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bell hooks: 4 livros para conhecer o trabalho da ativista e feminista negra

 

A escritora e ativista bell hooks (Foto: Divulgação)


Na última semana o mundo perdeu uma personalidade importante no movimento feminista atual. Gloria Jean Watkins, conhecida mundialmente pelo pseudônimo bell hooks, foi uma a autora, professora, teórica feminista e artivista americana. Ela faleceu aos 69 anos no dia 15 de dezembro deste ano, em decorrência de doença renal crônica.


Ao longo de sua vida, hooks publicou mais de trinta livros e inúmeros artigos acadêmicos sobre temas como interseccionalidade de raça, capitalismo e gênero eram assuntos bastante frequentes. Seu trabalho contribuiu para o movimento feminista como conhecemos hoje e também para desmistificar a vivência da mulher negra na sociedade.

Watkins assumiu o pseudônimo bell hooks no início da carreira como autora em homenagem à avó materna, Bell Blair Hooks. Desde lá, queria que a grafia do nome fosse em letras minúsculas para que seu conteúdo fosse o ponto de atenção, e não sua personalidade. Assim, bell hooks construiu um legado que ultrapassa as barreiras da literatura e vai perdurar enquanto suas leitoras existirem.

Não conhece o trabalho de bell hooks? Confira agora 4 livros da autora!

O feminismo é para todo mundo: Políticas arrebatadoras 

Falando de política, beleza, luta de classes, direitos reprodutivos e violência, para que a sociedade seja mais justa, hooks defende que o feminismo é para todo mundo. Homens, mulheres, crianças, pessoas de todos os gêneros e de todas as idades. Disponível na Amazon por R$ 34,35.

Tudo sobre o amor: novas perspectivas

Falar de amor pode ser revolucionário. Nesta obra, bell hooks busca entender o que é o amor em todas as suas esferas e apresenta os desafios de colocá-lo na centralidade da vida, a partir de uma ótica patriarcal e racista. Encontre na Amazon por R$ 53,68.

Teoria Feminista: da Margem ao Centro

Nesta obra, hooks defende uma revolução feminista que transcenda reformas, com enfrentamento das ideologias do sexismo, do racismo e do capitalismo, entre outras. A proposta é envolver todas as esferas da sociedade e promover uma revolução feminista através de mulheres negras. Segundo a autora, só assim haverá a libertação de todx. Disponível na Amazon por R$ 37,31.

E eu não sou mulher? Mulheres Negras e Feminismo

Discutindo racismo, sexismo, intersecção entre raças e o impacto desses comportamentos na vida de mulheres negras, hooks discorre sobre a perpetuação de práticas excludentes de opressão e dominação desde a escravidão até os dias atuais. Disponível na Amazon por R$ 31,90.
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Com informações do Geledés.

‘Não importa o tempo que será necessário, faremos Palmares de novo’, diz Sueli Carneiro

 

Sueli Carneiro, 71 anos (FOTO/ Andre Seiti/Divulgação).

Apesar de não ser muito afeita a entrevistas, as palavras são a principal ferramenta de trabalho de Sueli Carneiro. Há mais de três décadas, a filósofa e ativista escreve incansavelmente e, por meio de suas palavras, contundentes como espada afiada, luta pela construção de um país antirracista, mais justo, igual e solidário. Aos 71 anos, completados em junho de 2021, ela é uma das intelectuais negras mais atuantes no país e um dos nomes que abriram os caminhos do feminismo negro brasileiro.

Da menina nascida no bairro da Lapa, zona oeste da capital paulista, à doutora em educação pela Universidade de São Paulo (USP), sua trajetória foi recentemente recontada na biografia “Continuo preta” (Ed. Companhia das Letras), escrita pela jornalista Bianca Santana, e agora é celebrada na Ocupação Sueli Carneiro, inaugurada no sábado (28), no Itaú Cultural, em São Paulo. A exposição segue em cartaz até 31 de outubro.

— A Sueli faz parte de uma geração que ajudou a construir o movimento de mulheres negras e o movimento negro como um todo. Então, contar a história dela é contar uma historia coletiva e poder celebrá-la em vida é algo muito bom — afirma Santana, que também é cocuradora da exposição.

A geração a qual a biógrafa se refere é aquela que, em 1978, fundou o Movimento Negro Unificado (MNU), visando “defender a comunidade afro-brasileira contra a secular exploração racial e humana”. Inserida neste contexto, Sueli foi uma das primeiras a argumentar que era preciso incluir no debate os recortes de gênero, raça e classe.

