A antropóloga altaneirense Josyanne Gomes é colunista do Blog Negro Nicolau. (FOTO/Arquivo de Josy). |
O ano está chegando ao fim ou, somos nós quem
estamos chegando ao final dele? Eu nunca sei ao certo a forma adequada de se
iniciar um texto e nem sei também se existe essa tal forma, mas lembro que
algum dia uma professora que tive me falou que a introdução de um texto é
sempre algo que se escreve depois do trabalho acabado. Devo confessar que
concordo com ela, embora nem sempre eu siga essa orientação.
De todo modo, não é sobre escrita que eu
desejo falar aqui e agora, mas do tempo: se é que ele existe. O modo como
concebemos o tempo não é universal, e isto equivale a dizer que nem todas as
culturas medem ou contam o tempo em 24 horas. Em outro momento, numa publicação
passada onde falei sobre Capitalismo e modos de Produção citei o processo
histórico da revolução Industrial onde o período de trabalho excedia às oito
horas diárias. Determinado tempo que estamos acostumados/as a trabalhar, por
exemplo, então vemos aí o que podemos chamar de construção social em relação a
(re) produção daquilo que chamamos de tempo.
Podemos pensar também, que assim como as
horas de uma jornada de trabalho são instituídas conforme o período histórico,
cultura e espaço – o Relógio – algo tão comum para nós nos dias de hoje e
amplamente usado para medir ou calcular o tempo, não passa de invenção. Nem
sempre o tempo foi medido, a expressão em inglês, Time is Money, literalmente: Tempo é Dinheiro, não passa de uma
produção Ocidental Moderna e Capitalista, que parece nos dizer que não podemos
parar ou pior – que não podemos perder tempo. Afinal, tempo perdido é dinheiro
jogado fora, entre tantos outros clichês que espalhamos por aí.
Está se sentindo perdido ou perdida no tempo
ou no título? Keep Calm e vamos à
contextualização para entendermos melhor o que o final do ano e o começo de
outro tem a ver com a invenção do relógio. E é muito importante que se diga
desde já, que este não é um texto acadêmico, portanto, as citações que serão
lidas fluem como numa conversa e não serão escritas de acordo com normas da
ABNT. Ademais, todas as informações aqui contidas são de total compromisso e
responsabilidade, tanto com uma reflexão crítica posicionada e pautada na
seriedade da comunicação de qualidade, como fazendo jus ao trabalho do blog na
íntegra.
Sem mais delongas, let’s go!
A História enquanto disciplina é datada, mas
é possível pensarmos a história como memória.
E a memória nem sempre é diacrônica, às vezes a memória é anacrônica. Ou
seja, a memória dar vários passos, vai e volta e por vezes ativa o modo de
seriação, assumindo uma ideia progressiva da história. A história também pode
ser temporalidade. Ou seja, como é que nós lidamos com a sensação do tempo? Onde
acaba um ano e inicia outro? Por que dividimos os ciclos da vida em dias, meses
e anos?
Por outro lado, a história pode ser uma
categoria universal (uma categoria fundamental do conhecimento como diz o Sociólogo
Francês Émile Durkheim). Isso equivale a dizer que não há nenhuma sociedade que
não tenha história ou histórias (no plural). A nossa história (ocidental) é uma
história progressiva, uma história evolutiva, uma história de causa e efeito. É
importante que se diga que outros povos contam outras histórias, não
necessariamente seguindo essa ideia de evolução, tal qual a fazemos.
Desse modo, as Histórias de povos não
ocidentais podem ser contadas de formas circulares, histórias que são histórias
de geração e que se voltam ciclicamente, realizando um movimento dialético. Segundo
a Historiadora e Antropóloga Lilia
Katri Moritz Schwarcz, estamos acostumados com o modelo de história onde
depois de um século vem outro século, por exemplo, me dá uma causa que eu te
dou um efeito, ou me dá uma causa que eu te dou uma consequência.
