"Acho que todo mundo vai ter que comprar um
bom celular, com uma boa definição de imagem e contratar um cinegrafista amador",
disse, na quinta-feira 24, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia, a adiantar a
provável desistência dos deputados em criar um fundo abastecido com recursos
públicos para o financiamento de campanhas, um dos eixos centrais da reforma
política debatida na Câmara.
Da
CartaCapital - Maia deu a entender
que as regras de financiamento e o sistema eleitoral podem continuar como estão
até 2018, caso não haja um "bom diálogo" até a próxima semana.
Mesmo
com quórum alto, o presidente da Câmara desistiu de pôr em votação na noite da
quarta-feira 23 a criação do fundo e do "distritão". A mudança do
sistema eleitoral estava pronta para ser apreciada, mas Maia encerrou a
discussão. Ele abriu uma nova sessão em seguida, mas colocou em pauta a Medida
Provisória que trata das taxas de juros do BNDES. A decisão foi alvo de
críticas até de deputados da base aliada do governo, como o ex-ministro Roberto
Freire, do PPS.
Não
se sabe quando o tema voltará à pauta, ou se voltará. Há um tempo exíguo para
as mudanças serem aprovadas a tempo de valerem para as eleições de 2018.
Alterações no sistema eleitoral têm de ser concluídas até 7 de outubro,
exatamente um ano antes do pleito.
Por
se tratar de uma Proposta de Emenda à Constituição, o pacote precisa ser
aprovado em dois turnos na Câmara antes de ser encaminhado ao Senado, onde
também passará por duas votações em plenário. Em ambas as Casas, o projeto
depende do apoio de três quintos dos parlamentares.
Na
terça 22 e quarta 23, os deputados apenas deliberaram sobre a forma como
analisariam a reforma política e sobre quais pontos deveriam ser suprimidos do
texto do deputado Vicente Cândido (PT-SP). Decidiu-se fatiar o pacote em
diversos itens, mas nenhum deles foi à voto.
A
deliberação resumiu-se a enxugar o texto. Os parlamentares rejeitaram analisar
a limitação de dez anos para os mandatos de ministros dos tribunais superiores,
por julgarem não ser oportuno analisar o tema como eixo de uma reforma
política. Também retiraram do projeto a previsão de repassar 0,5% da Receita
Corrente Líquida para o fundo público de campanhas, que ainda nem foi aprovado.
Até
o momento, os deputados buscaram apenas não se indispor com os ministros do
STF, onde são analisadas as ações contra os políticos com foro privilegiado, e
com os investigadores da Lava Jato, que criticaram publicamente o alto valor
previsto para o fundo.
Diante
do impasse na Câmara, o aumento dos recursos públicos para campanhas, hoje
restrito aos valores disponíveis no Fundo Partidário, pode ocorrer por
intermédio do Senado. Na quarta-feira 23, a Casa aprovou um requerimento de
urgência para o projeto de Ronaldo Caiado (DEM-GO) que cria um fundo público
abastecido com 2 bilhões de reais. O projeto também prevê o fim do horário
eleitoral gratuito em emissoras de tevê e rádio comerciais.
Independentemente
do sucesso da iniciativa de Caiado, a falta de consenso deve impedir mudanças
estruturais no sistema eleitoral. Uma ou outra alteração talvez ainda seja
possível, como a adoção da cláusula de barreira, que dificulta a representação
de partidos menores no Congresso. Alterações significativas não devem vingar,
porém, a exemplo de outras tentativas frustradas no passado.
Em
legislaturas anteriores, mudanças no sistema eleitoral foram debatidas à exaustão,
mas sempre terminavam em um impasse, evidenciado entre as preferências dos
partidos que mais polarizaram a luta política nas últimas décadas.
O
sistema de lista fechada e o voto exclusivo em legendas, uma saída para
fortalecer os partidos de conteúdo programático, eram historicamente defendidos
pelo PT. O sistema distrital, capaz de criar um vínculo local maior entre
eleitores e parlamentares, é uma demanda antiga do PSDB.
