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Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha deveria ser também para denúncias das injustiças

 

Maria Raiane. (FOTO | Arquivo Pessoal).

Por Maria Raiane, Colunista

Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, celebrado em 25 de julho, deveria ser uma data de reflexão profunda e denúncia das inúmeras injustiças e opressões que mulheres negras enfrentam diariamente. Entretanto, infelizmente, a realidade é que esta data muitas vezes é negligenciada e esquecida pela maioria da sociedade. A invisibilidade e o silenciamento que recaem sobre as mulheres negras são uma prova concreta do racismo estrutural, do machismo enraizado em nossas sociedades entre outras violências existentes.

É imperativo que, neste dia, deixemos de lado os discursos vazios e simbólicos para enfrentarmos a verdadeira essência da problemática que envolve as mulheres negras. Afinal, como podemos celebrar uma data que deveria ser de conscientização e denúncia, enquanto essas mulheres continuam sendo as principais vítimas da violência, da pobreza, do desemprego e do acesso limitado à educação e aos cuidados de saúde?

As violências que afetam as mulheres de maneira geral é ainda mais perversa para as mulheres negras, que são frequentemente oprimidas. E o que vemos é uma sociedade que persiste em ignorar suas vozes, necessidades e demandas. A mídia e a indústria do entretenimento são cúmplices nessa perpetuação, reproduzindo estereótipos e preconceitos que apenas reforçam a desigualdade.

Os dados são alarmantes e deveriam ser razão suficiente para que este dia fosse levado a sério por todos. O alto índice de mortalidade materna entre mulheres negras, a violência policial que as atinge de forma desproporcional, a sub-representação no poder político e a falta de oportunidades no mercado de trabalho são apenas alguns exemplos de uma realidade cruel que merece ser confrontada.

Neste Dia da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha, não basta apenas criar hashtags e compartilhar mensagens bonitas nas redes sociais. É hora de uma ação concreta e efetiva para combater o racismo, o sexismo e outras violações arraigados em nossa sociedade. É hora de ouvir as mulheres negras e valorizar suas vivências e lutas.

Em vez de usarmos este dia como mero enfeite em nossos calendários, que ele seja um lembrete constante de que temos uma dívida histórica a ser paga. É um momento de autoavaliação para compreendermos nosso papel nessa estrutura injusta e nos comprometermos a desconstruí-la em todas as suas manifestações.

Portanto, não se trata apenas de um dia de celebração, mas principalmente de um dia de denúncia e de reconhecimento das violências e desigualdades que as mulheres negras enfrentam. Enquanto essa realidade persistir, a celebração deste dia será uma afronta à justiça e à igualdade, tornando-se mais uma demonstração da falta de empatia e comprometimento de nossa sociedade em combater as opressões sistêmicas que afetam as mulheres negras e, consequentemente, toda a sociedade.

Como se eleger sem dinheiro? Crítica aos Partidos Políticos de Esquerda em consideração à candidatura de mulheres negras no Nordeste

 

Maria Raiane. (FOTO/ Acervo Pessoal).

Por Maria Raiane, Colunista

O texto foi publicado originalmente no Letras Negras, uma iniciativa do projeto “Enegrecer a Política” com o objetivo de divulgar o pensamento e as ações de pessoas negras do Norte e Nordeste. Segundo Raiane, foram selecionados 8 textos do norte e do nordeste. Do nordeste, um do Ceará, o seu.

Maria Raiane Felix Bezerra[1]

 

Após o feminicídio político de Marielle Franco no ano de 2018, houve um salto positivo de candidaturas negras. Algo surpreendente foi a quantidade de candidaturas coletivas que se formaram em todo o Brasil, principalmente, de mulheres negras que se colocaram na disputa para pleitear uma vaga nas Assembleias Legislativas e nas Câmaras brasileiras, com destaque para a região Nordeste.

As mulheres negras, peças-chave para a mudança radical dessa sociedade em que vivemos, nas últimas eleições (2018, 2020 e 2022) ousaram se candidatar em um cenário em que estávamos quase perdendo os mínimos direitos sociais conquistados e que muitos foram totalmente extinguidos pelo governo Bolsonaro. O atual  governo representa/ou a forma mais antidemocrática, anti vida, punitivista, proibicionista, racista, feminicida, LGBTQIAPN+fóbico, entre outras violências, que o país já viveu desde o processo de redemocratização.

