaram o direito a eleições diretas.
Hoje, mais uma vez, ao serem contrariados e feridos nas urnas os interesses de
setores da elite econômica e política nos vemos diante do risco de uma ruptura
democrática. Os padrões políticos dominantes no mundo repelem a violência
explícita. Agora, a ruptura democrática se dá por meio da violência moral e de
pretextos constitucionais para que se empreste aparência de legitimidade ao
governo que assume sem o amparo das urnas. Invoca-se a Constituição para que o
mundo das aparências encubra hipocritamente o mundo dos fatos.
As
provas produzidas deixam claro e inconteste que as acusações contra mim
dirigidas são meros pretextos, embasados por uma frágil retórica jurídica. Nos
últimos dias, novos fatos evidenciaram outro aspecto da trama que caracteriza
este processo de impeachment. O autor da representação junto ao Tribunal de
Contas da União que motivou as acusações discutidas nesse processo, foi
reconhecido como suspeito pelo Presidente do Supremo Tribunal Federal. Soube-se
ainda, pelo depoimento do auditor responsável pelo parecer técnico, que ele
havia ajudado a elaborar a própria representação que auditou. Fica claro o
vício da parcialidade, a trama, na construção das teses por eles defendidas.
São pretextos, apenas pretextos, para derrubar, por meio de um processo de
impeachment sem crime de responsabilidade, um governo legítimo, escolhido em
eleição direta com a participação de 110 milhões de brasileiros e brasileiras.
O governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas.
São pretextos para viabilizar um golpe na Constituição. Um golpe que, se
consumado, resultará na eleição indireta de um governo usurpador. A eleição
indireta de um governo que, já na sua interinidade, não tem mulheres comandando
seus ministérios, quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o
país. Um governo que dispensa os negros na sua composição ministerial e já
revelou um profundo desprezo pelo programa escolhido pelo povo em 2014. Fui
eleita presidenta por 54 milhões e meio de votos para cumprir um programa cuja
síntese está gravada nas palavras “nenhum direito a menos”. O que está em jogo
no processo de impeachment não é apenas o meu mandato. O que está em jogo é o
respeito às urnas, à vontade soberana do povo brasileiro e à Constituição. O
que está em jogo são as conquistas dos últimos 13 anos: os ganhos da população,
das pessoas mais pobres e da classe média; a proteção às crianças; os jovens
chegando às universidades e às escolas técnicas; a valorização do salário
mínimo; os médicos atendendo a população; a realização do sonho da casa
própria. O que está em jogo é o investimento em obras para garantir a
convivência com a seca no semiárido, é a conclusão do sonhado e esperado
projeto de integração do São Francisco. O que está em jogo é, também, a grande
descoberta do Brasil, o pré-sal. O que está em jogo é a inserção soberana de
nosso País no cenário internacional, pautada pela ética e pela busca de
interesses comuns. O que está em jogo é a auto-estima dos brasileiros e
brasileiras, que resistiram aos ataques dos pessimistas de plantão à capacidade
do País de realizar, com sucesso, a Copa do Mundo e as Olimpíadas e
Paraolimpíadas. O que está em jogo é a conquista da estabilidade, que busca o
equilíbrio fiscal mas não abre mão de programas sociais para a nossa população.
