18 de maio: crianças negras são as principais vítimas de violência sexual no Brasil

 

(FOTO/ DepositPhotos).

Em 18 de maio é celebrado o Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. Criada pela Lei 9.970/2000, a data é uma homenagem à menina Araceli Crespo. Em 1973, na mesma data, a garota de 8 anos foi raptada, drogada, estuprada, morta e carbonizada, no Espírito Santo.

A naturalização da violência sexual contra crianças e adolescentes é um desafio no enfrentamento à violação. Um dos fatores importantes a se observar é o recorte de gênero e de raça.

Dados do Disque 100 indicam que houve um aumento no número de denúncias no primeiro semestre de 2021, em relação ao primeiro semestre de 2020. Foram 5.106 violações registradas de janeiro a maio deste ano, contra 3.342 no primeiro semestre do ano passado. Do total de denúncias realizadas nos últimos meses, 83,87% foram contra meninas e 57,73% contra crianças e adolescentes negros.

Em relação à exploração sexual, de acordo com um cálculo realizado pelo Instituto Liberta, 75% das vítimas são meninas. Entre elas, 55,8% têm entre 12 e 14 anos e 13,6% têm entre 8 e 11 anos. Ainda de acordo com a organização, a maioria é negra.

“Os dados que temos já indicam a predominância da violência contra meninas negras, mas sabemos que os dados são muito inferiores à realidade, infelizmente. A pandemia aumentou o risco de violência sexual contra meninas, pois se trata de uma violência muito específica que ocorre no contexto privado, justamente porque é muito comum que os agressores sejam íntimos da família ou até mesmo membros da família. Isso denota inclusive a perversidade que envolve este tipo de crime, e a dificuldade de se identificar esses casos e também a dificuldade de denúncia, o que resulta no caráter de repetição que é apontado em relação ao fenômeno de violência sexual na infância, o equivalente a 33,8% dos casos”, explica.

A violência sexual também tem cor no caso das mulheres adultas. De acordo com o Atlas da Violência 2018, foram registrados 22.918 casos de estupro no Brasil em 2016. Do total, 34% das vítimas eram brancas e mais de 54% eram negras (pretas e pardas). O restante das vítimas se declarou indígena ou amarela.

Violência contra corpos negros

Para Giselle dos Anjos Santos, pesquisadora do CEERT, doutoranda em História Social na USP e Mestra em Estudos de Gênero pela UFBA, os corpos negros estão muito mais suscetíveis a experiências de violência. “Por isso o debate sobre racismo estrutural é tão central e importante, uma vez que nos ajuda a compreender o quanto o racismo demarca a experiência da população negra na sociedade brasileira desde o nascer ao morrer”, comenta.

“Além disso, também é central a discussão sobre interseccionalidade de gênero e raça, pois no caso das meninas e mulheres negras, o racismo estrutural é acompanhado também de uma opressão de gênero estrutural. Quando esses dois fenômenos se interseccionam, criam uma situação ainda mais complexa. Por isso não é possível falar sobre o fim da violência contra meninas e mulheres sem o enfrentamento do racismo”, completa.

Ainda de acordo com Giselle, as jovens negras de 16 a 24 anos têm três vezes mais probabilidade de serem estupradas do que as jovens brancas da mesma idade. “Quando pensamos na infância, em particular, conseguimos inferir como as meninas negras se tornam as maiores vítimas de violência sexual, justamente por conta da vulnerabilidade criada pela intersecção das opressões de gênero, classe e raça".

Diferença entre abuso e exploração sexual

No Código Penal, o abuso sexual está tipificado como estupro de vulnerável, relacionado a ato sexual ou libidinoso com adolescentes de menos de 14 anos e prevê pena de 8 a 15 anos de reclusão.

Já a exploração sexual é o que a sociedade conhece por prostituição infantil, termo considerado inadequado, pois as crianças e adolescentes estão em condição peculiar de desenvolvimento, não podendo fazer tal escolha e sendo vítimas da violência.

Assim como o abuso sexual, a exploração também é um crime e ocorre quando o menino ou a menina de 14 a 18 anos faz sexo “consentido” com qualquer troca mercantil. Muitas vezes, as meninas vítimas da exploração sexual foram abusadas mais cedo.

Feminismo negro

Ao ser questionada sobre o papel do feminismo negro frente a essa realidade, Giselle diz.

“O feminismo negro contribui no enfrentamento à exploração sexual infantil ao denunciar o papel estrutural do racismo e das opressões de gênero e classe na nossa sociedade, que possibilitam compreender por que as meninas e adolescentes negras são as mais afetadas frente a este fenômeno, devido à vulnerabilidade forjada por esta intersecção (de gênero, raça e classe)”.

 

Ainda de acordo com a pesquisadora, “ao propor a desconstrução dos estereótipos que historicamente criaram a noção de hipersexualização e disponibilidade sexual atribuída aos corpos das mulheres negras, o feminismo negro está construindo uma ruptura nos códigos subalternos que legitimam práticas de violência contra meninas e mulheres negras”.

“Além disso, eu poderia dizer que o feminismo negro contribui diretamente no enfrentamento à exploração sexual infantil a partir de um letramento da sociedade acerca da centralidade da perspectiva interseccional em qualquer discussão, especialmente nas expressões de violência,   ademais de estimular as denuncias frente aos casos de abuso e acolhimento das vítimas”, conclui.

Atuação do CEERT

Nos últimos meses, o CEERT participou de diversos debates nacionais e internacionais sobre feminismo negro. No dia 14 de março, Sara Branco, advogada do programa de Justiça Racial do CEERT, falou sobre violência política contra ativistas no âmbito do aniversário de morte de Marielle Franco, juntamente ao coletivo Defense Democracy in Brazil. “A minha fala foi sobre a perseguição histórica que a população negra sofre, desde a ditadura. O próprio encarceramento tem a ver com controle dos nossos corpos, com jovens negros sendo condenados por crimes que nunca cometeram”, diz Sara.

Em 18 de março, Sara também participou de um evento na Cúpula Global de Mulheres Negras. Em fevereiro, Cida Bento, diretora executiva do CEERT, participou de um seminário sobre equidade econômica das mulheres negras na diáspora, organizado pela ONU Mulheres, acompanhada por autoridades e empresárias de diversos países africanos. Segundo Sara, a participação do CEERT nas agendas oficiais da ONU é fundamental, pois o movimento das mulheres negras passa por um importante momento no Brasil.

“Apesar de muitas vezes estarmos invisibilizadas, discutir a discriminação sofrida por conta da raça e do gênero é essencial para que se pense em políticas públicas. O debate sobre relações raciais no Brasil é fundamental por ter a maior população negra das Américas. Vivemos um momento de opressão e retrocesso e estarmos em debates internacionais é fundamental, principalmente nas discussões sobre as metas dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU”, conclui.

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Com informações do CEERT

 

 

 

 

 


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