Acredito que o cenário caótico em que vivemos fez com que as pessoas negras se colocassem como ponta de lança, pois são elas que estão nas lutas árduas e cotidianas em prol das ações afirmativas e que finalmente conseguiu inserir, minimamente, essa população preta, periférica, das classes mais afetadas nos espaços que foram negados historicamente.

Refletir sobre a sociedade brasileira, me faz querer debruçar sobre os limites da falsa democracia e do sonho que ela se torne de fato realidade, pois com racismo não há democracia.

E é sobre isso que eu quero falar. Acredita-se que os partidos políticos considerados progressistas ou de “esquerda”, possuem programas partidários que mais se aproximam de um projeto para uma sociedade mais “igualitária”. Neste ponto, vale lembrar o mito da democracia racial, pois essa fantasia tem sido uma pedra no caminho da população negra no Brasil, visto que entrou com muita facilidade nas mentes daqueles/as que assim como a maioria no país, agem em negação quanto à existência do racismo estrutural.

Trago essa discussão para o debate, para conseguirmos vislumbrar o quanto esse conceito criado por um sociólogo nordestino[2] atravessou e fundou os partidos políticos de esquerda.  Ter esses fatos em mente, nos ajuda a diagnosticar e dimensionar o problema gerado pelo mito da democracia racial.

É preciso denunciar que existe um problema de formato estrutural que não é solucionado pelos partidos políticos, pois quando se trata das barreiras enfrentadas por pessoas negras, ou eles tratam subdividindo o problema em setoriais, ou, sequer fomentam iniciativas em seus programas de ações partidárias direcionadas à mitigação dessas barreiras, e tais omissões são classificadas como racismo. Até porque, quando não debatemos ou não tratamos de certos problemas, é porque negamos a sua existência. Se eles deixam de falar sobre ou colocam apenas pessoas negras para falarem do assunto, novamente, eles estão sendo racistas.

E quando se trata de candidaturas de mulheres negras que, felizmente, estão saindo em candidaturas coletivas ? O que os partidos de esquerda têm a declarar do apoio que dão ou deixam de dar para essas corpas? Consegue refletir de onde estou enxergando? Exponho todos estes pontos para finalmente chegarmos ao conceito de Racismo por Omissão.

O conceito foi criado por Lélia González para denunciar o Partido dos Trabalhadores (PT) que nos anos 80, quase cem anos após a falsa abolição, não integrou ao seu programa partidário e nem denunciou em rede televisiva, a situação em que a população negra se encontrava no país.

Partindo desse conceito, como já busquei desenhar, tento refletir e expor as candidaturas recentes das mulheres negras no Nordeste. Principalmente, daquelas que denunciaram de forma aberta em suas redes sociais, as dificuldades de financiamentos negados ou não distribuídos de forma coerente pelos partidos de esquerda.

Este é o caso das vereadoras (Pretas Juntas) Elaine Cristina e Débora Aguiar do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), da cidade de Recife-PE, que mesmo recebendo mais de 3 mil votos em sua campanha para vereança, não receberam recursos suficientes do partido (PSOL), mesmo diante da magnitude da campanha.  Percebo isso como uma estratégia de boicote ao projeto político pensado e conduzido por mulheres negras, pois estamos falando de partidos políticos que tem um quantitativo que se autodeclara negro relevante. Mas que ainda segue os princípios branco, masculino, cis, hétero etc., por isso, para eles, só vale apostar financeiramente naquelas/es que “já estão ganhos”. Importante lembrar, que isso não é apenas uma situação isolada em Recife-PE.

Foi por meio dos financiamentos coletivos que várias campanhas coletivas de mulheres negras se sustentaram.  Foi com o apoio de uma coletividade, que as candidatas tiveram apoio psico-socio-político dos seus coletivos comprometidos com as pautas para continuarem no enfrentamento às desigualdades intrapartidárias.

Importante destacar que, os partidos políticos, ainda nos tratam como pessoas que estão propondo uma candidatura apenas por questões “identitárias”, algo que quem faz parte dos movimentos negros, de mulheres e outros escutam com frequeência. Mas vos digo, eles têm medo do que propõem as mulheres negras, pois estamos falando de atores sociais que pensam a sociedade como um todo.

