Blog Negro Nicolau celebra 10 anos em encontro virtua com colunistas e colaboradores. (REGISTRO/ Dayze Vidal). |
O blog Negro Nicolau (BNN) foi lançado em 27 de abril de 2011 originalmente alcunhado de “Altaneira Infoco” e posteriormente “Informações em Foco” até chegar a esta denominação. São 10 anos de atuação em defesa da promoção de uma sociedade menos desigual e menos intolerante, com equidade racial e de gênero completados nesta terça-feira (27).
Para
esta passagem, o professor, ativista negro, fundador e editor do blog, Nicolau
Neto, promoveu na tarde desta terça (27), uma roda de conversa via Google Meet com a
equipe de colunistas e colaboradores. Participaram do encontro virtual que
começou às 15h00h e se estendeu até às 18h00h, as colunistas Karla Alves (historiadora e integrante
do Pretas Simoa), Fátima Teles
(escritora, professora e poeta), Francilene
Oliveira (historiadora, guia de turismo e condutora de trilhas), Antônio Raimundo (servidor público
federal do poder judiciário), Valéria
Rodrigues (bióloga e agente social) e Alexandre
Lucas (pedagogo e artista/educador). Como colaboradorxs e parceirxs,
estiveram Dayze Vidal (cientista
social, professora e integrante do Pretas Simoa), Lucélia Muniz (professora e blogueira), Paulo Henrique Maia (ativista político e comunicador da Rádio
Comunitária Altaneira FM), Nelzilane
Oliveira (comunicadora popular e representante da Associação Cristã de Base
– ACB), Valéria Carvalho (ativista
negra e uma das fundadoras do GRUNEC), Ana
Karolyne (ativista negra e estudante de Jornalismo na UFCA) e Ana Tereza (feminista e assistente
social).
O
encontro foi dividido em dois momentos. O primeiro ficou sob a responsabilidade
de Nicolau Neto que apresentou o histórico do blog. No segundo momento, cada
participante fez considerações sobre sua trajetória e como ela se entrelaça com
a deste diário virtual.
Nicolau Neto
Nicolau
fez uma síntese desses 10 anos do blog. Destacou as mudanças de nome até chegar
ao atual e lembrou que enquanto “Informações
em Foco” teve uma consolidação, vindo a figurar entre os portais mais
acessados da região do cariri. Em 2017, o blog passa por mais uma mudança de
nome. Afirmou que resolveu assumir a identidade também no diário virtual ao
denomina-lo de “blog Negro Nicolau”.
Ele relatou que desde o lançamento o principal objetivo era colocar a mídia no
campo do enfrentamento ao sistema de poder que exclui, que segrega, alimenta e
realimenta as práticas racistas, machistas e homofóbicas, onde os veículos de
comunicação tradicionais são parte.
Nicolau
relatou que quando promoveu a última mudança, diversas pessoas passaram a lhe
enviar mensagens o questionando por isso.
“Sempre escrevi sobre o racismo, sobre a população negra e as constantes discriminações sofridas por ela enquanto ‘Informações em Foco’, mas nunca tinha sido questionado. Ninguém nunca tinham me perguntado o porque deste nome. Mas me indagaram sobre a escolha de “Negro Nicolau”, disse.
“Mas respondia a todas as mensagens. A escolha se deu em face de poder, através desta mídia, contribuir a partir das nossas ações de sentimento de pertencimento para que outras pessoas se sintam representadas e empoderadas por negros como eu e possam ainda se reconhecer, se autoafirmar como negro, como negra".
Para
Nicolau, o blog é uma mídia negra livre. Foi construída com a missão de ser um
espaço de comunicação de denúncia de todos os casos de segregação racial e de
propor uma narrativa distinta da veiculada pelos portais de comunicação tradicionais, esteriotipada e que não questiona as estruturas racistas. Busca
oferecer uma narrativa que destaca de forma afirmativa o povo negro deste país.
É uma mídia de denúncia - inclusive diante desta pandemia que acentuou o
racismo estrutural - de combate e de enfrentamento ao sistema, mas também de
empoderamento, de identificação e de afirmação.