Idealizado
pelo ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, atualmente preso em Curitiba, e
Michel Temer, o "distritão" apostava em uma terceira via: simplificar
a escolha de deputados ao determinar que apenas os mais votados em cada estado
fossem eleitos, independentemente do número de votos depositados nos partidos.
Muitos
parlamentares, especialmente do chamado "centrão", viam no modelo uma
garantia de sobrevivência política. Ele favoreceria a reeleição das atuais
lideranças por fortalecer candidatos mais conhecidos, com maior controle da
máquina pública e capazes de propagandear obras locais garantidas com verbas de
emendas parlamentares, grande parte delas liberadas em meio à análise da
denúncia contra Michel Temer por corrupção passiva.
A
proposta amplificaria os defeitos do atual sistema proporcional, sem trazer os
benefícios da lista fechada ou do sistema distrital. Por um lado, ele
enfraqueceria as legendas, ao acabar com a possibilidade de deputados bem
votados "puxarem" a eleição de parlamentares menos conhecidos. Por
outro, ele anula a vantagem da relação mais próxima entre os políticos e a
população. Em vez de um País organizado em centenas de pequenos distritos
eleitorais, a proposta da Câmara queria transformar cada uma das 27 unidades da
federação em um colégio eleitoral majoritário.
Entre
cientistas políticos e especialistas, há um consenso de que a criação do fundo
público de financiamento e a implantação do "distritão" têm como
objetivo beneficiar os atuais caciques, além de celebridades e empresários
milionários. Na atual cisão entre os interesses do Parlamento e os da população,
uma reforma política legislada em causa própria não seria improvável, mas nem
mesmo o atual fisiologismo da Câmara foi capaz de facilitar um consenso.
Os
atuais deputados sequer conseguem decidir qual é a melhor forma de obter alguma
vantagem nas eleições de 2018. Na primeira versão do texto da reforma política
de Cândido, o parlamentar defendia a adoção do sistema de lista fechada para o
próximo pleito. Embora seu partido, o PT, sempre tenha visto o modelo com bons
olhos, a sugestão no contexto atual parecia agradar mais a base aliada de Temer
do que a oposição.
Relator
da reforma política na legislatura passada, o deputado Henrique Fontana
(PT-RS), resumiu em entrevista a CartaCapital o motivo para uma proposta tão
rechaçada no passado ter sido aventada como uma alternativa pelas legendas
conservadoras. Com o enfraquecimento do PT nas eleições de 2016 e frente à
opinião pública, "os partidos
perderam o medo da vantagem que a lista fechada" daria ao partido,
analisou o parlamentar. Apesar do recente interesse do PMDB e de outros
partidos pelo modelo, a lista fechada também ficou pelo caminho, assim como
pode ocorrer com o "distritão".
No
passado recente, foram feitas tentativas para desvincular a reforma política do
fisiologismo do Congresso. Após as manifestações de junho de 2013, a então
presidenta Dilma Rousseff propôs um plebiscito e a eleição de uma constituinte
exclusiva para realizar mudanças no sistema eleitoral. Então líder do PMDB na
Câmara, Cunha adiantou: "A casa é
contra esse plebiscito". A proposta de Dilma não só ficou pelo
caminho, como expôs a falta de sintonia entre o Executivo e o Legislativo,
sintoma que antecipava a perda de apoio político da ex-presidenta no Congresso.
Embora
os planos de Dilma tenham sido frustrados, os de Cunha também tendem a ser. Se
uma reforma política com participação popular foi abandonada na largada, uma
mudança a beneficiar os atuais deputados talvez não seja bem-sucedida.
Bem
intencionadas ou não, mudanças de fôlego no sistema eleitoral devem seguir
engavetadas por falta de consenso e provavelmente voltarão a ressurgir em
legislaturas futuras, vendidas novamente como uma panaceia para os problemas do
País.
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Após dois dias de debates, os deputados não votaram qualquer um dos pontos principais do texto. Foto: Fábio Rodrigues Pazzebom/ Agência Brasil. |