Que deixemos bem nítido, não queremos apenas nos candidatar, queremos ser eleitas e para isso precisamos do compromisso real com a dívida não paga daqueles que nos devem e que estão alocados nas estruturas partidárias. Para a “esquerda”, deixo um recado, é preciso reconfigurar esse padrão que usa nossa imagem para cumprir coeficiente de representação, não iremos aceitar mais isso.




[1] Maria Raiane, negra jovem de 24 anos, pansexual, licenciada em ciências sociais pela Universidade Regional do Cariri (URCA), mestranda em Sociologia pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), professora de sociologia e filosofia na educação básica, escritora independente/marginal, colunista do blog Negro Nicolau, pesquisadora do NEGRER; compõe a coordenação do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC); ativista da Rede Nacional de Feministas Antiproibicionistas RENFA; nascida e criada em Juazeiro do Norte, região do Cariri, no Estado do Ceará-Nordeste

[2] O conceito de “Democracia Racial” foi criado por Gilberto Freyre e na obra Casa-Grande e Senzala (1933) foi onde o conceito ganhou relevo e reconhecimento. Esse conceito, nega a existência do racismo no Brasil.

O mito da democracia racial e sua contribuição negativa para o campo político da esquerda

 

O mito da democracia racial e sua contribuição negativa para o campo político da esquerda. (FOTO/ Divulgação).

Maria Raiane Felix Bezerra[1]

 

A formação do Brasil veio por meio de muitas ruínas e extermínios de povos racializados, que por consequência da colonização europeia ocupa um lugar determinado a partir do racismo estrutural. Mas em Gilberto Freyre, podemos notar como o autor pensa a formação do Brasil, que segundo o referido, partiu de um equilíbrio de antagonismos onde permitiu que houvesse uma mistura entre as raças de forma “harmoniosa”. Freyre (2005) acredita que o colonizador português teve uma capacidade maior de “flexibilidade” do que os outros colonizadores, sendo o português “mais adaptável às situações” e por isso seria tranquilo para eles manterem relações com pessoas negras e indígenas. Isso para Freyre resultaria no “grande sucesso da colonização e da miscigenação brasileira” (Freyre, 2005).  

Freyre localiza a família patriarcal2e destaca-a em suma importância, pois afirma que por terem a “regalia da escravidão”, miscigenação e produção, tornava-os o grande domínio rural que foi responsável pela construção da mão de obra que sustentou a escravidão, que para Freyre foi fundamental para a formação do Brasil, deixando explicito o seu posicionamento que o problema do Brasil não era de cunho racial, e sim, econômico (FREYRE, 2005).  

É por meio desse desfecho do último parágrafo que daremos início a discussão a qual esse texto se propõe, que é demonstrar como a metodologia de Gilberto Freyre auxilia na escrita de autores politicamente de esquerda.

São muitos os autores contribuintes para a Sociologia brasileira e Florestan Fernandes é um deles. É considerado um grande nome do pensamento social brasileiro pelo seu desempenho com a escrita revolucionária e inovadora ao que se refere a ortodoxia marxista.

Fernandes (2017) em “o significado do protesto negro” vai nos alertar sobre os processos da falsa abolição e como isso foi o agravante para que a população racializada se mantivesse nas margens da sociedade. Segundo o autor, isso teria sido esquematizado pela elite branca que utilizou de seus interesses próprios para fazer tal situação. Os impactos sofridos por essas amarras coloniais e escravocratas fez com que houvesse um agravamento na divisão racial do trabalho e os negros e negras (es) sempre estariam em desvantagem.  

Em seu livro a população negra é tratada como a esperança revolucionária e isso vem por meio de um olhar externo daqueles que depositaram toda uma confiança em um povo que sofreu muito no processo de colonização. A tão mencionada Luta de Classes segundo Fernandes (2017) teria que estar lado a lado com as questões raciais para que finalmente pudesse haver uma revolução, coisa que não aconteceu de forma natural e que ainda está longe de se concretizar de fato, pois para além de estar lado a lado, é preciso que cada indivíduo compreenda o seu papel e responsabilidade na luta contra o racismo. 