O que está em jogo é o futuro do País, a oportunidade e a esperança de avançar
sempre mais. Senhoras e senhores senadores, No presidencialismo previsto em
nossa Constituição, não basta a eventual perda de maioria parlamentar para
afastar um Presidente. Há que se configurar crime de responsabilidade. E está
claro que não houve tal crime. Não é legítimo, como querem os meus acusadores,
afastar o chefe de Estado e de governo pelo “conjunto da obra”. Quem afasta o
Presidente pelo “conjunto da obra” é o povo e, só o povo, nas eleições. E nas
eleições o programa de governo vencedor não foi este agora ensaiado e desenhado
pelo Governo interino e defendido pelos meus acusadores. O que pretende o
governo interino, se transmudado em efetivo, é um verdadeiro ataque às
conquistas dos últimos anos. Desvincular o piso das aposentadorias e pensões do
salário mínimo será a destruição do maior instrumento de distribuição de renda
do país, que é a Previdência Social. O resultado será mais pobreza, mais
mortalidade infantil e a decadência dos pequenos municípios. A revisão dos
direitos e garantias sociais previstos na CLT e a proibição do saque do FGTS na
demissão do trabalhador são ameaças que pairam sobre a população brasileira
caso prospere o impeachment sem crime de responsabilidade. Conquistas
importantes para as mulheres, os negros e as populações LGBT estarão
comprometidas pela submissão a princípios ultraconservadores. O nosso
patrimônio estará em questão, com os recursos do pré-sal, as riquezas naturais
e minerárias sendo privatizadas. A ameaça mais assustadora desse processo de
impeachment sem crime de responsabilidade é congelar por inacreditáveis 20 anos
todas as despesas com saúde, educação, saneamento, habitação. É impedir que, por
20 anos, mais crianças e jovens tenham acesso às escolas; que, por 20 anos, as
pessoas possam ter melhor atendimento à saúde; que, por 20 anos, as famílias
possam sonhar com casa própria. Senhor Presidente Ricardo Lewandowski, Sras. e
Srs. Senadores, A verdade é que o resultado eleitoral de 2014 foi um rude golpe
em setores da elite conservadora brasileira. Desde a proclamação dos resultados
eleitorais, os partidos que apoiavam o candidato derrotado nas eleições fizeram
de tudo para impedir a minha posse e a estabilidade do meu governo. Disseram
que as eleições haviam sido fraudadas, pediram auditoria nas urnas, impugnaram
minhas contas eleitorais, e após a minha posse, buscaram de forma desmedida
quaisquer fatos que pudessem justificar retoricamente um processo de
impeachment. Como é próprio das elites conservadoras e autoritárias, não viam
na vontade do povo o elemento legitimador de um governo. Queriam o poder a
qualquer preço. Tudo fizeram para desestabilizar a mim e ao meu governo. Só é
possível compreender a gravidade da crise que assola o Brasil desde 2015,
levando-se em consideração a instabilidade política aguda que, desde a minha
reeleição, tem caracterizado o ambiente em que ocorrem o investimento e a
produção de bens e serviços. Não se procurou discutir e aprovar uma melhor
proposta para o País. O que se pretendeu permanentemente foi a afirmação do
“quanto pior melhor”, na busca obsessiva de se desgastar o governo, pouco
importando os resultados danosos desta questionável ação política para toda a
população. A possibilidade de impeachment tornou-se assunto central da pauta
política e jornalística apenas dois meses após minha reeleição, apesar da
evidente improcedência dos motivos para justificar esse movimento radical.
Nesse ambiente de turbulências e incertezas, o risco político permanente
provocado pelo ativismo de parcela considerável da oposição acabou sendo um
elemento central para a retração do investimento e para o aprofundamento da
crise econômica. Deve ser também ressaltado que a busca do reequilíbrio fiscal,
desde 2015, encontrou uma forte resistência na Câmara dos Deputados, à época
presidida pelo Deputado Eduardo Cunha. Os projetos enviados pelo governo foram
rejeitados, parcial ou integralmente. Pautas bombas foram apresentadas e algumas
aprovadas. As comissões permanentes da Câmara, em 2016, só funcionaram a partir
do dia 5 de maio, ou seja, uma semana antes da aceitação do processo de
impeachment pela Comissão do Senado Federal. Os Srs. e as Sras. Senadores sabem
que o funcionamento dessas Comissões era e é absolutamente indispensável para a
aprovação de matérias que interferem no cenário fiscal e encaminhar a saída da
crise. Foi criado assim o desejado ambiente de instabilidade política, propício
a abertura do processo de impeachment sem crime de responsabilidade. Sem essas
ações, o Brasil certamente estaria hoje em outra situação política, econômica e
fiscal.
