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Garantia de avanços na luta contra a violência, Lei Maria da Penha faz 16 anos

 

Desde a sanção da lei, diversas mudanças foram feitas, tanto em seu próprio texto, quanto na criação de novas normas. - (crédito: Maurenilson Freire).

Em 2021, em média, uma mulher foi morta a cada sete horas no Brasil apenas por sua condição de ser mulher. Foram 1.319 vítimas de feminicídio no último ano, segundo o levantamento "Violência contra mulheres em 2021", compilado pelo Fórum de Segurança Pública. O número é registrado em um país que possui uma legislação referenciada mundialmente pela Organização das Nações Unidas (ONU) no âmbito da proteção das mulheres: a Lei Maria da Penha.

Sancionada em 2006, a Lei Maria da Penha completa hoje 16 anos. A norma foi uma virada de chave para tornar mais rigorosas as penas contra crimes de violência doméstica, e é considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (Unifem) uma das três leis mais avançadas do mundo, entre 90 países que têm legislação sobre o tema.

A coordenadora de pesquisa e impacto do Instituto Avon, Beatriz Accioly, atua há mais de uma década na área de proteção à mulher, e acompanhou, ao longo dos anos, o impacto positivo da legislação na vida das vítimas. "É um texto de muita qualidade, é uma lei integrada, não é só uma lei penal. Além de punir agressores e responsáveis pelas violências de uma maneira exemplar, diferente do que acontecia antes, quando esses casos iam para a justiça restaurativa e acabavam virando penas de cesta básica ou de serviço comunitário. Eram tratados pelos dispositivos legais como algo de menor potencial ofensivo", comparou.

Beatriz explicou que a norma traz, em seu cerne, a seriedade e gravidade com a qual um crime contra a mulher deveria ser tratado. Além disso, confere às mulheres mais autonomia. "A lei também traz no seu corpo a ideia de fortalecer a autonomia das mulheres, de educar a sociedade, criar mecanismos e meios de assistência e atendimento multidisciplinar e humanizado às vítimas. Ela inclui valores de direitos humanos nas políticas públicas e traz essas questões do papel da sociedade civil", destacou. Beatriz enfatizou ainda que é papel de todos — tanto do Estado quanto da sociedade e de organizações privadas, como o Instituto Avon — atuar juntos para garantir o acolhimento às vítimas.

Apesar de ser uma lei completa e objetiva, há diversas lacunas e desafios nos quais profissionais da área jurídica esbarram quando trabalham na proteção dessas mulheres. "O que nós vemos hoje é que ainda falta acompanhamento jurídico adequado por nós, advogados, e, nisso, sabemos que as instituições fazem o máximo que elas podem. O fato é que a demanda tem aumentado gradativamente. Falta implementarmos as políticas públicas de forma correta e coerente, e respeitando todas as mulheres que são vítimas da violência doméstica e familiar", explicou a advogada e presidente da Comissão de Combate à Violência Doméstica e Familiar e Relações Íntimas de Afeto da Subseção de Sobradinho da OAB-DF, Gláucia de Oliveira Barbosa Souto.

Olhar para o futuro

Desde a sanção da lei, diversas mudanças foram feitas, tanto em seu próprio texto, quanto na criação de novas normas em decorrência de desdobramentos da Lei Maria da Penha. Um exemplo recente é a inclusão da população LGBTQIA no âmbito da proteção garantida pela lei.

"O Superior Tribunal de Justiça (STJ) recentemente fez interpretação extensiva ao grupo LGBTQIA , tornando a lei aplicável em situações de violência doméstica que envolvam também mulheres trans. Afinal, o objeto da lei é a proteção à mulher. Então, não importa se é uma mulher cis, se é uma mulher trans, se é uma mulher lésbica. As viradas de chave vão acontecendo praticamente todos os anos nos tribunais, com um olhar mais atento e acolhedor com relação aos direitos", explicou Matheus Oliveira Portela, advogado da Associação das Mulheres de Sobradinho II.

Órfãos do feminicídio

Outra lacuna da norma que é frequentemente discutida é a questão dos órfãos do feminicídio. Em 2021, estima-se que pelo menos 2,3 mil crianças e adolescentes se tornaram órfãs em decorrência de feminicídios no Brasil. O dado do Fórum de Segurança Pública é calculado a partir dos índices de violência brasileiros e das taxas de fecundidade. Inúmeras formas de amparo são debatidas para acolher os órfãos: recentemente, a deputada Maria do Rosário (PT-RS) protocolou um projeto de lei que sugere a criação de uma pensão especial para esses casos. A proposta ainda não foi analisada.