O mito da democracia racial fez com que os movimentos negros lutassem muito para que essa falsa harmonia entre as raças deixasse de ser o condutor dessa situação agravante que fazia com que a escravização se perpetuasse de novas formas (FERNANDES, 2017). Estamos falando de uma perspectiva em que o mundo inteiro ainda pensa sobre o país cujo “harmoniosamente” vivem as raças (indígenas, europeus/brancos, negros e racializados). Trazer Florestan Fernandes para essa discussão é necessário para que possamos perceber em seu livro, que nas entrelinhas estava ali mais uma vez o movimento negro solitário, “nós por nós”, onde todos em volta depositavam suas esperanças, mas não se juntavam a luta contra a discriminação racial.  

Enquanto isso, vários movimentos sociais de maioria classista ortodoxa não compreendiam e não consideravam que todas as pessoas haviam de se responsabilizar pelo racismo e não apenas quem era atravessado por essa estrutura. É de se questionar e refletir, quando Fernandes é nomeado ou tratado como um militante “desobediente” em seu partido político por fugir dessa ótica de compreender o Brasil como um país não apenas com problemas econômicos, mas na sua dimensão racial.  

Essa coisa da “desobediência” em que o autor teve por ser de partido cujo marxismo era mais “ortodoxo”, apenas significa que o racismo não era tratado como prioridade, que as lutas raciais não faziam parte da agenda do partido político que ele fazia parte, ou seja, no Partido dos Trabalhadores (PT). É preciso que falemos das problemáticas disso, pois em um país cuja marca escravocrata ainda reina, todos devem se responsabilizar pela dívida impagável a qual acomete o racismo.  

Mesmo com alianças entre negros, indígenas, racializados e brancos o racismo estaria longe de acabar, pois os brancos como já vimos em Fernandes (2017), eram muito resistentes em assumir seus privilégios, não apenas de classes sociais, mas de raça considerada superior nessa sociedade. Assim como muitos intelectuais do pensamento social brasileiro, Florestan Fernandes em seus argumentos e produções de saberes acabou por reproduzir o Brasil em seus problemas com mais ênfase nas questões econômicas, colocando o fim do racismo apenas em uma descrição de um manual de como a militância negra deveria agir (FERNANDES, 2017).  

Não é surpreendente tal situação, até porque se formos fazer uma análise das obras  dos autores geralmente lidos na Sociologia Brasileira, notamos falhas que precisam ser  expostas, pois se a maioria dos autores da Sociologia Brasileira tratam as questões estruturais no Brasil a partir da compreensão econômica, sendo que muitos deles foram atuantes de partidos de esquerda e isso resulta em um retardamento das reconstruções das identidades, coisa que os movimentos negros, indígenas e outros vem buscando reverter à séculos.

Trago isso, pois o olhar estritamente materialista ortodoxo, fez de muitos intelectuais da Sociologia acabar por reproduzir frases como “discriminação social” (PRADO Jr. 1961) para se referir as pessoas com apenas a classificação de pobres e ricos, não levando em consideração as marcas deixadas pela colonização. O Brasil como bem menciona Lélia González (2019), é um país cujo amefricanização está em todos os lugares, pois somos ameríndios e amefricanos, no entanto, não há condições de descrever o Brasil sem esse dado.  

Muitos partidos políticos e outras organizações de movimentos sociais se fundamentam pela ótica marxista-leninista. O problema não está na dimensão de serem marxistas leninistas, mas na não abertura de novas interpretações e questões que muitas vezes não foram bem-vindas nessas organizações, como questões de gênero, raça, sexualidades e etc.  

Trago essa reflexão para que pensemos e lembremos que Florestan Fernandes foi do Partido dos Trabalhadores (PT) e como outros autores que também tiveram a vida atravessada pela organização partidária sofrem desse déficit. É inevitável não falar que o (PCB) foi o primeiro partido comunista no Brasil fundado em 1922 e que mesmo poucos anos após a falsa abolição de (1888) não teve a decência de tratar do racismo e da situação da população “semi livre” em suas trincheiras. O PT também não fica atrás, até porque foi fundado na década em  que se fazia cem anos da falsa abolição e que se não fosse pela militância negra do partido (JÚNIOR, 1987), nenhum debate e reflexão sobre a vida da população negra brasileira  teria acontecido e Lélia González nos lembra disso muito bem, pois denuncia o (PT) nos  anos oitenta por Racismo por Omissão, porque o partido em rede nacional de TV em sua  divulgação de programa partidário não falou da situação da população negra brasileira, e  González interpretou isso como excludente (GONZÁLEZ, 1983). 

