Por
meio de denúncia e incidência da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e do
IDDH (Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos), relatorias especiais do
Alto Comissariado de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas lançam
posicionamento que denuncia os efeitos do programa “Escola Sem Partido” no Brasil
CNDE
- Em comunicado publicado hoje, 13/04, Koumbou Boly Barry, Relatora Especial
para o Direito Humano à Educação; David Kaye, Relator Especial para Promoção e
Proteção do Direito à Liberdade de Opinião e Expressão; e Ahmed Shaheed,
Relatora Especial para Liberdade de Religião e de Crença, e enviaram uma carta
questionando o Estado Brasileiro acerca dos efeitos gerados pelo programa
“Escola Sem Partido” no Brasil, especialmente no que tange os Projetos de Lei
867/2015 e 193/2016, recomendando a tomada de atitudes necessárias para
conduzir uma revisão dessas proposições, assegurando sua conformidade com a
base dos direitos humanos internacionais – o que inclui a Constituição Federal
de 1988 da República Federativa do Brasil.
O
documento traz um histórico acerca do movimento “Escola Sem Partido” desde
2004, passando pela apresentação e
tramitação dos projetos de lei, até a retirada pelo Ministério da Educação
(MEC) dos termos “orientação sexual” e “identidade de gênero” da última versão
da Base Nacional Comum Curricular (BNCC), enviada na semana passada para o
Conselho Nacional de Educação (CNE). O documento explicita também o caso do
secretário paulistano de educação Alexandre Schneider versus vereador Fernando
Holiday.
A
carta cita ainda o posicionamento contra o projeto da Comissão Internacional de
Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), após
denúncia e sustentação oral da Campanha Nacional pelo Direito à Educação. Além
disso, relatam o amplo posicionamento contrário do Ministério Público Federal
(MPF) e da Advocacia Geral da União (AGU), de especialistas, organizações
sociais, estudantes e educadores, inclusive em pesquisa de opinião realizada
pelo site do Senado Federal, que contou com a participação de mais de 390 mil
pessoas, sendo a maioria contrária ao “Escola Sem Partido”.
Os
relatores reiteraram que o Artigo 19 do Pacto Internacional sobre os Direitos
Civis e Políticos, ratificado pelo Brasil em 1992, protege a todos o direito à
opinião, sem interferências, e o direito a buscar, receber, e partilhar
informações e ideias de todos tipos, independentemente de fronteiras ou
meios. Ainda com base no Artigo 19,
explicitaram seu caráter de “necessidade” e não somente como “útil, desejável
ou razoável”, o que implica em acesso e proporcionalidade.
Diante
dos projetos de lei, o documento afirma que a “discussão sobre gênero e
diversidade sexual é fundamental para prevenir estereótipos de gênero e
atitudes homofóbicas entre estudantes” e que “por não definir o que é
doutrinação política e ideológica, (…) a proposição permite que quaisquer
práticas pedagógicas dos professores sejam consideradas como doutrinação,
tornando a escola uma extensão do ambiente doméstico antes de uma instituição
educacional que proveja novas perspectivas”. Os relatores explicitam ainda que
o projeto apresenta o risco de impedir “o desenvolvimento de um pensamento
crítico nos estudantes e a habilidade de refletir, concordar ou discordar com o
que está exposto em aulas”.
Os
relatores destacam também o parecer com conclusões do Comitê sobre os Direitos
da Criança (CRC/ONU), de 2015, que, dando luz aos artigos 2, 3, 6 e 12 da
Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil em 1990, recomendou
ao Brasil “b) decretar legislação que proíba discriminação ou incitamento de
violência com base em orientação sexual e identidade de gênero assim como
continuar o projeto “Escola Sem Homofobia”;
c) priorizar a eliminação de atitudes patriarcais e estereótipos de
gênero, inclusive por meio de programas educacionais e de sensibilização”. Esse
documento foi fruto de incidência da Campanha Nacional pelo Direito à Educação
junto aos comissionados em momentos prévios à sessão com o Brasil em outubro de
2015.
