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(FOTO/ Divulgação). |
“Gatilho”
é a palavra usada para definir algo que vai te fazer lembrar de uma situação já
vivida. Não por acaso, era o termo mencionado por internautas ao explicar por
que não divulgavam em seus postos vídeos de agressão de Iverson de Souza
Araújo, o DJ Ivis, contra sua mulher Pamella Gomes de Holanda, E não foram
poucas as “oportunidades”. Em 2020,
segundo levantamento do instituto Ipec – Inteligência e Pesquisa em Consultoria
–, 15% das brasileiras com 16 anos ou mais relataram ter experimentado algum
tipo de violência psicológica, física ou sexual cometida por parentes,
companheiros ou ex-companheiros íntimos durante a pandemia. Isso equivaleria a
13,4 milhões de brasileiras. Ou seja, a cada minuto do último ano, 25 mulheres
foram ofendidas, agredidas física e/ou sexualmente ou ameaçadas no Brasil.
Assim,
isso explica em parte por que as cenas aterrorizantes e grotescas da agressão
de Ivis contra Pamella podem provocar o tal “gatilho” em tantas mulheres. Pamella divulgou os vídeos em suas
redes sociais na tarde de ontem (11). A notícia viralizou e ela recebeu apoio
de milhares de pessoas. Entre elas, celebridades do mundo artístico e jurídico,
parlamentares, integrantes do movimento de defesa das mulheres.
Choca mas não surpreende
Por
outro lado, o DJ também ganhou seguidores. Uma situação que não surpreende a
advogada Vivi Mendes. “É um retrato
vergonhoso de como nossa sociedade ainda trata a violência contra a mulher.
Esse tipo de apoio, que se expressa de diversas formas quando casos assim são
revelados, ajuda a fortalecer o sentimento de impunidade. E desse modo
contribui para que diversos homens continuem cometendo esses tipos de crime. A
banalização e a normalização da violência contra a mulher também é responsável
pela sua recorrência”, avalia a advogada, integrante do Conselho Nacional
de Direitos Humanos.
“São reações que ainda chocam, mas não
surpreendem. No país em que até pouco tempo atrás ‘não meter a colher’ era a
forma mais comum de lidar com esse tipo de caso, é comum ainda que se tente
justificar a gravidade do caso ou responsabilizar as mulheres pelas violências
sofridas.”
O
Brasil, lembra Vivi, é o quinto país em taxas de feminicídio do mundo. “Enquanto acompanhamos um aumento cada vez
maior dos casos de violência, também assistimos a uma desestruturação das
políticas públicas no enfrentamento à violência de gênero. Essas duas coisas
não estão desassociadas. Milhares de mulheres sofrem diariamente em suas casas,
sozinhas. Precisamos que o enfrentamento à violência contra as mulheres seja
uma política de Estado. Não adianta nos chocarmos hoje e deixar esse caso cair
em esquecimento. Pamella e todas as mulheres brasileiras vítimas de violência
merecem justiça e uma vida livre de violência.”
Entre ela e a bebê
A
antropóloga Debora Diniz lembrou, em uma postagem no Instagram, que Pamella tem
27 anos e está no puerpério. A maior parte das agressões foi, inclusive,
cometida ao lado da bebê Mel. “Uma fase
muita dura para as mulheres. Ela, vivendo um turbilhão de mudanças na vida e no
corpo, e um bebê miudinho para cuidar. Entre ela e o bebezinho é que o bruto se
lançou. As imagens são de horror”, avisa. “Eu imagino a angústia. O corpo doído do parto, o bebezinho ali ao lado
tão frágil.”
Debora,
que é professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília
(UnB), relata que Pamella foi à delegacia, fez queixa e tentou retirar a
queixa. “Temia o que muitas outras temem:
ficar desprotegida e o agressor voltar com ainda mais fúria.” Debora Diniz
reforça. “As cenas são de perder o sono. Você não precisa vê-las. Não
precisamos ver para crer que a violência contra as mulheres é uma realidade
brutal. Precisamos agir: precisamos de
um Estado que proteja as mulheres. Precisamos de um Ministério das Mulheres que
pare de perseguir mulheres e olhe para as mulheres concretas como Pamela, e
cuide delas.”
