70 anos da primeira lei de combate ao racismo

(FOTO/ Reprodução/ Fundação Cultural Palmares).

Em 3 de julho de 1951, o Congresso brasileiro aprovou a Lei 1.390, conhecida como Lei Afonso Arinos. A legislação é a primeira de combate ao racismo no Brasil, e torna o crime imprescritível e inafiançável. O autor, então deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco (UDN), de acordo com informações da Fundação Cultural Palmares, foi motivado por um caso de racismo contra uma bailarina negra. Katherine Dunham, afro-americana, foi impedida de se hospedar em um hotel em São Paulo devido à sua cor de pele.

Atualmente, a Lei Afonso Arinos contribui com a luta antirracista, de acordo com a advogada Beatriz Mascarenhas. A jurista explica que norma, apesar de possuir algumas controvérsias quanto à motivação por trás de sua criação, não deixa de ser um marco histórico de extrema relevância para o movimento negro e para a discussão racial no Brasil.

Com a abolição da escravatura em 1888, sem a criação de políticas de inserção e acolhimento da população negra e periférica no contexto social brasileiro, o que se viu foi a permanência de atitudes discriminatórias e de segregação racial”, contextualiza a advogada.

O movimento negro, de acordo com Mascarenhas, insurgia contra essa falta de políticas e contra a discriminação existente, porém, de maneira silenciada. A jurista destaca que, portanto, em 1951, a legislação pautava pela primeira vez no Congresso brasileiro a impossibilidade de que fosse mantida impune qualquer conduta de segregação ou discriminação. “No entanto, foi só com sua evolução ao longo dos anos que vimos maior aplicabilidade”, ressalta.

Por que é difícil aplicar a Lei Afonso Arinos?

Após 70 anos de sua criação, a Lei Afonso Arinos é, por vezes, substituída por outras normas mais recentes e abrangentes. Os registros de injúria racial no país apresentaram aumento de 23,4% no ano passado, de acordo com o Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2020.

A advogada explica que a caracterização do crime de racismo, na qual se enquadra a Lei Afonso Arinos, se dá por um ato coletivo de propagação ou pregação da superioridade de determinados grupos étnicos em face de outros, o que torna o crime imprescritível e sem aplicação de fiança, com previsão de penas mais duras.

Já a injúria racial possui a previsão de pagamento de fiança e tem o prazo para denúncia de seis meses a partir do ato, sendo as penas mais brandas. A caracterização da injúria se dá pela ofensa à honra de um indivíduo específico em razão de elementos ligados à sua cor, raça, etnia, religião ou origem”, explica.

A maior dificuldade para enquadramento de condutas discriminatórias como crimes de racismo, de acordo com a jurista, é a resistência que se tem no país para enxergar a questão racial de forma coletiva.

Quando um corpo negro é alvejado, seja por bala, seja por algum tipo de ato discriminatório, sabemos os efeitos que isso gera na saúde mental – e até mesmo física – de todos os negros e negras daquela sociedade”, pondera.

Na avaliação de Mascarenhas, é comum que toda e qualquer discriminação seja tratada de forma muito individualizada e específica, impedindo a identificação e revolta coletiva. Além disso, por ter penas mais brandas e a possibilidade de fiança, a jurista acredita ser mais cômodo às autoridades policiais o enquadramento dos investigados em injúria racial.

Costumeiramente as autoridades compõem a raça/etnia predominantemente nos centros de poder e nas elites. No crime de injúria racial, resume-se o ato sofrido pelo indivíduo negro como mera ofensa à honra, quando, na verdade, sabemos os efeitos mais graves que situações de tensão racial representam”, ressalta.

Alterações na Lei e acréscimos

A Lei Afonso Arinos sofreu diversas alterações ao longo da história. Em 20 de dezembro de 1985, por exemplo, foi modificada por pela proposta do deputado Carlos Alberto Caó de Oliveira, que incluiu entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça, cor, sexo ou estado civil. Já em 5 de janeiro de 1989 foi estabelecida a pena de reclusão para quem tenha cometido atos de discriminação ou preconceito de raça cor, etnia, religião ou procedência nacional.

Para eliminar qualquer possibilidade de brecha, desde 2020 o senador Paulo Paim (PT) tenta a aprovação do Projeto de Lei (PL) n° 4373, que prevê a inclusão do crime de injúria racial na Lei nº 7.716, de 1989, equiparando-o ao crime de racismo. A proposta é aumentar também a pena para a injúria racial, que passaria a ser de dois a cinco anos de reclusão, com multa. Pelo texto atual do Código Penal, quem for responsabilizado pela prática desse tipo de crime poderá ser condenado com a pena de reclusão de um a três anos, além da multa.

Em entrevista à Agência Senado, o senador Paim afirma que o PL é uma demanda dos movimentos negros. “Precisamos reparar essa chaga histórica, esse racismo estrutural, desumano, que existe em nosso país. Injúria racial é crime inafiançável e que não prescreve. O mundo inteiro está percebendo que a união de todas as cores, que a valorização da humanidade é o único remédio para curar os seres humanos”, aponta o senador.

Provas e denúncia

Atualmente, para que uma denúncia se enquadre na Lei Afonso Arinos é necessário que se comprove um ato de discriminação racial, étnico, religioso ou de origem que atinja o coletivo. Para formalizar a acusação existem vários canais que podem ser utilizados, como o Disque Direitos Humanos (Disque 100), que é um Departamento de Ouvidoria Nacional dos Direitos Humanos, responsável por receber, examinar e encaminhar denúncias de teor discriminatório, com respeito ao anonimato.

É possível também se dirigir à delegacia mais próxima e fazer um boletim de ocorrência, com o máximo de detalhes possíveis relacionados à situação e aos denunciados, a fim de evitar qualquer tipo de alegação de impossibilidade nas investigações.

Ao denunciante, a advogada Beatriz Mascarenhas aconselha analisar se o agente de polícia está registrando um Termo Circunstanciado de Ocorrência, utilizado para registros de crimes de menor potencial ofensivo.

Isso porque, se esse for o registro, caberá ao denunciante insistir pelo registro do Boletim de Ocorrência, dado que não se tratam os crimes de injúria racial ou racismo de crimes de menor potencial ofensivo, devendo ambos serem investigados, sempre que possível, por meio de inquérito”, explica.

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Com informações da Alma Preta.

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