Muitos
articularam e votaram contra propostas que durante toda a vida defenderam, sem
pensar nas consequências que seus gestos trariam para o país e para o povo
brasileiro. Queriam aproveitar a crise econômica, porque sabiam que assim que o
meu governo viesse a superá-la, sua aspiração de acesso ao poder haveria de
ficar sepultada por mais um longo período. Mas, a bem da verdade, as forças
oposicionistas somente conseguiram levar adiante o seu intento quando outra
poderosa força política a elas se agregou: a força política dos que queriam
evitar a continuidade da “sangria” de setores da classe política brasileira,
motivada pelas investigações sobre a corrupção e o desvio de dinheiro público.
É notório que durante o meu governo e o do Pr Lula foram dadas todas as
condições para que estas investigações fossem realizadas. Propusemos
importantes leis que dotaram os órgãos competentes de condições para investigar
e punir os culpados. Assegurei a autonomia do Ministério Público, nomeando como
Procurador Geral da República o primeiro nome da lista indicado pelos próprios
membros da instituição. Não permiti qualquer interferência política na atuação
da Polícia Federal. Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por
isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive.
Arquitetaram a minha destituição, independentemente da existência de quaisquer
fatos que pudesse justificá-la perante a nossa Constituição. Encontraram, na
pessoa do ex-Presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha o vértice da sua
aliança golpista. Articularam e viabilizaram a perda da maioria parlamentar do
governo. Situações foram criadas, com apoio escancarado de setores da mídia,
para construir o clima político necessário para a desconstituição do resultado
eleitoral de 2014. Todos sabem que este processo de impeachment foi aberto por
uma “chantagem explícita” do ex-Presidente da Câmara, Eduardo Cunha, como
chegou a reconhecer em declarações à imprensa um dos próprios denunciantes.
Exigia aquele parlamentar que eu intercedesse para que deputados do meu partido
não votassem pela abertura do seu processo de cassação. Nunca aceitei na minha
vida ameaças ou chantagens. Se não o fiz antes, não o faria na condição de
Presidenta da República. É fato, porém, que não ter me curvado a esta chantagem
motivou o recebimento da denúncia por crime de responsabilidade e a abertura
deste d processo, sob o aplauso dos derrotados em 2014 e dos temerosos pelas
investigações. Se eu tivesse me acumpliciado com a improbidade e com o que há
de pior na política brasileira, como muitos até hoje parecem não ter o menor
pudor em fazê-lo, eu não correria o risco de ser condenada injustamente. Quem
se acumplicia ao imoral e ao ilícito, não tem respeitabilidade para governar o
Brasil. Quem age para poupar ou adiar o julgamento de uma pessoa que é acusada
de enriquecer às custas do Estado brasileiro e do povo que paga impostos, cedo
ou tarde, acabará pagando perante a sociedade e a história o preço do seu
descompromisso com a ética. Todos sabem que não enriqueci no exercício de
cargos públicos, que não desviei dinheiro público em meu proveito próprio, nem
de meus familiares, e que não possuo contas ou imóveis no exterior. Sempre agi
com absoluta probidade nos cargos públicos que ocupei ao longo da minha vida.
Curiosamente, serei julgada, por crimes que não cometi, antes do julgamento do
ex-presidente da Câmara, acusado de ter praticado gravíssimos atos ilícitos e
que liderou as tramas e os ardis que alavancaram as ações voltadas à minha
destituição. Ironia da história? Não, de forma nenhuma. Trata-se de uma ação
deliberada que conta com o silêncio cúmplice de setores da grande mídia brasileira.
Viola-se a democracia e pune-se uma inocente. Este é o pano de fundo que marca
o julgamento que será realizado pela vontade dos que lançam contra mim
pretextos acusatórios infundados.
