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Enfermeira Mônica. (FOTO/ Reprodução). |
“Fui muito criticada, recebia piadinhas, memes, me falaram que eu era cobaia. E eu aprendi que eu não sou uma cobaia e, sim, participante de pesquisa. Agora, meu nome tá aí ó, no mundo inteiro”. Mônica Calazans, de 54 anos, é o nome da primeira brasileira a receber a vacina contra a Covid-19. Um marco no controle ao avanço do vírus que mudou o modus operandi de todo o mundo. A escolha de uma mulher negra, trabalhadora da Saúde, para iniciar o processo de imunização provocou o levante de um país que tem pessoas pretas e periféricas liderando o ranking de vítimas desde o primeiro caso letal confirmado.
Embora
escolhida para protagonizar a primeira imunização do país, a enfermeira de
Itaquera é mais um exemplo da exposição a qual mulheres negras, mesmo dentro do
grupo de risco, ainda são submetidas. Mônica é obesa, hipertensa e diabética.
Em seu discurso, ela afirmou pegar ônibus e metrô diariamente para ir e voltar
do trabalho e, mesmo assim, continua atuando como plantonista do Hospital
Emílio Ribas.
Foi
em março de 2020 que o Brasil registrou a morte de uma mulher negra, uma
empregada doméstica, que contraiu coronavírus da patroa recém chegada de uma
viagem à Itália. De lá para cá, os números aumentaram, mas a cor da pele de
quem mais morre no país por covid-19 é a mesma daquela senhora de 61 anos, que
continuava trabalhando no apartamento de luxo no Leblon, mesmo com a
determinação de isolamento social. Estatísticas de estados como São Paulo não
deixam dúvidas sobre a raça de quem morre mais por Covid-19 como mostra um levantamento
do Instituto Pólis por meio do método de padronização, comum na epidemiologia.
O estudo mostrou que a taxa da população negra residente na capital paulista
foi de 172 mortes por 100 mil habitantes, enquanto a taxa de mortalidade da
população branca foi de 115 mortes a cada 100 mil.
“Em primeiro lugar, agradeço a Deus por ter a
oportunidade de ser a primeira vacinada. Tenho muito orgulho do meu trabalho
como enfermeira da UTI do Hospital Emílio Ribas (em São Paulo), que hoje está
lotada de pacientes com Covid”, fez questão de ressaltar Mônica. A
vacinação ocorreu no Hospital das Clínicas, poucos minutos depois de a Anvisa
liberar, com restrições, o uso emergencial da CoronaVac, a vacina do Instituto
Butantan, produzida com o laboratório chinês Sinovac.
Ao
sair na frente na corrida pela imunização da população, São Paulo recebeu muita
atenção da mídia nacional e internacional. Tanta visibilidade tem sido
aproveitada pelo governador do estado, João Doria (PSDB). De calça jeans e
camisa com a bandeira do Brasil estampada, ele que fez questão de estar ao lado
de Mônica no momento em que ela recebeu a dose de vacina. Logo após, fez
declarações emocionadas. Além das lágrimas, não faltaram farpas contra o
Governo Federal. A ação do governador paulista de imunizar a primeira pessoa no
Brasil tem sido lida como um ato político, que vai de encontro ao presidente
Jair Bolsonaro.
A
imagem de “eficiência” e “competência” do governador, que hoje
exalta o fato de uma mulher negra ter sido a primeira da fila da imunização, no
entanto, não pode amenizar o legado escravocrata da família Doria, que fez
fortuna com a exploração de mão-de-obra negra sem remuneração ou reparação.
Nomes como Antônio de Sá Doria, Antônio Marcelino da Costa Doria e José Ignácio
de Menezes Doria fazem parte de uma linhagem de senhores que se beneficiaram
com a exploração de corpos africanos no Brasil. É desse passado que João Doria
não pode fugir nem apagar com frases de efeito, que podem render boas
manchetes, mas não se refletem em políticas públicas que protejam as populações
mais vulneráveis como têm sido historicamente a população negra.
“Ela representa não apenas os heróis e
heroínas que atuam na linha de frente na pandemia, mas também o povo brasileiro”,
escreveu o governador numa rede social. O mesmo governo que exalta a
importância de uma mulher negra ser imunizada contra a Covid é o que banca uma
política genocida e racista que humilha, encarcera e mata milhares de negros
anualmente. A contradição pode ser explicada pela mania ‘marketeira’ de
políticos brasileiros, que exaltam seus feitos como se eles não fossem parte
dos deveres que devem pautar a atuação de qualquer gestor eleito pelo povo. Ao
mesmo tempo em que dispara ataques contra o presidente Bolsonaro, Doria deveria
exercitar a autocrítica, olhar pro seu governo e perceber como a política que
desenvolve mata gente preta não só pela Covid-19, mas pelo tiro de fuzil. Uma
política que em muito se aproxima do discurso daquele que ele tanto tenta se
distanciar.
Para
os brasileiros e brasileiros resta comemorar à vida de Mônica, que emocionou a
todo o Brasil. A enfermeira, que trabalha em dois hospitais mesmo sendo do
grupo de risco, que tem a cor da pele da maioria dos mortos por coronavírus em
São Paulo e no resto do Brasil é quem merece estampar todas as manchetes. É a
voz dela que devemos ouvir e ela diz: “Acreditem
na vacina”.
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