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Paraíso do Tuiiti promoveu crítica a reforma trabalhista e questionou o fim da escravidão. (Foto: Divulgação). |
Duas escolas do Grupo Especial do Rio provocaram uma especial catarse em seu desfile na Sapucaí. O impacto foi maximizado porque visto por dezenas de milhões de pessoas em todo o país pela TV.
Autoras
da proeza: a Paraíso do Tuiuti e a Acadêmicos do Salgueiro.
A
Tuiuti trouxe o enredo “Meu Deus, Meu Deus, está extinta a Escravidão?” Fala
dos 130 anos do fim da escravidão a serem completados em 13 de maio deste ano.
A abordagem dos carnavalescos fez lembrar minha tese do 14 de Maio: critica o
racismo e mostra como a cidadania ainda é algo a ser conquistado pelos negros
no Brasil. Vão além disso ao tratar da conjuntura política, criticando a
reforma trabalhista e ironizando os “manifestantes fantoches” do impeachment.
Fecham com chave de ouro com o presidente-vampiro cuja faixa presidencial vem
com cédulas de dinheiro dependuradas. Criticar a forma como a Abolição se deu
no país onde a escravidão mais durou – 354 anos -, numa ópera móvel, que já foi
chamada do maior espetáculo da terra, não é pouca coisa. Mexeu fundo com muita
gente.
Porém,
a Salgueiro veio com um enredo demolidor da narrativa racista que invisibiliza
a importância da África e desvaloriza a mulher negra. Seu tema: “Senhoras do
Ventre do Mundo” é mais que uma homenagem à mulher negra pois tem um componente
de resgate que educadores e educadoras tentam fazer há 15 anos com a aplicação
da Lei 10.639 de 2003 sem sucesso efetivo.
De
cara, ao trazer a África como o ventre do mundo; a base da civilização humana,
como a moderna genética confirma, me tirou o fôlego. Em meus workshops sobre
Diversidade Étnico-Racial faço uma ginástica didática enorme para apresentar a
Eva Africana – primeiro indivíduo que desmistifica o homo sapiens (Adão na
visão bíblica). O que houve a cerca de 70 mil anos foi femina sapiens em
África.
Depois,
apresentar as rainhas negras em que se destaca Hatsheput, a rainha-faraó do
antigo Egito, mais guerreiras e heroínas negras eclipsadas por uma história
epistemicida foi catártico de fato. Mas não parou por aí: trouxe as escritoras
negras Maria Firmina, a primeira romancista do Brasil, Auta de Souza e Carolina
de Jesus – esta última vem sendo resgatada pelo feminisno negro a duras penas.
Mas a Pietá negra, simbolizando a mãe dos 23 mil jovens negros mortos
violentamente a cada ano na terra brasilis, fechou um desfile didático que
ainda não se conseguiu fazer na sala de aula. Anne Rodrigues, uma educadora de
Salvador, me confirma que a arte chega melhor onde outras mediações sociais não
conseguem. Há forte empatia e o conteúdo torna conhecimento.
Como
se não bastasse as duas escolas Rio, três escolas do primeiro grupo de São
Paulo em seus enredos homenagearam 3 ícones negros da arte musical: Vai-Vai
(Gilberto Gil); Peruche (Martinho da Vila) e Mocidade Alegre (Alcione). Tudo
aquilo que a Lei 10.639 nem perto chegou ainda. (Por Helio Santos*, em seu perfil no Facebook).
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*Hélio
Santos é professor convidado do Mestrado em Educação da UNEB, presidente do
Conselho do Fundo Baobá e presidente do Instituto Brasileiro da Diversidade –
IBD.