Estamos
a um passo da consumação de uma grave ruptura institucional. Estamos a um passo
da concretização de um verdadeiro golpe de Estado. Senhoras e Senhores
Senadores, Vamos aos autos deste processo. Do que sou acusada? Quais foram os
atentados à Constituição que cometi? Quais foram os crimes hediondos que pratiquei?
A primeira acusação refere-se à edição de três decretos de crédito suplementar
sem autorização legislativa. Ao longo de todo o processo, mostramos que a
edição desses decretos seguiu todas as regras legais. Respeitamos a previsão
contida na Constituição, a meta definida na LDO e as autorizações estabelecidas
no artigo 4° da Lei Orçamentária de 2015, aprovadas pelo Congresso Nacional.
Todas essas previsões legais foram respeitadas em relação aos 3 decretos. Eles
apenas ofereceram alternativas para alocação dos mesmos limites, de empenho e
financeiro, estabelecidos pelo decreto de contingenciamento, que não foram
alterados. Por isso, não afetaram em nada a meta fiscal. Ademais, desde 2014,
por iniciativa do Executivo, o Congresso aprovou a inclusão, na LDO, da
obrigatoriedade que qualquer crédito aberto deve ter sua execução subordinada
ao decreto de contingenciamento, editado segundo as normas estabelecidas pela
Lei de Responsabilidade Fiscal. E isso foi precisamente respeitado. Não sei se
por incompreensão ou por estratégia, as acusações feitas neste processo buscam
atribuir a esses decretos nossos problemas fiscais. Ignoram ou escondem que os
resultados fiscais negativos são consequência da desaceleração econômica e não
a sua causa. Escondem que, em 2015, com o agravamento da crise, tivemos uma
expressiva queda da receita ao longo do ano – foram R$ 180 bilhões a menos que
o previsto na Lei Orçamentária. Fazem questão de ignorar que realizamos, em
2015, o maior contingenciamento de nossa história. Cobram que, quando enviei ao
Congresso Nacional, em julho de 2015, o pedido de autorização para reduzir a
meta fiscal, deveria ter imediatamente realizado um novo contingenciamento. Não
o fiz porque segui o procedimento que não foi questionado pelo Tribunal de Contas
da União ou pelo Congresso Nacional na análise das contas de 2009. Além disso,
a responsabilidade com a população justifica também nossa decisão. Se
aplicássemos, em julho, o contingenciamento proposto pelos nossos acusadores
cortaríamos 96% do total de recursos disponíveis para as despesas da União.
Isto representaria um corte radical em todas as dotações orçamentárias dos
órgãos federais. Ministérios seriam paralisados, universidades fechariam suas
portas, o Mais Médicos seria interrompido, a compra de medicamentos seria
prejudicada, as agências reguladoras deixariam de funcionar. Na verdade, o ano
de 2015 teria, orçamentariamente, acabado em julho. Volto a dizer: ao editar
estes decretos de crédito suplementar, agi em conformidade plena com a legislação
vigente. Em nenhum desses atos, o Congresso Nacional foi desrespeitado. Aliás,
este foi o comportamento que adotei em meus dois mandatos. Somente depois que
assinei estes decretos é que o Tribunal de Contas da União mudou a posição que
sempre teve a respeito da matéria. É importante que a população brasileira seja
esclarecida sobre este ponto: os decretos foram editados em julho e agosto de
2015 e somente em outubro de 2015 o TCU aprovou a nova interpretação. O TCU
recomendou a aprovação das contas de todos os presidentes que editaram decretos
idênticos aos que editei. Nunca levantaram qualquer problema técnico ou
apresentaram a interpretação que passaram a ter depois que assinei estes atos.