Por
fim, mencionou que o blog é reconhecido nacionalmente e está entre as mídias
negras mais influentes do Brasil, figurando ainda entre veículos, coletivos,
canais e iniciativas em geral de mídias negras que assinou um manifesto em defesa da vida da população
negra e pela reforma do sistema político no Brasil; foi um dos assinantes
da carta-repúdio a um ato racista promovido por André Lacerda contra povos
tradicionais (indígenas); além de está incluída no e-book “Mapeamento da Mídia Negra no Brasil”, organizado pelo Fórum
Permanente pela Igualdade Racial (Fopir) e é um dos parceiros do Congresso
Internacional Artefatos da Cultura Negra.
O blog Negro Nicolau conta com oito colunistas e tem como parceiros o Núcleo de
Estudos e Pesquisas em Educação, Gênero e Relações Étnico-Raciais (NEGRER) da URCA;
a Associação Cristã de Base (ACB), A Academia de Letras do Brasil/ Seccional
Araripe (ALB/Araripe); a Rádio Comunitária Altaneira FM, o Projeto ARCA e os
sites Identidade 85 e Intelectual Orgânico.
Karla Alves
Karla
começou parabenizando o blog por existir e resistir. Lembrou que a
trajetória dessa mídia negra é semelhante a do Grupo de Mulheres Negras Pretas
Simoa, uma vez que sofreu esse mesmo processo de estranhamento da sociedade. “As pessoas perguntavam o porquê do grupo ter
só mulheres negras”, destacou. Para ela, esse estranhamento surge porque a
sociedade é racista e sempre tratou de invisibilizar o povo preto e todas as
iniciativas vindas dele para se autoafirmar. Então, quando a gente mostra que
existe, causa esse estranhamento.
A
historiadora frisou a importância do blog no enfrentamento do racismo e na
construção de uma narrativa que positive o povo preto e disse que essa mídia
negra é uma continuidade daquela que foi a primeira imprensa negra brasileira,
o jornal “O homem de cor”, fundado pelo tipógrafo e escritor Francisco de Paula
Brito em 1833. Ele foi o primeiro a tratar das questões da população negra,
denunciando e lutando contra a discriminação racial.
Ao
destacar o papel do blog, Karla trouxe um provérbio africano da cultura Akan. “Quando as teias de aranhas se juntam, elas
podem amarrar um leão”, disse ela ao passo que desejou vida longa ao blog.
Fátima Teles
A escritora e poeta Fátima relatou que o blog exerce um papel preponderante no campo da mídia, especificamente na mídia negra e por isso mesmo não é referendado pelos poderes instituídos. “Mas se fosse eu não tinha aceitado ser colunista”, disse. Para ela, esse caminho que foi escolhido e que está sendo trilhado é o que permite ser hoje uma referência nacional.
“Blog
Negro Nicolau
Em
abril vai festejar
Dez
anos de existência
Podendo
se orgulhar
Do
trabalho informativo
Quem
vem a realizar
---------------
Vinte
e sete de abril
É
uma data especial
Parabéns
para esse blog
Coletivo
e cultural
Afirmando
a resistência
Que
é bem essencial”.
Antônio Raimundo
Antônio
trouxe para a conversa um pouco da sua trajetória de vida, desde sua infância
morando em Altaneira e sua paixão pelo esporte, até o momento em que teve que
deixar sua terra em direção a Brasília onde reside atualmente. Segundo ele,
acompanha diariamente o Blog e as informações sobre o nordeste. “Temos um pouco de saudosismo. E buscamos
saber sobre o que ocorre na nossa região através do blog”, disse.
O
servidor público federal afirmou que aceitou o convite para ser colunista
porque deseja aprender mais, conhecer mais. “Escrever não é fácil. Demanda não
só tempo, mas cuidado ao pesquisar fontes para embasar nossos textos”, mas
assumiu esse compromisso. Por fim, elencou o trabalho do blog ao trazer a
bandeira da equidade racial e de gênero.
Valéria Rodrigues
Foi
exposto na conversa por Valéria a dedicação e o compromisso diário de Nicolau
com o blog. Frisou que tem surtido o efeito desejado, uma vez que está
exercendo um protagonismo na região do Cariri com textos que discutem as
relações étnico-raciais; o combate ao racismo, à ausência de negros e negras na
política partidária e em outros espaços de poder; os caminhos para o
fortalecimentos das lutas dos movimentos negros; do empoderamento; de
personalidades negras que mudaram o mundo, inclusive brasileiros/as, dentre
outras temáticas.
Valéria
relatou que aprendeu e que vem aprendendo muito na relação com Nicolau que vem
se mantendo fiel aos seus princípios e as temáticas principais do blog sem se
deixar influenciar ou ser cooptado. “Por
diversas vezes falava pra ele sobre aceitar patrocínios, mas ele dizia que não.