A
professa critica, ainda, o Instagram, que “derruba
vídeos por moralismo puritano e permite que agressores de mulheres mantenham
contas com selo certificado”. Após a divulgação da agressão à mulher, o DJ
Ivis chegou a quase 1 milhão de seguidores. “Não me interessa quem são essas pessoas: se machos como ele ou se
abutres da tragédia alheia. Até que a conta do agressor de Pamella seja
cancelada, todos os dias iniciarei minhas publicações com esta frase: Instagram
dá palco a agressores de mulheres.”
A imagem está sendo replicada em milhares de contas na rede social.
Atendimento especializado
A
advogada Vivi Mendes atua na defesa de mulheres que sofrem violência e
considera “revoltantes e dolorosas”
as imagens da agressão do DJ Ivis à mulher Pamella. “Todo novo caso, todo relato de agressão nos atinge. Isso porque nós
sabemos exatamente como a violência doméstica ocorre, como ela precisa ser
enfrentada, quais as políticas públicas necessárias para acolher e apoiar as
vítimas”, afirma. Mas, ela lamenta, o Brasil ainda está muito distante do
mínimo necessário para que as mulheres possam se sentir seguras para combater
essa violência que acontece dentro de suas casas, com pessoas de sua confiança
e com as quais se relacionam afetivamente.
“Como pudemos acompanhar pelas entrevistas, Pamella tinha muito medo da reação do DJ Ivis. Quando uma mulher chega a uma delegacia para fazer a denúncia, normalmente ela ainda está muito fragilizada. Por isso, é importante que o atendimento seja especializado e colabore para que a mulher possa entender os caminhos que uma investigação e um processo como esse irão seguir e quais elementos de prova que ela pode apresentar para ajudar em seu caso. Nenhuma mulher é obrigada a saber exatamente como prosseguir. O atendimento feito deve ajudá-la e orientá-la.”
Vivi
Mendes destaca ainda a necessidade de que a situação tenha um desfecho firme
tanto no âmbito judicial, quanto no extrajudicial. “As mulheres precisam saber que a denúncia não será em vão. É preciso
dar o recado que não existe nenhum tipo de justificativa para a violência
doméstica e que os homens que a cometerem serão julgados e condenados. As
mulheres precisam saber que ao não se calarem terão todo o apoio, e não serão
revitimizadas. Precisam saber que sua voz tem força para interromper o ciclo de
violências e que, ao denunciarem, poderão iniciar um novo capítulo em suas
vidas.”
Fora do ar
Conhecido
como “rei da pisadinha”, DJ Ivis foi
demitido da produtora Vybbe, de Xand Avião. O líder da banda Aviões do Forró
disse que não compactua com nenhum tipo de violência, ainda mais contra uma
mulher. “Nada explica, não tem explicação”,
disse, ao afirmar que não teria como continuar com o DJ na empresa. Vivi Mendes
classifica esse tipo de reação como fundamental.
Além
disso, os clipes do DJ também foram retirados da grade de atrações do canal
Multishow após as denúncias de agressão à mulher. Assim, a emissora resolveu
suspender todo vídeo que tenha a presença do artista. “O Multishow repudia toda e qualquer forma de violência. Todos os clipes
com participação do DJ Ivis foram suspensos da programação do canal”, disse
a emissora à coluna de Leandro Carneiro, do UOL.
O DJ
compartilhou no Instagram um boletim de ocorrência e vídeos de Pamella tentando
agredi-lo. E ainda afirmou à polícia que estaria “constrangido” e “com medo do
comportamento desequilibrado” da mulher.
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Por Cláudia Motta, publicado originalmente na RBA.
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