“É
uma grande conquista o posicionamento da comunidade internacional contra o
cerceamento da liberdade de expressão dos professores no Brasil, que tem
prejudicado a qualidade da educação e colocado em xeque a primazia dos Direitos
Humanos e dos princípios constitucionais. Vamos continuar nesse enfrentamento,
sem descansar”, afirmou Daniel Cara, coordenador geral da Campanha Nacional
pelo Direito à Educação.
Processo
de denúncia
As
relatorias obtiveram informações sobre o programa “Escola Sem Partido” por meio
de denúncias levadas à Genebra pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação e
pelo IDDH, na Pré-Sessão do Relatório Periódico Universal (RPU) ao Brasil, que
aconteceu nesta primeira semana de abril. Ainda, a relatora especial para o
direito à educação, Koumbou Boly Barry, esteve em evento promovido pela
Campanha Nacional pelo Direito à Educação e pela Ação Educativa no dia 04/04,
recebendo informações sobre o contexto da educação brasileira através de
movimentos e ativistas da área.
***
Após
participar de eventos públicos e debates no Brasil, a Campanha Nacional pelo
Direito à Educação foi à Genebra, em novembro de 2016, para levar denúncia aos
relatores sobre o impacto do programa “Escola Sem Partido” ao direito à
educação e ao direito à liberdade de opinião e expressão dos educadores. Em
dezembro de 2016, o coordenador geral da Campanha Nacional pelo Direito à
Educação, Daniel Cara, fez sustentação oral contra o programa “Escola Sem
Partido” perante o Estado Brasileiro no âmbito da reunião da Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos
(OEA). No dia 7 de março, Daniel Cara foi expositor em audiência pública
realizada no âmbito da Comissão Especial do Programa Escola Sem Partido na
Câmara dos Deputados. A Comissão Especial é composta, majoritariamente, por
defensores do PL.
No
processo deste mês de denúncias na Pré-Sessão do RPU da ONU, quem liderou a
incidência da sociedade civil no tema é o Instituto de Desenvolvimento dos
Direitos Humanos (IDDH) e a Campanha Nacional pelo Direito à Educação, por meio
da interlocução com diplomatas e representantes de organismos internacionais. A
Pré-Sessão é o momento específico para a sociedade civil se manifestar no
âmbito deste mecanismo da ONU para avaliação mútua entre Estados (governos
nacionais) quanto à situação de direitos humanos.
Fernanda
Lapa, coordenadora executiva do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos
(IDDH), com a colaboração da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, fizera
um discurso impactante, em uma sala cheia de diplomatas e representantes de
países de todos os continentes do mundo, veículos de imprensa e organismos
internacionais.
“Os
diplomatas ficaram tocados com as informações que apresentei em meu discurso,
listando fatos ocorridos nos últimos três anos, como a retirada da palavra
gênero dos planos municipais, estaduais e nacional de educação, além das
consequências de toda essa onda conversadora que vivemos no Brasil. Muitos
também ficaram perplexos com a existência de projetos de lei como o programa
‘Escola sem Partido’, que impacta diretamente na liberdade de expressão de
docentes e no acesso à educação de qualidade aos estudantes brasileiros. O que
eu não imaginava é que, enquanto em embarcava de Genebra para o Brasil, logo
após a atividade na ONU na última sexta-feira, comprovamos o que apresentamos,
os retrocessos seriam concretizados via anuncio do MEC de retirar as questões
de gênero e orientação sexual da Base Curricular e com o caso das escolas de
São Paulo, inspecionadas por vereadores, levando a quase demissão do secretário
municipal de educação Alexandre Schneider”, afirmou Fernanda, sobre seu
discurso.
Maria
Rehder, coordenadora de projetos da Campanha Nacional pelo Direito à Educação,
esteve na Pré-Sessão, juntamente com Fernanda, e permaneceu nos dias
subsequentes, em atividades de uma série de reuniões com diplomatas e
organismos de direitos humanos das Nações Unidas, com o objetivo de apresentar
a atualização e a gravidade dos fatos anunciados desde sexta-feira no Brasil,
acerca da última versão da Base Nacional Comum Curricular.