Que não quer que as pessoas interfiram na sua forma de escrever, nos temas a
serem trabalhado. Os patrocínios para ele tira essa liberdade”, disse ela.
“E eu o entendo e o apoio”, destacou
ao passo que mencionou que além de colunista, atua como corretora ortográfica.
Francilene Oliveira
Já
Francilene fez um resumo do seu histórico de vida e de como acabou se
reencontrando com as mídias. Destacou sua passagem enquanto comunicadora na
Rádio Altaneira FM a partir do programa aos sábados “Olhar Jovem” e no jornal “Notícias
em Destaque”, em que teve a participação como repórter da comunidade.
Segundo ela, foi uma experiência incrível, mas que acumulou alguns dissabores
com integrantes da administração, sem, no entanto, precisar nomes.
A recém-formada em História (URCA) conta que teve influências dos professores Fabrício Ferraz e Nicolau Neto na escolha do curso e que este último foi e é importante referência na sua auto identificação negra e indígena e fez das palavras da escritora Fátima Teles as suas.
“Se o seu blog fosse refém dos poderes constituídos, se se deixasse influenciar pela polarização instalada e acentuada nos últimos tempos aqui, eu não seria colunista”, disse.
Para ela, o blog trabalha temas que
não são vistos nos demais diários. Temas que são caros a população negra e isso
é motivo para se orgulhar.
Dayze Vidal
Dayze
abriu o discurso das colaboradoras do blog. Ela trouxe a lume as parcerias de
Nicolau com os movimentos negros do cariri, especialmente com o Pretas Simoa.
Lembrou da palestra que foi convidada por ele para ministrar na Escola de
Educação Profissional Wellington Belém de Figueredo (Nova Olinda), dos olhares
atentos dos alunos e destacou a importância do trabalho que ele fez com as
personalidades negras.
Dayze
apresentou um poema de Maya Angelou:
“Ainda
Assim Eu Me Levanto – (“Still I Rise”)
Você
pode me inscrever na História
Com
as mentiras amargas que contar,
Você
pode me arrastar no pó
Mas
ainda assim, como o pó, eu vou me levantar.
Minha
elegância o perturba?
Por
que você afunda no pesar?
Porque
eu ando como se eu tivesse poços de petróleo
Jorrando
em minha sala de estar.
Assim
como lua e o sol,
Com
a certeza das ondas do mar
Como
se ergue a esperança
Ainda
assim, vou me levantar
Você
queria me ver abatida?
Cabeça
baixa, olhar caído?
Ombros
curvados com lágrimas
Com
a alma a gritar enfraquecida?
Minha
altivez o ofende?
Não
leve isso tão a mal,
Porque
eu rio como se eu tivesse
Minas
de ouro no meu quintal.
Você
pode me fuzilar com suas palavras,
E me
cortar com o seu olhar
Você
pode me matar com o seu ódio,
Mas
assim, como o ar, eu vou me levantar
A
minha sensualidade o aborrece?
E
você, surpreso, se admira,
Ao
me ver dançar como se tivesse,
Diamantes
na altura da virilha?
Das
chochas dessa História escandalosa
Eu
me levanto
Acima
de um passado que está enraizado na dor
Eu
me levanto
Eu
sou um oceano negro, vasto e irriquieto,
Indo
e vindo contra as marés, eu me levanto.
Deixando
para trás noites de terror e medo
Eu
me levanto
Em
uma madrugada que é maravilhosamente clara
Eu
me levanto
Trazendo
os dons que meus ancestrais deram,
Eu
sou o sonho e as esperanças dos escravos.
Eu
me levanto
Eu
me levanto
Eu
me levanto!”
E
disse que é nessa ambiência que se encontra o poder e importância do blog. “Sigamos, preto”, complementou.
Nelzilane Oliveira
A
representante da ACB frisou que acompanha o trabalho do blog de perto há alguns
anos e elencou diversas características que colaboram para o sucesso e ao mesmo
tempo o incômodo que o diário causa, como o colocar o dedo na ferida da sociedade
elitista, machista, homofóbica e racista. “A
gente não percebe isso sendo trabalhado nos veículos de comunicação tradicionais”,
disse.
“E é exatamente por isso, por essa narrativa sustentada pelo Nicolau e pela equipe do blog que a ACB se fez parceira. É um trabalho que se assemelha ao desenvolvido pela ACB”, completou.