Em 1985, ela lançou seu primeiro livro, “Mulher negra: política governamental e a mulher”, escrito com Thereza Santos e Albertina de Oliveira Costa, seguido de “Racismo, sexismo e desigualdade no Brasil”. Mais tarde, em 1988, fundou o Instituto da Mulher Negra, o Geledés, onde passou a colocar em prática sua visão como socióloga e militante.

Com mais de 140 itens, entre fotografias, documentos, vídeos, artigos e livros, a Ocupação Sueli Carneiro celebra a construção da obra e da militância da ativista, sua ancestralidade, suas memórias pessoais, a paixão pelo futebol, a força e a simbologia de sua religiosidade e sua jornada de formuladora de debates fundamentais sobre o país.

Nesta rara entrevista, ela reflete sobre como é ver sua história contada em livro e exposição e o que mais a emociona ao olhar para trás. Sueli também fala sobre a atuação da Fundação Cultural Palmares sob o governo Bolsonaro: “Não importa o tempo que será necessário, faremos Palmares de novo”.

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Com informações do Geledés. Clique aqui e confira a íntegra da entrevista.

Na origem de um feminismo NEGRO: Dandara, mulheres e lendas do Brasil


Do Oca Tupiniquim do Outras Palavras

Guerreiras negras, líderes rebeldes em luta pela liberdade. Quantas terá havido na história do Brasil de cuja existência não tivemos notícia? Quantas não chegaram a existir porque este modo de ser não fazia parte das possibilidades de uma garota? E por que não contamos histórias de heroínas assim – das que existiram e das que poderiam ter existido – para inspirar nossos meninos e meninas?

Foto/Reprodução.
Certamente perguntas como estas participaram do processo de criação das narrativas de Lendas de Dandara, da poeta Jarid Arraes (Liro Editora Livre, Ilustrações de Aline Valek). Dandara, a companheira de Zumbi, faz parte da mitologia do quilombo de Palmares. Não há evidência histórica de que ela tenha realmente existido, e no entanto sua personagem medrou no saber popular como uma guerreira valente e hábil, capoeirista, capaz de liderar exércitos negros na invasão de engenhos para o resgate de escravos. Estamos no terreno da lenda, como a autora faz questão de delimitar no título de sua obra.

Nascida em Juazeiro do Norte, no Ceará, Jarid aprendeu com seu pai a fazer poesia de cordel. É da tradição desta arte apropriar-se da História para forjar estórias, fundidas no fogo do imaginário, com uma temporalidade multidirecional que muito pouco deve à linearidade da cronologia. De modo que há muito do Palmares histórico nas narrativas de Jarid – que juntas formam essa pequena novela, em episódios dotados de certa autonomia –, mas o seu quilombo poderia situar-se quase que em qualquer ponto na vastidão do tempo-espaço do Brasil agrário e escravocrata. Também fala algo do Brasil pós-abolição, pois hoje, mais que nunca, surgem líderes libertárias negras que poderiam ter em Dandara a sua ancestral mítica.

Por um lado, Lendas de Dandara se apropria da história e mostra a situação dos homens e mulheres escravizados no Brasil, a presença do tráfico humano atlântico, e um pouco da estrutura de funcionamento dos engenhos, com suas casas grandes e senzalas. Também a relação de conflito e negociação do quilombo de Palmares com a sociedade de seu entorno é descrita com base no que os historiadores propõem. Nem apenas uma sociedade guerreira em total isolamento e autonomia, nem apenas um agrupamento submisso à ordem vigente, Jarid soube integrar à sua descrição de Palmares essa complexidade, como por exemplo nas relações comerciais (inclusive para aquisição de armamentos) que os quilombolas estabeleciam com outras comunidades.

Se a autora reconstitui ficcionalmente fatos históricos como as investidas que os palmarenses faziam contra engenhos para romper senzalas e libertar negros, ela nos propõe sonhar com um tipo de evento menos provável: a libertação de um navio negreiro, concedendo-lhes a possibilidade de retornar ao seu continente no comando da embarcação. Também cria a cena de um senhor de engenho que, assaltado numa estrada e submetido por uma guerreira negra livre, se mostra apavorado por não poder contar, ainda que momentaneamente, com o aparato social e bélico que dá sustentação ao seu poder.

