No
mundo inteiro, o ideal do Estado laico gera polêmicas. Nos últimos anos, foram
registrados diversos casos em que a liberdade religiosa se chocou com a ideia
de laicismo, gerando protestos. Ocorreu na França, com a proibição do uso do
véu, na Alemanha, com a proibição de freiras de usarem hábito em escolas e
repartições públicas e também aqui no Brasil, onde foi discutida a questão da
presença de crucifixos em repartições públicas, entre outros assuntos.
Afinal,
o que significa um Estado ser laico? Vamos apresentar esse significado, as
origens históricas do laicismo e como o Brasil se apresenta dentro deste
contexto.
Conceito
Um
Estado é considerado laico quando promove oficialmente a separação entre Estado
e religião. A partir da ideia de laicidade, o Estado não permitiria a
interferência de correntes religiosas em assuntos estatais, nem privilegiaria
uma ou algumas religiões sobre as demais. O Estado laico trata todos os seus
cidadãos igualmente, independentemente de sua escolha religiosa, e não deve dar
preferência a indivíduos de certa religião.
O
Estado também deve garantir e proteger a liberdade religiosa de cada cidadão,
evitando que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas. Por
outro lado, isso não significa dizer que o Estado é ateu, ou agnóstico. A
descrença religiosa é tratada da mesma forma que os diversos tipos de crença.
História do Estado Laico
O
laicismo é uma doutrina que defende que a religião não deve ter influência nos
assuntos de Estado. Essa ideia foi responsável pela separação moderna entre a
Igreja e o Estado e ganhou força com a Revolução Francesa (1789-1799).
Portanto, podemos dizer que o Estado laico nasce com a Revolução Francesa e que
a França é a mãe do laicismo.
Nos
anos que se seguiram à revolução, o Estado francês tomou medidas em direção ao
laicismo propriamente dito.
1790:
todos os bens da Igreja foram nacionalizados;
1801:
a Igreja passou para a tutela do Estado;
1882:
o governo determina que o sistema de ensino público deve ser laico;
1905:
a França se tornou um Estado Laico, separando definitivamente Estado e Igreja e
garantindo a liberdade filosófica e religiosa;
2004:
entra em vigor uma lei que proíbe vestes e símbolos religiosos em quaisquer estabelecimentos
de ensino.
Vale
ainda mencionar o caso dos Estados Unidos e a separação entre Igreja e Estado.
A Constituição Americana foi aprovada em 1787 – e portanto, antes da Revolução
Francesa – não criava nenhum vínculo entre Igreja e Estado, o que pode nos
levar ao entendimento de que este tenha sido o primeiro país laico. Porém, a
Constituição não deixava explícito que eles deveriam estar separados, apenas
não fazia qualquer menção ao tema. Foi apenas na primeira emenda
constitucional, em 1791, que se estabelece que “o Congresso não fará lei
estabelecendo religião oficial, ou proibindo o livre exercício delas”.
No
entanto, essa emenda tratava apenas do governo federal, e muitos estados
continuaram religiosos depois da ratificação. Foi apenas com o caso Every vs
Board of Education, em 1947, que a Suprema Corte incorporou a Establishment
Cause, tornando os Estados Unidos da América definitivamente laico.
Posições do Estado em relação à religião
Apesar
de a laicidade ser adotada em diversos países mundo afora (alguns exemplos são
Estados Unidos, Japão, Canadá, Áustria e África do Sul), ainda existem outras
formas de relação entre Estado e religião. Abaixo, relacionamos algumas delas:
Estado confessional
O
Estado confessional é aquele que adota oficialmente uma ou mais religiões.
Existe influência religiosa nas decisões do Estado, mas o poder secular
predomina. São exemplos de Estados confessionais:
Reino
Unido: a Inglaterra, maior nação do país, adota o cristianismo anglicano como
religião oficial. Bispos anglicanos têm direito a 26 vagas na Câmara dos Lordes
(equivalente ao nosso Senado). Na prática, é o primeiro-ministro e a Câmara dos
Comuns que concentram o poder político;
Dinamarca:
o Estado dinamarquês adota o cristianismo luterano como sua religião. Na
prática, há ampla liberdade religiosa no país, onde vivem muitos imigrantes
muçulmanos;
Butão:
a constituição do país estabelece o budismo tibetano como religião oficial.
Essa nação asiática garante liberdade religiosa, mas tem colocado limites a
práticas de outras religiões (como atividades missionárias e construção de
templos);
Arábia
Saudita (islamismo): adota oficialmente o Islã e proíbe a prática de qualquer
outra religião. Todos os cidadãos sauditas devem professar a fé islâmica, sob
pena de serem executados pelo crime de apostasia.
Estado teocrático
Nas
teocracias, as decisões políticas e jurídicas passam pelas regras da religião
oficial adotada. Em países teocráticos, a religião pode exercer o poder
político de forma direta, quando membros do próprio clero têm cargos públicos,
ou de forma indireta, quando as decisões dos governantes e juízes (não religiosos)
são controladas pelo clero.
Exemplos
de Estados teocráticos são: o Irã, que adota o islamismo como religião oficial
e possui um aiatolá como chefe de Estado; e o Vaticano, o país-sede da Igreja
Católica, cujo chefe de Estado é o próprio papa.
