Passeata dos Cem Mil contra Ditadura Militar no Brasil. (FOTO/Reprodução/Mídia Ninja). |
Em
nota, a Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão e o Ministério Público
Federal (MPF) manifestaram repúdio às declarações de Jair Bolsonaro, que
orientavam instituições militares a celebrar o Golpe de 1964, no dia 31 de
março.
A
nota é assinada por Deborah Duprat, Procuradora Federal dos Direitos do
Cidadão, Domingos Sávio Dresch da Silveira, Procurador Federal dos Direitos do
Cidadão Substituto, Marlon Weichert, Procurador Federal dos Direitos do Cidadão
Adjunto, Eugênia Augusta Gonzaga Procuradora Federal dos Direitos do Cidadão
Adjunta.
Leia a nota do Ministério Público
Federal na íntegra:
A
Presidência da República recomendou ao Ministério da Defesa que o aniversário
de 55 anos do golpe de Estado de 1964 seja comemorado. Embora o verbo comemorar
tenha como um significado possível o fato de se trazer à memória a lembrança de
um acontecimento, inclusive para criticá-lo, manifestações anteriores do atual
presidente da República indicam que o sentido da comemoração pretendida
refere-se à ideia de festejar a derrubada do governo de João Goulart em 1º de
abril de 1964 e a instauração de uma ditadura militar.
Em
se confirmando essa interpretação, o ato se reveste de enorme gravidade
constitucional, pois representa a defesa do desrespeito ao Estado Democrático
de Direito. É preciso lembrar que, em 1964, vigorava a Constituição de 1946, a
qual previa eleições diretas para presidente da República. O mandato do então
presidente João Goulart seguia seu curso normal, após a renúncia de Jânio
Quadros e a decisão popular, via plebiscito, de não dar seguimento à
experiência parlamentarista.
Ainda
que sujeito a contestações e imerso em crises, não tão raras na dinâmica
política brasileira e em outros Estados Democráticos de Direito, tratava-se de
um governo legítimo constitucionalmente.
O
golpe de Estado de 1964, sem nenhuma possibilidade de dúvida ou de revisionismo
histórico, foi um rompimento violento e antidemocrático da ordem
constitucional. Se repetida nos tempos atuais, a conduta das forças militares e
civis que promoveram o golpe seria caracterizada como o crime inafiançável e
imprescritível de atentado contra a ordem constitucional e o Estado Democrático
previsto no artigo 5°, inciso XLIV, da Constituição de 1988. O apoio de um
presidente da República ou altas autoridades seria, também, crime de
responsabilidade (artigo 85 da Constituição, e Lei n° 1.079, de 1950). As
alegadas motivações do golpe – de acirrada disputa narrativa – são
absolutamente irrelevantes para justificar o movimento de derrubada
inconstitucional de um governo democrático, em qualquer hipótese e contexto.
Não
bastasse a derrubada inconstitucional, violenta e antidemocrática de um
governo, o golpe de Estado de 1964 deu origem a um regime de restrição a
direitos fundamentais e de repressão violenta e sistemática à dissidência
política, a movimentos sociais e a diversos segmentos, tais como povos
indígenas e camponeses.
Transcorridos
34 anos do fim da ditadura, diversas investigações e pesquisas sobre o período
foram realizadas. A mais importante de todas foi a conduzida pela Comissão
Nacional da Verdade – CNV, que funcionou no período de 2012 a 2014. A CNV foi
instituída por lei e seu relatório representa a versão oficial do Estado
brasileiro sobre os acontecimentos. Juridicamente, nenhuma autoridade pública,
sem fundamentos sólidos e transparentes, pode investir contra as conclusões da
CNV, dado o seu caráter oficial.
A
CNV confirmou que o Estado ditatorial brasileiro praticou graves violações aos
direitos humanos que se qualificam como crimes contra a humanidade.
A
igual conclusão chegou a Corte Interamericana de Direitos Humanos, ao julgar o
caso Vladimir Herzog, em 2018. Também a Procuradoria Geral da República assim
entende, conforme manifestação na Arguição de Descumprimento de Preceito
Fundamental n° 320 e outros procedimentos em trâmite no Supremo Tribunal Federal.
De
fato, os órgãos de repressão da ditadura assassinaram ou desapareceram com 434
suspeitos de dissidência política e com mais de 8 mil indígenas. Estima-se que
entre 30 e 50 mil pessoas foram presas ilicitamente e torturadas. Esses crimes
bárbaros (execução sumária, desaparecimento forçado de pessoas, extermínio de
povos indígenas, torturas e violações sexuais) foram perpetrados de modo
sistemático e como meio de perseguição social. Não foram excessos ou abusos
cometidos por alguns insubordinados, mas sim uma política de governo, decidida
nos mais altos escalões militares, inclusive com a participação dos presidentes
da República.
A
gravidade desses fatos é de clareza solar. Mais uma vez, é importante enfatizar
que, se fossem cometidos atualmente, receberiam grave reprimenda judicial,
inclusive por parte do Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de
Roma em 1998 e ratificado pelo Brasil em 2002. Também à luz do direito penal
internacional, os ditadores brasileiros cometeram crimes contra a humanidade.
Essa
Corte, porém, não pode julgar as autoridades brasileiras pelos crimes da
ditadura, porque sua competência é para fatos posteriores à sua criação.
Festejar
a ditadura é, portanto, festejar um regime inconstitucional e responsável por
graves crimes de violação aos direitos humanos.
Essa
iniciativa soa como apologia à prática de atrocidades massivas e, portanto,
merece repúdio social e político, sem prejuízo das repercussões jurídicas.
Aliás,
utilizar a estrutura pública para defender e celebrar crimes constitucionais e
internacionais atenta contra os mais básicos princípios da administração
pública, o que pode caracterizar ato de improbidade administrativa, nos termos
do artigo 11 da Lei n° 8.429, de 1992.
A
Procuradoria Federal dos Direitos do Cidadão – PFDC, órgão do Ministério
Público Federal, confia que as Forças Armadas e demais autoridades militares e
civis seguirão firmes no cumprimento de seu papéis constitucionais e com o
compromisso de reforçar o Estado Democrático de Direito no Brasil, o que seria
incompatível com a celebração de um golpe de Estado e de um regime marcado por
gravíssimas violações aos direitos humanos. (Com informações da Mídia Ninja).
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