O ponto crucial para pensarmos como a metodologia de Gilberto Freyre contribuiu para que autores como esses não despertassem seu interesse e responsabilidade com intensidade para com as pessoas racializadas desse país, vem para explanar o quanto o mito da democracia racial além de teoria, virou discurso que se tornou o brasão da sociedade brasileira, no quesito apagamento de identidades e qualquer marca de africanização/ameríndia (GONZÁLEZ, 2019).  

Incrível como o PT classificou Florestan Fernandes no lugar de “desobediência” por ele tentar observar novos elementos fora do que já estava ali posto dentro dos partidos.  Ouso em dizer que essas atitudes omissas dos partidos foram responsáveis também pela não valorização da identidade negra, indígena e de outros povos no Brasil, atrasando e deixando cada vez mais distante o encontro com a identidade/ancestralidade.  

Como já havia sinalizado nas minhas lutas diárias, que as formas de generalização que algumas organizações de base alemã se utilizam de exemplos externos como a revolução Russa em 1917 para comparar com a construção do Brasil e uma possível revolução brasileira, é superficial e problemática, porque não se trata de um país homogêneo, mas de um país pluricultural e multirracial. O problema das classes sociais existe em todos os países de ordem econômica capitalista e imperialista, mas apenas o recorte de classe não dá conta de toda uma multiplicidade de povos marcados pela racialização.  

Referências 

ALMEIDA, Silvio Luiz de. O que é racismo estrutural?. Belo Horizonte (MG): Letramento, 2018. 

CARNEIRO, Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil / Sueli Carneiro: Selo Negro, 2011. 

FERNANDES, Florestan. Significado do Protesto Negro. São Paulo: Expressão Popular  / Fundação Perseu Abramo, 2017. 

FREYRE, Gilberto. Casa Grande & Senzala. São Paulo: Global Editora, 2005. 

GONZALEZ, Lélia. Lélia por ela mesma. Epígrafe de abertura do texto “Racismo e sexismo na cultura brasileira”. In: Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros  estudos. Brasília: ANPOCS, 1983. 

GONZALEZ, Lélia. A Categoria Político-Cultural da Amefricanidade. In: Pensamento  Feminista –Conceitos Fundamentais. BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa (org.). Rio  de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, pp. 340-352. 

JÚNIOR, Hédio Silva. O PT e a questão racial: uma conversa que não pode ficar só entre negros – 1987. Boletim Nacional do PT, nº 27, maio de 1987, p. 04-05. Acervo: CSBH/FPA. 

PRADO Jr., Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo: Brasiliense, 1961.  Ler: Introdução, Sentido da Colonização e Vida Social.


[1] Cientista Social licenciada pela Universidade Regional do Cariri (URCA); Mestranda em Sociologia Pela Universidade Estadual do Ceará (UECE); E-mail: raiane.bezerra@aluno.uece.br, membra do Grupo de Valorização do Cariri (GRUNEC); do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações étnico-raciais (NEGRER)

2 Em sua obra cita a família patriarcal e a importância para a formação da sociedade brasileira que era chefiada pelo homem que dominava a parte rural e que não necessariamente tinha um caráter totalmente  privado, pois mantinha até proximidade com os escravizados que trabalhavam na casa grande, chegando  a serem considerados “filhos”, mas do modo político, econômico e social (FREYRE, 2005). 

Uma síntese breve de “racismo e sexismo na cultura brasileira” e “a categoria político-cultural da amefricanidade” de Lélia González

 

Lélia Gonzales. (FOTO/ Reprodução).

Por Maria Raiane, Colunista

Lélia González tem uma atuação ampla e é considerada um dos maiores nomes do movimento negro e de mulheres negras, não só no Brasil, mas no mundo. Além de ser historiadora, antropóloga e filósofa sua atuação percorreu partidos políticos e o Movimento Negro Unificado (MNU), movimento em que auxiliou na fundação.

Vim por meio dessa nota, compartilhar a leitura com vocês. São textos magníficos, onde Lélia González nos instiga a pensar como o mito da democracia racial vai agir de forma específica em relação às mulheres negras e como a africanização do Brasil está presente no nosso cotidiano, mesmo que o racismo queira apaga-lo a todo custo. São inúmeros os motivos que me faz vos instigar a ler os escritos das mulheres negras e indígenas desse país. Nisso, pensei na proposta desse breve resumo para instigar-lhes a essa imersão.

