O trabalho infantil é a violação de direitos de crianças e adolescentes mais verificada em grandes eventos, ao lado de outras situações como o consumo de álcool, desaparecimento, violência sexual. Esses são apontamentos do Observatório de Violação dos Direitos das Crianças e Adolescentes no Carnaval de Salvador (2017) e os registros das ações realizadas durante a Copa do Mundo, no Brasil, no âmbito da Agenda de Convergência para Proteção Integral de Crianças e Adolescentes (2014).
A
maioria das crianças nesses eventos trabalham na companhia dos pais ou responsáveis
que atuam como vendedores ambulantes nos circuitos da festa. Alguns chegam a
dormir na rua, nos locais de trabalho, em barracas improvisadas, caixas,
papelões. Em meio aos confetes, serpentinas, marchinhas, alegria e diversão,
circulam invisíveis entre os foliões.
No
Estado de São Paulo, a PNAD 2015 (IBGE) apontou o total de 405.640 crianças e
adolescentes entre 5 e 17 anos trabalhando em diferentes atividades. Desse
total, 200 mil estão concentradas na Grande São Paulo. E a maior parte, 84% dos
adolescentes com idade entre 14 e 17 anos, são meninos que trabalham em
atividades urbanas. A pesquisa não consegue diagnosticar de forma precisa o
trabalho nas ruas, tendo em vista que a metodologia de entrevista domiciliar dá
margem a imprecisões. Em grandes eventos, como o Carnaval, esse trabalho de
crianças e adolescentes aumenta, em razão da intensificação de atividades
econômicas relacionadas ao evento, como turismo, comércio ambulante, indústria
do entretenimento.
O
Brasil se comprometeu internacionalmente a eliminar as piores formas de
trabalho infantil até o ano 2016 e erradicar totalmente essa prática até 2020.
As metas não foram atingidas, tendo sido renovadas perante a ONU até 2025. De
outra parte, as alterações legislativas que precarizam relações de trabalho,
como a Reforma Trabalhista, facilitando contratações sem vínculos, colocam em
maior vulnerabilidade as crianças, que tendem a ser utilizadas como mão de obra
no complemento da renda familiar.
O
trabalho infantil atinge em maior parte famílias que estão na base da pirâmide
social. O ingresso precoce no trabalho normalmente ocorre em atividades
perigosas, na informalidade, produzindo um ciclo que se perpetua entre
gerações. Pesquisa da OIT no ano 2011 constatou que 95% dos trabalhadores
resgatados em condição análoga a de escravo foram também vítimas de trabalho
infantil.
São
inúmeros os prejuízos físicos, psicológicos e sociais ao desenvolvimento das
crianças e adolescentes. É um problema de todos, pois reproduz as desigualdades
sociais e raciais históricas, que impedem a construção de uma sociedade
efetivamente justa e democrática. Os direitos fundamentais, a proteção integral
e prioridade absoluta previstos na Constituição Federal de 1988 devem ser
assegurados a todas as crianças e adolescentes.
Para
tanto, cada um tem que fazer a sua parte. É necessário romper o silêncio,
acionar os órgãos de defesa e proteção (Ministérios Públicos, Conselhos
Tutelares, Defensoria Pública, outros) através dos canais de denúncia (Disque
100). O Poder Público e a atividade empresarial que se beneficiam do resultado
econômico dos grandes eventos, têm responsabilidade em prevenir a ocorrência de
violações de direitos de crianças e adolescentes, assegurando condições dignas
de trabalho àqueles que fazem a grande festa acontecer, evitando a ocorrência
do uso da mão de obra infantil.
O
trabalho infantil é uma grave violação de direitos humanos da criança e do
adolescente. Impede que a criança tenha o seu desenvolvimento saudável, impondo
a esta obrigações e responsabilidades de um adulto, colocando em risco a sua
saúde e às vezes a própria vida. É preciso desnaturalizar essa situação que
atinge em sua maioria crianças negras, vítimas também do racismo estrutural
presente na sociedade.
Os
direitos fundamentais devem ser assegurados a todas as crianças e adolescentes
e não apenas a uma parcela da população. Já nos alertava o grande líder
sul-africano, Nelson Mandela, “Não existe revelação mais nítida da alma de uma
sociedade do que a forma como essa trata as suas crianças”. Uma sociedade
assentada no princípio democrático, de igualdade e não discriminação precisa
cuidar de suas crianças. Por isso, não podemos aceitar o trabalho infantil. É uma
luta por direitos, igualdade e democracia. (Por Elisiane Santos*, no Negro Belchior).
______________
*Elisiane
Santos é Procuradora do Trabalho, Coordenadora do Fórum Paulista de Prevenção e
Erradicação do Trabalho Infantil em São Paulo, Vice-Coordenadora da
COORDIGUALDADE (Coordenadoria de Combate à Discriminação do Ministério Público
do Trabalho), Especialista em Direito do Trabalho pela Fundação Faculdade de
Direito da UFBA, Mestre em Filosofia pelo Instituto de Estudos Brasileiros da
USP.
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