21 de julho de 2025

“Temos que parar de nos contentarmos com a representatividade. Eu quero produzir presenças” diz Ana Maria Gonçalves

 

Ana Maria Gonçalves, autora de "Um defeito de cor." (FOTO | Tânia Rêgo  | Agência Brasil).

Muitas pessoas negras acreditam que existem lugares que não são para elas, não foi diferente com a mais nova imortal da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Gonçalves. A autora é a primeira mulher negra a assumir uma cadeira em 128 anos de que a academia existe, em entrevista a Rádio Brasil de Fato, Ana Maria pontua como essa chegada é histórica e ainda muito solitária: “Eu sou a 13ª mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Nessa conjuntura, seremos seis entre 40. O que continua sendo muito pouco ainda. E quando pensamos na questão do recorte racial, é uma defasagem maior ainda. Eu sou a primeira mulher negra e a quarta pessoa negra a ser eleita para a academia.”

Antes de Ana Maria Gonçalves, apenas mais 3 pessoas negras integraram as cadeiras, são eles: o cantor Gilberto Gil, o poeta Domício Proença Filho e o escritor e primeiro presidente da Academia, Machado de Assis. A autora admite que por muito tempo não pensou que podia ocupar esse lugar: “Durante até bem pouco tempo eu achava que não era um lugar para mim, um lugar para nós.”

Segundo a escritora, a decisão de se candidatar veio de forma rápida, mas marcada por décadas de exclusão, também sendo motivada por outra mulher negra, Conceição Evaristo: ”A candidatura da Conceição foi uma que fez com que não só a sociedade brasileira, mas a própria academia se olhasse no espelho e visse a sua própria falta”. A escritora Conceição Evaristo concorreu a cadeira da ABL em 2018, mas na época não foi eleita. Em 2024 a autora conquistou a cadeira nº 40 da Academia Mineira de Letras.

Abrindo espaço para escritoras e escritores negros

Ana Maria acredita que sua presença nesse espaço é também um movimento para que consiga abrir portas para outros escritoras e escritores negros: “Eu acho que uma das coisas que eu vou querer trabalhar lá dentro é essa questão de ter sido a primeira, mas não ser a única. Temos que parar de nos contentarmos com a representatividade. Eu quero produzir presenças”, afirma.

Para a escritora, a experiência de ser a “a única” em espaços de poder e prestígio é constante e solitário, por isso pretende abrir portas para que mais pessoas como elas acessem esses lugares de destaque: “Esse é um processo que acaba sendo extremamente solitário e, ao mesmo tempo, uma responsabilidade muito grande, porque nós não formamos um grupo hegemônico. Eu tenho estilo, uma história e interesses completamente diferentes de outros escritores e escritoras negras que estão produzindo hoje no Brasil. Espero que a minha eleição abra portas para outras mulheres e para outros escritores e escritoras negras que, como eu, achavam que também não era para eles”, torce.

O trabalho na Academia

Gonçalves vai ocupar a cadeira nº 33 que pertenceu ao professor Evanildo Bechara, filólogo brasileiro. A autora acredita que é necessário um debate profundo sobre o papel da ABL e quer entender como a academia funciona “Eu estou entrando agora, estou começando. Eu acho que precisa muito ainda para eu entender como a academia funciona, como dá para atuar institucionalmente de dentro para encantar esses ‘portugueses’, e principalmente o ‘pretuguês’, como Lélia Gonzalez nos ensinou.” O termo remete à valorização da herança africana na construção da língua falada no Brasil.

Um defeito de cor

A obra lançada em 2006 é a mais conhecida de Ana Maria Gonçalves, Um defeito de cor, o livro conta a história de Kehinde, mulher negra que, aos oito anos, é sequestrada no Reino do Daomé, atual Benin, e trazida para ser escravizada na Ilha de Itaparica, na Bahia.

A atualidade do assunto abordado na obra ainda comove a autora: “A população negra do país ainda continua vivendo e tendo conhecimento de vivências muito próximas ou, se não, em alguns casos, até piores das situações que eu narro no livro sobre o período da escravidão” lamenta Gonçalves.

O livro já venceu o Prêmio Casa de las Américas, virou samba-enredo da escola de samba Portela no Carnaval do Rio de Janeiro de 2024, peça, exposição e diversas releituras.

______

Com informações do Notícia Preta.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!