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(FOTO | Reginaldo Farias). |
Por Karla Alves, Colunista
Há 162 anos, em 24 de maio de 1863, nascia no povoado de Juazeiro, Maria Magdalena do Espírito Santo de Araújo, conhecida pela História como a Beata Maria de Araújo, a mulher Preta que enfrentou a inquisição da igreja após o "milagre da hóstia" ocorrido pela primeira vez em março de 1889 (quase um ano após a assinatura da Lei Áurea) quando, enquanto comungava, a hóstia em sua boca se transformou em sangue.
Dezenas
de outras vezes este milagre se repetiu no corpo da Beata (pelo menos 92 vezes
documentadas, segundo a psicóloga Maria do Carmo Pagan Forti) com a hóstia lhe
sendo oferecida por diversos padres como o Mons Monteiro e outros das comissões
que vieram averiguar o fenômeno ou que iam à Juazeiro testemunhar o caso, bem
como alguns médicos.
Ela
é, portanto, a Santa de Juazeiro protagonista deste e de outros milagres, como
as chagas semelhantes aos estigmas da Paixão de Cristo que surgiam em seu corpo
e depois de algum tempo iam desaparecendo misteriosamente, sem deixar nenhum
vestígio.
A
igreja, no entanto, adotou severas medidas para impedir a propagação da ideia
de que Deus havia escolhido o corpo de uma mulher negra e pobre do interior do
Ceará, de um povoado composto majoritariamente por negros e indígenas
(salientando que durante o período colonial a igreja católica propagava a
crença de que negros não possuíam alma), ou seja, um corpo completamente fora
dos padrões da "santidade" luso-brasileira era escolhido como
instrumento dos milagres de Deus. Algo absurdo para as autoridades eclesiásticas
embevecidas no racismo religioso institucionalizado incapaz de admitir que
aquela mulher, representante da inferioridade e da exploração por sua cor (de
acordo com o racismo vigente), pudesse ter sido eleita por Deus para comunicar
os Seus milagres na terra.
Dessa
maneira, o padre catequista do povoado em obediência à tais medidas de
invisibilidade impostas pela igreja proibiu qualquer visita à Beata e em épocas
de grandes romarias ele (o padre Cícero) PROIBIA A BEATA MARIA DE ARAÚJO DE
SAIR DE CASA ou "de deixar-se ver pelos romeiros" (sobre isso, ler
"Maria do Juazeiro", obra da psicóloga Maria do Carmo Pagan Forti,
página 90). Mas ela não sucumbiu às violências perpetradas contra ela pelas
autoridades católicas em exercício de seu projeto político de poder.
Acontece
que esta mulher afroindígena (filha de mulher indígena com homem preto)
desobedecia a cultura e às ordens institucionais estabelecidas pelos detentores
dos "bens simbólicos da salvação" subvertendo a ordem do sistema
religioso que reprimia a religiosidade "popular" no Brasil.
Maria
de Araújo afirmava, através dos milagres em seu corpo, que não necessitava do
intermédio sacerdotal para se comunicar com Deus pois, com Ele, sua comunicação
era direta e o seu próprio corpo era prova viva disso, tornando a comunicação
com o Divino acessível para qualquer uma de nós. Assim, ela instaurou um novo
código social, redesenhando a geografia, a economia e redefinindo o curso da
história de Juazeiro.
Isso
sim é poder.
Uma
ideologia que vem da raiz, manifestada na alma e no corpo que transborda além
de qualquer tentativa de apagamento e aniquilação, potencializando um novo
caminho aberto dentro da realidade na qual vive.
Como
disse o pensador africano Patrice Lumumba, "nós temos a nossa própria ideologia,
uma ideologia forte e nobre, que é a afirmação da personalidade africana".
Salve
a Beata Maria de Araújo, seu corpo, sua memória, sua história e sua voz.
Axé.
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