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A antropóloga e professora altaneirense Josyanne Gomes é colunista do Blog Negro Nicolau. |
Em algum momento será que você já se
perguntou de onde veio essa cultura do silenciamento sobre nós mesmos? Essa tal
cultura que as mídias, coachs, amigos, familiares e redes sociais ditam sobre
nossos comportamentos? Espera que eu já vou te explicar melhor.
Sabe quando a gente é criança? Que fala sem
parar e diz tudo que vem a nossa mente, como por exemplo – “quando eu crescer
vou ser assim ou assado” – em relação à escolhas ou carreira profissional que
almeja seguir. Ou, “vou morar em tal lugar”, “vou fazer tal coisa” e fala sem
parar sobre o que a gente deseja e sonha para a nossa vida? Ao longo dos (D)
anos parece que tudo isso vai se transformando num tabu, de modo que falar
sobre as próprias aspirações e sentimentos soa quase como algo do território
imaginário do proibido, ou, na melhor das hipóteses uma piada.
É interessante como a gente vai construindo nossas
escolhas baseadas em referenciais que já existem de outrem, e que se não fosse
pela publicização desse fato não saberíamos dessa existência, e tampouco
poderíamos realizar nossa própria escolha. Ainda assim, existe aquela velha
máxima de que “planeje em silêncio, não conte seus sonhos para ninguém” como se
o fato de falar sobre algo fosse tornar aquilo impossível de se realizar.
Ou ainda, “só fale sobre os seus projetos
quando eles se concretizarem” – quantos e quantos de nós não nos frustramos com
essa ideia? É como se, em algum grau estivéssemos obrigados a dar certo do
jeito que esperam que a gente vença na vida. Tudo bem se as coisas demorarem
para acontecer, tudo bem também se igual na época da infância a gente mudar de
percurso ao longo do caminho, e de repente traçar outras rotas e trajetos, numa
outra pegada e imprimindo novas marcas. Nenhum de nós está condicionada/o a
seguir linearmente os mapas que nos são apresentados durante nossas
existências. A cartografia das nossas emoções e subjetividades é muito mais
complexa do que podemos imaginar.
As vezes me pergunto o quanto de situações representativas
das novelas, filmes e séries existem no nosso imaginário – Individual – e
Coletivo, a ponto de acreditarmos fielmente nessas narrativas ficcionais de que
somos sempre as mocinhas e mocinhos e, de que os outros são sempre os vilões e
vilãs que estão investindo energia e movendo forças míticas para destruírem
nossas vidas.
Por um lado, é preciso que a gente pare para
pensar que se alguma coisa que a gente queria muito e sonhou com aquilo, muitas
vezes não acontece na nossa vida, muito provavelmente é porque fatores
históricos, políticos, econômicos, sociais e culturais estão em jogo. Ah, e por
sinal eu já publiquei um texto aqui nessa página onde eu falei exatamente sobre
a noção de Fracasso e Vitória no sistema capitalista, então fiquem a vontade
para ler também esse post (clique aqui pra ler).
Retomando ao ponto da questão inicial é
necessário que entendamos que se abrir com alguém da nossa confiança e círculo
afetivo e emocional, sobre o que desejamos e queremos para nós mesmas/os, não
se trata de egoísmo nem é vergonhoso. Por outro lado, é de suma importância se
certificar de que a pessoa que vai te escutar possa te apoiar e ajudar e, não
julgar ou minar seus projetos.
Percebem o nó da questão? Conseguem captar a
mensagem central? Existe uma diferença tremenda entre falar sobre si mesma/o de
modo saudável e responsável e, falar de si como alguém que projeta situações
aos quatro cantos sem ao menos se certificar de que se é realmente aquilo que
almeja para a própria vida.
E note-se aqui que não existe problema algum
em nenhum dos dois casos, de maneira alguma pretendo emitir juízo de valor
sobre posicionamento A ou B, afinal não é da minha competência profissional
realizar tal feitio. Ao contrário, busco com esse pequeno texto encontrar
possibilidades de refletir junto com meus leitores e leitoras aonde nos
perdemos e como perdemos a capacidade de acreditar no próximo e confiar mais em
nós mesmas/os.
Enquanto professora da rede pública municipal
– eu me deparo com pré adolescentes que parecem confiar cada vez menos no
próximo, e tendem a se fechar e se retraírem muito, a ponto de não conseguirem
falar nem escrever sobre quem são ou sobre seus sonhos. Eu considero isso
triste, e aqui (re) conheço que eles cultivam sonhos, embora não sabemos quais.
Lembro-me que na idade deles, a minha geração (atualmente estou com 26 anos de
idade) costumava falar pelos cotovelos sobre qual carreira queria seguir, ou
não seguir carreira alguma, sobre os sonhos de morar em outra cidade, estado,
região ou mesmo fora do país. E tudo isso fazia de nós pessoas que se
conectavam de alguma forma e isso era de uma energia gostosa incrível.
Devido a minha localização social a minha
geração durante a pré-adolescência, não contava com o acesso da internet em tempo
tão hábil e preciso como atualmente. Nós tínhamos que superar o medo de olhar
cara a cara e conversar sobre as coisas que a gente sentia e pensava sem
recorrer a perfis fakes, emojis, figurinhas, ou qualquer tipo de anonimato que
se usa amplamente nos dias de hoje.
Não sei se isso fez da minha geração pessoas
mais comunicativas e que confiam mais, precisaria estar amparada em estudos
científicos para dizer isso, mas de uma coisa eu sei – naquele período não tínhamos
tantos casos de jovens que se auto mutilavam, que se isolavam e que
demonstravam angústia excessiva e constante como vemos hoje. Talvez essa
cultura do silenciamento não seja uma alternativa tão interessante do ponto de
vista de um suposto amadurecimento e forma de lidar com os problemas como eles
devem ser – reais e intensos.
Outra pergunta que costumo me fazer é: por
que deveria ser normal sentir vergonha da intensidade alegando ser um princípio
da infância, quando nos consultórios psicoterapêuticos foi na infância que a
gente não se resolveu direito? Se a
criança que habita em nós na fase da adolescência, jovem, adulta ou idosa está
em paz – por que os nossos sentimentos devem ser escondidos sob o pretexto de
que é infantil demonstrar o que sentimos?
Se nos entendemos e nos aceitamos como nós
somos não há porque se esconder atrás de jargões e frases de efeito que nos
dizem o que devemos fazer e como devemos seguir. Em outras palavras, não existe
fórmula pronta para a vida e, certamente é falando e testando diversas fórmulas
distintas é que corremos o risco de acertar e encontrar o que melhor se adequa
ao nosso perfil.
Em linhas gerais, não posso aqui afirmar se
as gerações anteriores a minha ou anteriores as dos adolescentes de hoje
cultivavam mais sonhos e, se viviam mais esses sonhos. Nem tampouco posso
apontar que as gerações futuras tendem a ser mais introspectivas e silenciosas que
as de hoje. Então, o que desejo com este breve relato é fazer um convite para a
reflexão: sobre como modos de produção do Selfie se constroem em meio à
efervescência de informações e redes sociais na contemporaneidade. E, por outro
ângulo, como essa mesma construção se furta de compartilhar essa emergência de vivências
de si na bolha do seu próprio silêncio.
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Josyanne
Gomes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade
Regional do Cariri (URCA), mestre em Antropologia Social pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), professora e colunista do Blog Negro
Nicolau.
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