"Eles não ficam órfãos apenas da genitora. O genitor ou se suicidou ou foi assassinado ou está preso. Quem cuida dessa criança ou adolescente? Os avós, geralmente maternos, não tendo, os avós paternos, dependendo do contexto, e os outros parentes. Nós não temos hoje nenhuma legislação que garanta o direito deles como órfãos, pois ficam à mercê dos cuidados de outras pessoas", alertou Gláucia. "Tão importante quanto proteger as mulheres, é proteger as crianças que ali se encontram e que tenham presenciado essas agressões."

Histórico

A Lei Maria da Penha é vista como uma conquista de toda a sociedade. Desde os anos 1970, grupos e organizações que lutam pela garantia de direitos das mulheres se engajavam para a criação de uma norma que visasse a proteção das vítimas da violência. A lei leva o nome de Maria da Penha Maia Fernandes, uma farmacêutica nascida em Fortaleza, no Ceará.

Maria da Penha teve sua história de vida completamente afetada pela violência doméstica que sofreu por parte do marido, o economista Marco Antônio Heredia Viveros. As agressões começaram a acontecer quando Viveros conseguiu a cidadania brasileira e se estabilizou profissional e economicamente. Agia sempre com intolerância, exaltava-se com facilidade e tinha comportamentos explosivos não só com a esposa, mas também com as próprias filhas.

Em 1983, seu então marido realizou uma tentativa de forjar um assalto para tentar matá-la pela primeira vez com o uso de uma espingarda. O tiro nas costas a deixou paraplégica. Após meses de tratamento e diversas cirurgias, Maria da Penha voltou para casa e foi reclusa em sua própria casa pelo marido. Passados 15 dias de cárcere privado, Marco Antônio fez nova tentativa de assassinato ao tentar eletrocutá-la durante o banho.

Com medo de perder a guarda das filhas pela possível alegação de abandono de lar, Maria da Penha ingressou na justiça para se afastar, com amparo da lei, da casa em que morava. No entanto, sua luta durou 19 anos e seis meses. O caso chamou atenção internacionalmente e, com pressão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), foi exigido que o Brasil tivesse resposta legal para casos como o de Maria da Penha.

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Por Taísa Medeiros, originalmente no Correio Braziliense.

Meter a colher é salvar a mulher da agressão

 

(FOTO/ Divulgação).

Gatilho” é a palavra usada para definir algo que vai te fazer lembrar de uma situação já vivida. Não por acaso, era o termo mencionado por internautas ao explicar por que não divulgavam em seus postos vídeos de agressão de Iverson de Souza Araújo, o DJ Ivis, contra sua mulher Pamella Gomes de Holanda, E não foram poucas as “oportunidades”. Em 2020, segundo levantamento do instituto Ipec – Inteligência e Pesquisa em Consultoria –, 15% das brasileiras com 16 anos ou mais relataram ter experimentado algum tipo de violência psicológica, física ou sexual cometida por parentes, companheiros ou ex-companheiros íntimos durante a pandemia. Isso equivaleria a 13,4 milhões de brasileiras. Ou seja, a cada minuto do último ano, 25 mulheres foram ofendidas, agredidas física e/ou sexualmente ou ameaçadas no Brasil.

Assim, isso explica em parte por que as cenas aterrorizantes e grotescas da agressão de Ivis contra Pamella podem provocar o tal “gatilho” em tantas mulheres. Pamella divulgou os vídeos em suas redes sociais na tarde de ontem (11). A notícia viralizou e ela recebeu apoio de milhares de pessoas. Entre elas, celebridades do mundo artístico e jurídico, parlamentares, integrantes do movimento de defesa das mulheres.

Choca mas não surpreende

Por outro lado, o DJ também ganhou seguidores. Uma situação que não surpreende a advogada Vivi Mendes. “É um retrato vergonhoso de como nossa sociedade ainda trata a violência contra a mulher. Esse tipo de apoio, que se expressa de diversas formas quando casos assim são revelados, ajuda a fortalecer o sentimento de impunidade. E desse modo contribui para que diversos homens continuem cometendo esses tipos de crime. A banalização e a normalização da violência contra a mulher também é responsável pela sua recorrência”, avalia a advogada, integrante do Conselho Nacional de Direitos Humanos.

São reações que ainda chocam, mas não surpreendem. No país em que até pouco tempo atrás ‘não meter a colher’ era a forma mais comum de lidar com esse tipo de caso, é comum ainda que se tente justificar a gravidade do caso ou responsabilizar as mulheres pelas violências sofridas.”

O Brasil, lembra Vivi, é o quinto país em taxas de feminicídio do mundo. “Enquanto acompanhamos um aumento cada vez maior dos casos de violência, também assistimos a uma desestruturação das políticas públicas no enfrentamento à violência de gênero. Essas duas coisas não estão desassociadas. Milhares de mulheres sofrem diariamente em suas casas, sozinhas. Precisamos que o enfrentamento à violência contra as mulheres seja uma política de Estado. Não adianta nos chocarmos hoje e deixar esse caso cair em esquecimento. Pamella e todas as mulheres brasileiras vítimas de violência merecem justiça e uma vida livre de violência.”