A vida em Palmares também é recriada como uma aldeia rebelde e muito bem organizada – algo provável, pela capacidade de defesa e ataque que o quilombo teve. No entanto, o idealismo libertário e o sonho de se tornar um modelo para outros quilombos por todo o território nacional são traços que visitam o terreno da lenda. Meados do século XVII ainda é cedo para uma conjuração independentista e universalista. Hoje, fala-se da possibilidade de que Palmares não poderia ter tido uma estruturação igualitária, uma vez que este não era o modelo conhecido pelos africanos em seu continente – mas o quilombo, como muitos outros Brasil adentro, era francamente multiétnico e talvez pudesse ter uma forte influência indígena em sua estruturação.

Neste cenário já transitivo entre a história e as estórias, Jarid introduz a figura fantástica de uma filha de Iansã, que vem ao mundo para lutar pela liberdade de seus irmãos, cuja vocação é a liderança e o combate. Não é apenas que ela se torna a companheira de Zumbi, sua Dandara enfrenta os limites de sua sociedade e conquista o reconhecimento de seu meritório lugar de líder. É assim que obtém a solidariedade e a admiração sincera de Zumbi. A rigor, ele não lhe concede nada, apenas lhe reconhece o que ela conquistou realizando diversos feitos de ousadia e coragem.

O cuidado com a linguagem é notável e permite uma real construção da empatia com pessoas em situação de extrema violência, como é a escravidão. Ao falar de mulheres e homens aprisionados num porão, por que seria necessário mencionar-lhes, sempre, a cor da pele? Há um grupo de agressores e um grupo de agredidos insurretos, reafirmar sua divisão pela cor da pele ou pela origem é apenas assumir o jogo do dominador. Trata-se de pessoas iguais em natureza, mas vivendo em condições extremamente desiguais. E é isso o que Jarid nos faz ler e imaginar, sem recalques nem travas.

Capoeira e mulheres líderes

Historicamente, não é possível afirmar que a capoeira fosse praticada em Palmares, ou mesmo no século XVII. Há apenas o registro de que os soldados coloniais se espantavam com a habilidade guerreira dos palmarenses, cuja reputação era a de serem muito mais difíceis de vencer do que os ocupantes holandeses – lembrando que Palmares situava-se em uma região hoje situada em Alagoas, que na época ficava na capitania de Pernambuco, portanto próximo à ocupação holandesa. Os quilombolas dominavam técnicas de luta que os tornavam quase imbatíveis, e tiveram que ser esmagados por exércitos em número e armamentos incrivelmente superiores.

As evidências da capoeira são muito mais abundantes no século XIX, como as imagens de Rugendas, notícias de jornal e os registros de polícia – a ponto de a capoeira ter sido oficialmente proibida com o advento da República, quando a escravidão estava findada e um novo aparato de controle social precisou ser montado com foco na população ex-escrava.

Mas a capoeira permanece símbolo da liberdade e da potência negra, com uma presença feminina que se impõe. Um canto muito entoado nas rodas de capoeira fala disso:

Eu conheci mestre Bimba, conheci Canjiquinha e também seu Maré
É é
Eles me disse um dia
É é
Capoeira é pra homem, menino e mulher
É é
Pra menino e mulher
É é
É pra homem e mulher
É é

A evocação dos mestres antigos para reforçar a inclusão de todos na capoeira evidencia essa abertura, mas ao mesmo tempo demonstra uma tensão: é uma característica que precisa ser afirmada e legitimada.

Mas o imaginário da capoeira também se alimentou de outras figuras femininas fortes, como a Ngola (rainha) Nzinga. Esta rainha dos povos ndongo e matamba, na região onde hoje está situada Angola (palavra derivada de seu título de liderança e nobreza), conduziu exércitos contra o invasor português e obteve impressionantes vitórias. Ficou conhecida como a Rainha Ginga, e seu nome estaria na origem da palavra mais essencial para a capoeira.

São notáveis as semelhanças da Nzinga histórica com a Dandara das lendas, e não é impossível que o imaginário popular as tenha incorporado – até porque ambas são “contemporâneas”. Nos dois lados do Atlântico, duas figuras femininas (históricas e míticas) associadas à resistência negra contra o colonizador português e a opressão aos negros. Jarid menciona também Teresa de Benguela, líder que se ganhou notoriedade por sua capacidade administrativa na condução de um quilombo no interior do Brasil.

Apenas como referência, vale mencionar que Nzinga inspira coletivos de mulheres que fazem da capoeira um campo de afirmação da visibilidade e luta das mulheres, com líderes como a Mestre Janja.