Comparado com outras culturas podemos relativizar
nossa própria história Ocidental, e ver que existem muitas outras
histórias. Nem sempre somos
progressivos, nem sempre somos seriados, por exemplo, nós temos várias
histórias que se repetem. Nós pensamos
que as semanas se repetem, segunda feira é sempre segunda feira, aquele momento
de retornar ao trabalho, aspecto que algumas pessoas consideram uma coisa chata
ou cansativa. Ou que sexta feira é sempre final de semana, que para algumas
pessoas é tempo de descansar e para outras é dia de tomar aquela cerveja com os
amigos, o famoso Happy Hour depois de
uma semana na labuta. As estações se repetem, as noites, os dias, ou seja, nós
também temos rituais que se repetem, e de algum modo ou de outro, contamos de
forma circular também nosso tempo. Então mesmo a nossa história Ocidental que é
tida como progressiva no sentido linear, basta pararmos um pouco para ver que
estamos andando em círculos.
Como diz o Antropólogo Lévi Strauss há muito
mais passado no presente do que a gente possa imaginar. E também há muito
presente no passado. Você aí, meu caro leitor e minha cara leitora devem estar
se perguntando, mas como assim? Basta entendermos que quando nos fazemos uma
pergunta sobre algo que já vivemos ou sobre algum fato histórico que já passou,
é com perguntas do presente que visitamos o passado. Então essa divisão do
passado e presente é na verdade, o que poderíamos chamar de retórica.
De acordo com outro pensador da Antropologia,
Marshall Sahlins o que existe é Fato e Evento e a diferença entre eles é: Fato
nós somos inundados por ele cotidianamente, por exemplo, acordei hoje pela
manhã, vi as notícias na internet, vi que aconteceu isso aqui, ou acolá e
acredito no que leio e vejo. Okay,
tudo bem, mas qual a diferença entre a avalanche de fatos que nos rondam e os
eventos?
O evento é um fato Culturalmente significado
e são esses que ficam e marcam as narrativas e atravessam histórias de vida. O
curioso dos eventos é que eles não precisam de uma data exata, ou bula, e eles
podem driblar nossa imaginação. Um evento Culturalmente significado no nosso
país é a questão do mensalão na política, que não lembra? É válido ressaltar
que aqui, especificamente nessa colocação não importa quem é contra ou a favor.
O ponto da questão é que essa ideia impactou
nosso imaginário brasileiro sobre a conjuntura política nacional. Porque afetou
nosso imaginário cidadão e republicano de se pensar uma identidade a partir de
algo tão forte que é a política para nós, não a toa existem partidos aos
montes. A questão do impeachment é outro exemplo bom para se pensar evento no
nosso contexto nacional, pois foi algo que marcou a história da política atual.
Já no futebol – outro símbolo nacional, podemos citar o 7x1 do jogo do Brasil com
a Alemanha. Isso mais do que um fato é um evento, porque é algo que impacta e
tensiona o imaginário de uma nação.
Pensando ainda sobre eventos ou simplesmente
fatos, uma das maneiras de contarmos o tempo é através dos anos, e é
interessante como nossa memória separa em pouquíssimo tempo um ano velho de um ano
novo. Parece mesmo que acreditamos que alguma coisa vai mudar e que o que
passou – passou, agora é bola pra frente e feliz ano novo. Mas não é tão
simples assim, na tentativa de organizarmos o tempo elaboramos o que
convencionamos chamar de Retrospectiva, talvez seja esta uma maneira de dar
sequência ao tempo na pretensão de uma linearidade.
Afinal, é evolução que buscamos não é mesmo? De
todo modo, regulem seus relógios, e se preparem para a escrita de novas
histórias, já que lugar de passado é na memória. Até breve e que possamos
dialogar mais vezes em 2020!
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Josyanne Gomes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade Regional do Cariri (URCA), mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), professora e colunista do Blog Negro Nicolau.
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