Querem me condenar por ter assinado decretos que atendiam a demandas de
diversos órgãos, inclusive do próprio Poder Judiciário, com base no mesmo
procedimento adotado desde a entrada em vigor da Lei de Responsabilidade
Fiscal, em 2001? Por ter assinado decretos que somados, não implicaram, como
provado nos autos, em nenhum centavo de gastos a mais para prejudicar a meta
fiscal? A segunda denúncia dirigida contra mim neste processo também é injusta
e frágil. Afirma-se que o alegado atraso nos pagamentos das subvenções
econômicas devidas ao Banco do Brasil, no âmbito da execução do programa de
crédito rural Plano Safra, equivale a uma “operação de crédito”, o que estaria
vedado pela Lei de Responsabilidade Fiscal. Como minha defesa e várias
testemunhas já relataram, a execução do Plano Safra é regida por uma lei de 1992,
que atribui ao Ministério da Fazenda a competência de sua normatização,
inclusive em relação à atuação do Banco do Brasil. A Presidenta da República
não pratica nenhum ato em relação à execução do Plano Safra. Parece óbvio, além
de juridicamente justo, que eu não seja acusada por um ato inexistente. A
controvérsia quanto a existência de operação de crédito surgiu de uma mudança
de interpretação do TCU, cuja decisão definitiva foi emitida em dezembro de
2015. Novamente, há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da
definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido
antes e que, como todas as senhoras e senhores senadores souberam em dias
recentes, foi urdida especialmente para esta ocasião. Lembro ainda a decisão
recente do Ministério Público Federal, que arquivou inquérito exatamente sobre
esta questão. Afirmou não caber falar em ofensa à lei de responsabilidade
fiscal porque eventuais atrasos de pagamento em contratos de prestação de
serviços entre a União e instituições financeiras públicas não são operações de
crédito. Insisto, senhoras senadoras e senhores senadores: não sou eu nem
tampouco minha defesa que fazemos estas alegações. É o Ministério Público
Federal que se recusou a dar sequência ao processo, pela inexistência de crime.
Sobre a mudança de interpretação do TCU, lembro que, ainda antes da decisão
final, agi de forma preventiva. Solicitei ao Congresso Nacional a autorização
para pagamento dos passivos e defini em decreto prazos de pagamento para as
subvenções devidas. Em dezembro de 2015, após a decisão definitiva do TCU e com
a autorização do Congresso, saldamos todos os débitos existentes. Não é
possível que não se veja aqui também o arbítrio deste processo e a injustiça
também desta acusação. Este processo de impeachment não é legítimo. Eu não
atentei, em nada, em absolutamente nada contra qualquer dos dispositivos da
Constituição que, como Presidenta da República, jurei cumprir. Não pratiquei
ato ilícito. Está provado que não agi dolosamente em nada. Os atos praticados
estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão
trouxeram ao erário ou ao patrimônio público. Volto a afirmar, como o fez a
minha defesa durante todo o tempo, que este processo está marcado, do início ao
fim, por um clamoroso desvio de poder. É isto que explica a absoluta
fragilidade das acusações que contra mim são dirigidas. Tem-se afirmado que
este processo de impeachment seria legítimo porque os ritos e prazos teriam
sido respeitados. No entanto, para que seja feita justiça e a democracia se
imponha, a forma só não basta. É necessário que o conteúdo de uma sentença
também seja justo. E no caso, jamais haverá justiça na minha condenação. Ouso
dizer que em vários momentos este processo se desviou, clamorosamente, daquilo
que a Constituição e os juristas denominam de “devido processo legal”. Não há
respeito ao devido processo legal quando a opinião condenatória de grande parte
dos julgadores é divulgada e registrada pela grande imprensa, antes do
exercício final do direito de defesa.
Não
há respeito ao devido processo legal quando julgadores afirmam que a condenação
não passa de uma questão de tempo, porque votarão contra mim de qualquer jeito.
Nesse caso, o direito de defesa será exercido apenas formalmente, mas não será
apreciado substantivamente nos seus argumentos e nas suas provas. A forma
existirá apenas para dar aparência de legitimidade ao que é ilegítimo na
essência. Senhoras e senhores senadores, Nesses meses, me perguntaram inúmeras
vezes porque eu não renunciava, para encurtar este capítulo tão difícil de
minha vida. Jamais o faria porque tenho compromisso inarredável com o Estado
Democrático de Direito. Jamais o faria porque nunca renuncio à luta. Confesso a
Vossas Excelências, no entanto, que a traição, as agressões verbais e a
violência do preconceito me assombraram e, em alguns momentos, até me magoaram.