Um pouco sobre os textos:

O racismo é apontado como o elemento que constitui e caracteriza a sociedade brasileira e quando se junta ao sexismo, se torna um duplo fator que violenta de forma particular as mulheres negras. González traz para a discussão a importância de pensarmos as mulheres negras para além das paredes socioeconômicas que nos atravessam e impõe ao debate outras categorias, que seria a noção de mulata, doméstica e mãe preta.

Essas classificações citadas anteriormente (mulata, doméstica e mãe preta) são fundamentais para a compreensão do texto e a referida autora utilizará o exemplo do carnaval para exemplificar o mito da democracia racial e o seu simbolismo nessa época de festejo. Seria esse o período onde a mulher negra (mulata) vai sair do seu anonimato para ser o centro das atenções nos desfiles das escolas de samba. O carnaval se configura nesse evento, em que o sujeito negro sai das matérias policiais, para aparecer nas capas de revistas, é quando o mundo vai voltar seus olhos para a negritude que deixa de ser marginal para se tornar o símbolo. Nesse caso, se caracteriza o único momento onde o branco “aceitaria o protagonismo” que se dá a partir da imagem da “mulata” que representará para o mundo a fora, a “harmonia brasileira entre as raças”.

O mito da democracia racial vai agir diferente em relação a mulher negra, porque para além do “endeusamento” que o carnaval vai impor a “mulata”, tem o outro lado que também irá compor essa mulher perante a sociedade, que será quando a mesma se transfigura na doméstica. No caso, os dois conceitos (mulata-doméstica) fazem parte da mesma mulher negra e a forma com que ela será vista vai depender da situação que estarão postas. Chegando nas “mucamas”, que seria a mulher negra que por muitas vezes foi a ama de leite, quem criou os filhos das mulheres brancas e que era obrigada a satisfazer o senhor de engenho, chegamos também à "mãe preta”, que seria aquela que cuidou, deu banho e ensinou a falar.

A mãe preta seria aquela mulher que cumpriu a função materna no lugar da mulher branca e com essa função, a mesma passaria os valores que tinha para a criança tida como “brasileira” que irá praticar o pretuguês, que havia aprendido com ela. O pretuguês, segundo González (1983) seria uma marca da africanização do Brasil, principalmente, no que diz respeito às trocas das letras “L” por “R” em algumas palavras, exemplo: framengo, pois no idioma africano não existiria a pronúncia da letra “L”. Isso foi um dos porquês que Gonzalez procurou amadurecer mais o que estava pensando e que logo viraria conceito, que seriam as categorias “amefricanos” e améfrica ladina.

González vai revelar que por conta de marcas iguais às citadas anteriormente (sobre a linguagem, marca da africanização) era preciso uma elaboração de um novo conceito que pensasse a América como um todo, pois quando se falava em “americano” automaticamente as pessoas associavam aos Estados Unidos. Então o que seríamos nós, pessoas localizadas nos outros lugares da América central, insular, sul, norte?

Então nos explica que o fato dos Estados Unidos ser imperialista fazia com que as pessoas dos outros países das regiões já citadas ficassem passivas politicamente e ideologicamente. Por isso a urgência de refletirmos sobre amefricanidade. O termo “afro-americano” também vai parecer que só existem negros nos Estados Unidos e mais uma vez González (2019) destaca a importância de usarmos o conceito “amefricanos” para categorizar a todes nós, pois seria um termo mais democrático e não ficaria limitado a questões territoriais, linguísticas e ideológicas.

E ai, gostaram do que leram? Deixo aqui as referências para que se aprofundem mais nas intelectuais tão necessárias para as ciências humanas e sociais desse país. A relevância de compreendermos conceitos cunhados por mulheres negras faz com que nós enquanto humanidade reconhecêssemos a potência que está nos nossos saberes. Quem como eu, escreve como quem denuncia o mundo? 

Referências

GONZALEZ, Lélia. A Categoria Político-Cultural da Amefricanidade. In: Pensamento Feminista –Conceitos Fundamentais. BUARQUE DE HOLLANDA, Heloisa (org.). Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2019, pp. 340-352.

GONZALEZ, Lélia. Racismo e Sexismo na Cultura Brasileira. In: SILVA, Luiz Antônio Machado et alii. Movimentos sociais urbanos, minorias étnicas e outros estudos. Brasília, ANPOCS, p.223-44, 1983.