Real ou invenção?

Jarid Arraes iniciou a escrita de seu livro partindo da hipótese de que Dandara e sua história não são conhecidas por ser a personagem duplamente excluída do campo vencedor: é negra e mulher, num mundo branco e machista. A síntese do projeto do livro estaria nestas palavras da quarta capa: “Devido à escassez de dados oficiais [a respeito de Dandara], a autora sentiu a necessidade de criar narrativas que pudessem inspirar os leitores e espalhar a imagem de uma guerreira negra forte, heroica e protagonista da própria história”.

Pergunto-me se mais certo não seria exatamente o contrário. Se a personagem de Dandara não teria sido criada por uma necessidade inversa, a de suprir a lacuna de que o herói Zumbi – ele também fusão de mito e história – tivesse uma companheira tão forte e valente quanto ele, capaz de encarnar rebeldia e libertação. Em contraposição a uma mitologizante tendência da história oficial de apagar o que não interessa aos “vencedores”, não haveria uma tendência popular – igualmente mitologizante – de forjar figuras que apontem para um mundo mais completo?

A autora também diz que seu livro foca o público adulto, mas que ele pode ser lido para crianças por um “adulto responsável”, considerando que trata de temas que envolvem violência, como a escravidão e o tráfico de seres humanos. Se está certa quanto ao acompanhamento do adulto, novamente tendo a discordar dela quanto ao público preferencial do livro. Penso que é para se ler para crianças, pois contém todos os elementos para empolgar meninos e meninas e alimentar suas imaginações com referências de justiça, bravura e heroísmo que em geral não se associam a uma menina ou mulher negra.

A constatação é de que o imaginário e o real se constituem mutuamente muito mais do que uma cabeça determinista ousaria reconhecer. Somos parte disso – o que significa que, no exato instante em que deixamos de nos inventar, é porque estamos sendo inventados por alguém. Mesmo que não admitamos, o fato é que não nos é possível deixar de inventar os outros e outras e de ser por eles e elas inventados/as.

Não por outra razão, afirmar que “não sou machista e não sou racista” não me protege totalmente de ser machista e racista. Mesmo assumindo práticas cotidianas não machistas e não racistas. Pois no momento em que eu, seguro de meus princípios, relaxo, é quando abro uma fresta para que o machismo e o racismo ajam por mim. É quando tomo uma atitude ou falo algo que só me restará lamentar depois. Resta a alternativa de ser feminista e antirracista, o que significa lutar perenemente para que o mundo seja menos machista e menos racista, inclusive em minhas palavras e meus atos. É aí que me orgulho de Dandara – como um garoto que na época da guerra fria teria orgulho do Super-homem: é Dandara que dá corpo ao mundo que desejo.

Da senzala para o cartão postal: minha carne não é do seu carnaval



Atualmente um fato específico causou grande polemica no que se refere à contribuição da mídia brasileira para manutenção e reforço da erotização da mulher negra, que foi o concurso para eleição da “Globeleza”, onde se inicia a “caça as mulatas” para representar a propaganda de uma das maiores festas do país, o carnaval. 

Esta é a única vez onde a beleza da mulher negra, reduzida a região inferior traseira, ganha vez na televisão para anunciar o produto bom, bundudo e barato ofertado para o entretenimento dos foliões estrangeiros que movimentam a economia turística do país. No resto do ano, sabemos bem o espaço que a televisão brasileira nos reserva: a cozinha ou a prisão.

Nós, mulheres negras, lutamos com livros, unhas e dentes buscando escrever nossa história para além da relação sexual com seu senhor, buscando superar o titulo de “vadia” que nos tatuaram a pele e que nos apresenta como objeto legitimador da escravidão atenuada.

Convivemos cotidianamente com diversos tipos de violência associados a esta imagem mercantilizada do nosso corpo, patrocinada e propagada pela mídia brasileira. Esta violência é de ordem moral, uma vez que a nós difama e fere nossa honra e reputação; é física ao por em risco a integridade de nosso corpo, já que somos tidas como “disponíveis”; e também psicológica, por implicar diretamente na percepção que temos de nós mesmas e interferir no nosso comportamento afetivo e sexual que se ampara nessa cruel identidade hipersexualizada em que somos vistas e que muitas vezes acaba implicando no reflexo que vemos no espelho.

Tirem seus rótulos do meu corpo negro!


A análise é do Grupo de Mulheres Negras do Cariri Cearense e foi publicado originalmente no Pretas Simoa