Entre ela e a bebê

A antropóloga Debora Diniz lembrou, em uma postagem no Instagram, que Pamella tem 27 anos e está no puerpério. A maior parte das agressões foi, inclusive, cometida ao lado da bebê Mel. “Uma fase muita dura para as mulheres. Ela, vivendo um turbilhão de mudanças na vida e no corpo, e um bebê miudinho para cuidar. Entre ela e o bebezinho é que o bruto se lançou. As imagens são de horror”, avisa. “Eu imagino a angústia. O corpo doído do parto, o bebezinho ali ao lado tão frágil.”

Debora, que é professora licenciada da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília (UnB), relata que Pamella foi à delegacia, fez queixa e tentou retirar a queixa. “Temia o que muitas outras temem: ficar desprotegida e o agressor voltar com ainda mais fúria.” Debora Diniz reforça. “As cenas são de perder o sono. Você não precisa vê-las. Não precisamos ver para crer que a violência contra as mulheres é uma realidade brutal. Precisamos agir:  precisamos de um Estado que proteja as mulheres. Precisamos de um Ministério das Mulheres que pare de perseguir mulheres e olhe para as mulheres concretas como Pamela, e cuide delas.”

A professa critica, ainda, o Instagram, que “derruba vídeos por moralismo puritano e permite que agressores de mulheres mantenham contas com selo certificado”. Após a divulgação da agressão à mulher, o DJ Ivis chegou a quase 1 milhão de seguidores. “Não me interessa quem são essas pessoas: se machos como ele ou se abutres da tragédia alheia. Até que a conta do agressor de Pamella seja cancelada, todos os dias iniciarei minhas publicações com esta frase: Instagram dá palco a agressores de mulheres.”  A imagem está sendo replicada em milhares de contas na rede social.

Atendimento especializado

A advogada Vivi Mendes atua na defesa de mulheres que sofrem violência e considera “revoltantes e dolorosas” as imagens da agressão do DJ Ivis à mulher Pamella. “Todo novo caso, todo relato de agressão nos atinge. Isso porque nós sabemos exatamente como a violência doméstica ocorre, como ela precisa ser enfrentada, quais as políticas públicas necessárias para acolher e apoiar as vítimas”, afirma. Mas, ela lamenta, o Brasil ainda está muito distante do mínimo necessário para que as mulheres possam se sentir seguras para combater essa violência que acontece dentro de suas casas, com pessoas de sua confiança e com as quais se relacionam afetivamente.

Como pudemos acompanhar pelas entrevistas, Pamella tinha muito medo da reação do DJ Ivis. Quando uma mulher chega a uma delegacia para fazer a denúncia, normalmente ela ainda está muito fragilizada. Por isso, é importante que o atendimento seja especializado e colabore para que a mulher possa entender os caminhos que uma investigação e um processo como esse irão seguir e quais elementos de prova que ela pode apresentar para ajudar em seu caso. Nenhuma mulher é obrigada a saber exatamente como prosseguir. O atendimento feito deve ajudá-la e orientá-la.”

Vivi Mendes destaca ainda a necessidade de que a situação tenha um desfecho firme tanto no âmbito judicial, quanto no extrajudicial. “As mulheres precisam saber que a denúncia não será em vão. É preciso dar o recado que não existe nenhum tipo de justificativa para a violência doméstica e que os homens que a cometerem serão julgados e condenados. As mulheres precisam saber que ao não se calarem terão todo o apoio, e não serão revitimizadas. Precisam saber que sua voz tem força para interromper o ciclo de violências e que, ao denunciarem, poderão iniciar um novo capítulo em suas vidas.”

Fora do ar

Conhecido como “rei da pisadinha”, DJ Ivis foi demitido da produtora Vybbe, de Xand Avião. O líder da banda Aviões do Forró disse que não compactua com nenhum tipo de violência, ainda mais contra uma mulher. “Nada explica, não tem explicação”, disse, ao afirmar que não teria como continuar com o DJ na empresa. Vivi Mendes classifica esse tipo de reação como fundamental.

Além disso, os clipes do DJ também foram retirados da grade de atrações do canal Multishow após as denúncias de agressão à mulher. Assim, a emissora resolveu suspender todo vídeo que tenha a presença do artista. “O Multishow repudia toda e qualquer forma de violência. Todos os clipes com participação do DJ Ivis foram suspensos da programação do canal”, disse a emissora à coluna de Leandro Carneiro, do UOL.

O DJ compartilhou no Instagram um boletim de ocorrência e vídeos de Pamella tentando agredi-lo. E ainda afirmou à polícia que estaria “constrangido” e “com medo do comportamento desequilibrado” da mulher.

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Por Cláudia Motta, publicado originalmente na RBA.