Ela não descartou fazer parte do quadro de colunistas. “Quem sabe um dia”, disse.
Paulo Henrique
Paulo
começou citando o livro do altaneirense Ricardo Vieira sobre o Projeto Arca. Na
obra, diz ele, “é esmiuçado a perseguição
política em Altaneira a um grupo de pessoas e que acaba atingindo todos aqueles
que andam contra o sistema” e faz um paralelo com a história do blog que
acaba sofrendo críticas sem fundamentação por não se deixar levar pela
polaridade instalada aqui.
Ele
enalteceu a “independência do blog por
seguir uma linha séria, sem se deixar influenciar ou se envolver na politicagem.”
O blog “aviva nós negros e indígenas”,
fez reverberar.
Lucélia Muniz
Fundadora
do portal Ubuntu Notícias (Nova Olinda), Lucélia começou relatando a máxima
“santo de casa não obra milagre” para enfatizar que sua trajetória acaba sendo
questionada e muitas pessoas perguntam porque ela não vai morar em cidade
grande. Destaca que se deve resistir e que quando se trabalha com temáticas
como a que o blog Negro Nicolau trabalha, a tendência é essa. E é ai que reside
sua importância.
Ao
parabenizar o fundador Nicolau e toda equipe pelos 10 anos de história, ela
mencionou que “sabe dos desafios de
resistir e de dá sequência ao trabalho prestado em cidade pequena”,
ponderou.
“Logo, chegar ao aniversário de 10 anos é um
ato de resistência,” finalizou.
Ana Karolyne
Karolyne
fez menção a importância do blog para uma comunicação antirracista no cariri,
tendo em vista que a forma de comunicar nessa região ainda é muito carregada de
estereótipos e violência.
“É muito significativo para mim, enquanto estudante de jornalismo, acreditar que hoje as mídias negras se mantém, mesmo diante das dificuldades, a exemplo do blog Negro Nicolau, que faz história nos dias de hoje, não deixando morrer o legado do jornal ‘O Homem de Cor”, finalizou.
Valéria Carvalho
Uma
das fundadoras do Grupo de Valorização Negra do Cariri (GRUNEC), Valéria, começou
falando sobre Karla Alves. Segunda ela, Karla foi e é muito importante, tanto
para o grupo, para sua família e para o blog, pois é uma referência no estado. “Queria muito ter dito isso com ela ainda
presente”, frisou.
Fez
menção ao papel do blog hoje e para as futuras gerações. “Daqui a alguns anos serão seus filhos, Nicolau, que estarão a frente do
blog dando continuidade a esse trabalho de uma comunicação antirracista”,
falou.
Ela
também fez um apelo. “E preciso escutar
os mais velhos. A sabedoria africana diz isso. Vida longa, blog Negro Nicolau”,
completou.
Ana Tereza
A
roda de conversa foi encerrada com Ana Tereza. Ela destacou a amizade de longa
data com Nicolau ao relatar que estudaram juntos todo o ensino médio e ver hoje
com alegria o tamanho da repercussão que o blog vem tendo e o ativismo do
Nicolau na luta dos direitos civis e humanos das populações negras.
Justificativas
Presente
no início do encontro virtual, o colunista Alexandre Lucas teve que se ausentar
em virtude de compromissos já agendados, a exemplo do “Cultura, Movimento Comunitário e Direito à Cidade”.
Quem
também participou por um tempo e teve que sair foi o Coordenador da Associação
Mensageiras da Paz (Crato). Segundo ele, o problema foi de conexão com a
internet. Kézia Adjane, Josyanne Gomes (Colunista) e Márcio Santos alegaram compromissos profissionais. Já Zuleide Queiroz (colunista) está acometida com Covid-19, a quem desejamos força para superar esse momento.
Diversas
pessoas tentaram participar da celebração dos 10 anos do blog, mas não
conseguiram. O relato foi feito por Valéria Carvalho. “Muitas pessoas aqui ficaram apreensivas por não conseguirem entrar”,
disse ela.
Em tempo
Pedimos
desculpas a todos, todas e todes que tentaram participar e não conseguiram. Foi
desatenção nossa que quando começou o encontro, desligamos o wi-fi do celular e
ficamos apenas pelo notebook.
Agradecemos aqueles e aquelas que estiveram conosco neste momento que entrará para os anais da história da mídia negra no Brasil.
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