Mas foram sempre superados, em muito, pela solidariedade, pelo apoio e pela
disposição de luta de milhões de brasileiras e brasileiros pelo País afora. Por
meio de manifestações de rua, reuniões, seminários, livros, shows, mobilizações
na internet, nosso povo esbanjou criatividade e disposição para a luta contra o
golpe. As mulheres brasileiras têm sido, neste período, um esteio fundamental
para minha resistência. Me cobriram de flores e me protegeram com sua
solidariedade. Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o
preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate
pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência. Bravas mulheres
brasileiras, que tenho a honra e o dever de representar como primeira mulher
Presidenta do Brasil. Chego à última etapa desse processo comprometida com a
realização de uma demanda da maioria dos brasileiros: convocá- los a decidir,
nas urnas, sobre o futuro de nosso País. Diálogo, participação e voto direto e
livre são as melhores armas que temos para a preservação da democracia. Confio
que as senhoras senadoras e os senhores senadores farão justiça. Tenho a
consciência tranquila. Não pratiquei nenhum crime de responsabilidade. As
acusações dirigidas contra mim são injustas e descabidas. Cassar em definitivo
meu mandato é como me submeter a uma pena de morte política. Este é o segundo
julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo,
no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção.
Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registro, em uma
foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava
de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem
reconhecidos e julgados pela história. Hoje, quatro décadas depois, não há
prisão ilegal, não há tortura, meus julgadores chegaram aqui pelo mesmo voto
popular que me conduziu à Presidência. Tenho por todos o maior respeito, mas
continuo de cabeça erguida, olhando nos olhos dos meus julgadores. Apesar das
diferenças, sofro de novo com o sentimento de injustiça e o receio de que, mais
uma vez, a democracia seja condenada junto comigo. E não tenho dúvida que,
também desta vez, todos nós seremos julgados pela história. Por duas vezes vi
de perto a face da morte: quando fui torturada por dias seguidos, submetida a
sevícias que nos fazem duvidar da humanidade e do próprio sentido da vida; e
quando uma doença grave e extremamente dolorosa poderia ter abreviado minha
existência. Hoje eu só temo a morte da democracia, pela qual muitos de nós,
aqui neste plenário, lutamos com o melhor dos nossos esforços. Reitero:
respeito os meus julgadores. Não nutro rancor por aqueles que votarão pela
minha destituição.
Respeito
e tenho especial apreço por aqueles que têm lutado bravamente pela minha
absolvição, aos quais serei eternamente grata. Neste momento, quero me dirigir
aos senadores que, mesmo sendo de oposição a mim e ao meu governo, estão
indecisos. Lembrem-se que, no regime presidencialista e sob a égide da nossa
Constituição, uma condenação política exige obrigatoriamente a ocorrência de um
crime de responsabilidade, cometido dolosamente e comprovado de forma cabal.
Lembrem-se do terrível precedente que a decisão pode abrir para outros
presidentes, governadores e prefeitos. Condenar sem provas substantivas.
Condenar um inocente. Faço um apelo final a todos os senadores: não aceitem um
golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira. Peço que façam
justiça a uma presidenta honesta, que jamais cometeu qualquer ato ilegal, na
vida pessoal ou nas funções públicas que exerceu. Votem sem ressentimento. O
que cada senador sente por mim e o que nós sentimos uns pelos outros importa
menos, neste momento, do que aquilo que todos sentimos pelo país e pelo povo
brasileiro. Peço: votem contra o impeachment. Votem pela democracia. Muito
obrigada.
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Dilma durante discurso no senado nesta segunda, 29 de agosto. |