Estado ateu
Um
Estado ateu é caracterizado pela proibição ou perseguição a práticas
religiosas. O Estado não apenas se separa da religião, mas a combate. Exemplos
de ateísmo de Estado podem ser encontrados em experiências socialistas ou
comunistas do século XX: União Soviética (URSS), Cuba, China, Coreia do Norte,
Camboja, entre outros.
Hoje
em dia, parte desses países adota a liberdade religiosa e o secularismo: a
Rússia é um país laico; a China garante a liberdade de crença, apesar de
permitir apenas um conjunto de religiões registradas; e a Coreia do Norte
também permite oficialmente a liberdade religiosa, apesar de que cerca de 64%
da população norte-coreana não professa nenhuma religião, segundo David Alton.
E o Brasil?
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Pleno do Supremo Tribunal Federal ostenta um crucifixo, símbolo religioso católico. (FOTO/ STF). |
O
Brasil é o maior país católico do mundo, com uma estimativa de 127 milhões de
fiéis, o que equivale a 65% da população do país e aproximadamente 12% dos
católicos no mundo (dados de 2013 do IBGE). Mesmo com maioria católica, o país
é oficialmente um Estado laico, ou seja, adota uma posição neutra no campo
religioso, busca a imparcialidade nesses assuntos e não apoiando, nem discrimina
nenhuma religião.
Apesar
de citar Deus no preâmbulo, a Constituição Federal afirma no artigo 19, inciso
I:
É
vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I –
estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o
funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência
ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.
Esse
trecho de nossa Constituição determina, portanto, que o Estado brasileiro não
pode se manifestar religiosamente. Também vale notar que o artigo 5º, inciso VI
também diz:
É
inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre
exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos
locais de culto e a suas liturgias;
Dessa
forma, a liberdade religiosa na vida privada está completamente mantida, desde
que devidamente separada do Estado.
Em
2012, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Marco Aurélio Mello fez
afirmações nesse sentido em sua decisão sobre o aborto de anencéfalos. Ele
afirmou que “os dogmas de fé não podem determinar o conteúdo dos atos estatais.”
Também sustentou que: “as concepções morais religiosas — unânimes, majoritárias
ou minoritárias — não podem guiar as decisões de Estado, devendo, portanto, se
limitar às esferas privadas.”
Polêmica: o caso dos crucifixos em
repartições públicas
Uma
das principais polêmicas em relação à laicidade do Estado brasileiro é o uso de
símbolos religiosos, como crucifixos, em repartições públicas. De acordo com
críticos, essa prática fere os princípios do Estado laico porque, uma vez que
instituições públicas ostentam símbolos de uma religião, estariam
privilegiando-a em detrimento das demais crenças (ou descrenças).
A
controvérsia já motivou decisões como a do Tribunal de Justiça do Rio Grande do
Sul (TJ-RS), que determinou a retirada de crucifixos de todos os prédios da
Justiça gaúcha, em 2012. Mas a decisão foi revertida mais tarde pelo Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), que entendeu que a colocação dos crucifixos “não
exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, também não afeta
o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de
religião”.
Outros
pontos em que a laicidade não estaria sendo respeitada são a frase “Deus seja
louvado”, imprimida no canto das notas da moeda oficial do país, o real, e a
expressão “sob proteção de Deus” inserida no preâmbulo da Constituição Federal.
A bancada evangélica
Além
da presença de referências religiosas em instituições estatais, existe
preocupação em relação ao crescimento do grupo de deputados federais e
senadores evangélicos. A bancada evangélica se opõe a pautas como
descriminalização do aborto, da eutanásia e leis contra a discriminação contra
homossexuais e transexuais, enquanto defendem projetos como o Estatuto da
Família, que reconhece como único núcleo familiar a união entre um homem e uma
mulher, e a redução da maioridade penal para 16 anos em casos de crimes
hediondos.
O
número de evangélicos apenas cresce no país e isso se refletiu na composição do
Congresso. De acordo com dados da Câmara, a bancada evangélica teria cerca de
200 integrantes (198 deputados, incluindo alguns que não estão no exercício do
mandato, e 4 senadores).
A
presença de um amplo grupo identificado com correntes religiosas específicas é
vista como um desafio para a laicidade do Estado, uma vez que muitas das pautas
citadas possuem relação com as convicções religiosas dos parlamentares (a ideia
de família apenas como união entre homem e mulher, por exemplo).
A
bancada também não é unanimidade entre os próprios evangélicos. Teólogos
ouvidos no 10º seminário LGBT na Câmara entendem que o grupo é fundamentalista,
porque busca impor suas convicções morais a toda a sociedade, além de fazer
proselitismo religioso (ou seja, promover esforços para converter pessoas para
sua religião).
Conclusão
Como
você pode perceber, a laicidade é um tema que gera muitas controvérsias, pois
implica a manutenção de um equilíbrio tênue entre liberdade de crença e
imparcialidade do Estado em relação à religião. Esse equilíbrio é delicado, mas
tem como benefício esperado um Estado que respeita a diversidade de crença
existente dentro da população. E você, como enxerga a questão da laicidade?
Deixe sua opinião!
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Com informações do Politize.