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Ana Maria Gonçalves, autora de "Um defeito de cor." (FOTO | Tânia Rêgo | Agência Brasil). |
Muitas pessoas negras acreditam que existem lugares que não são para elas, não foi diferente com a mais nova imortal da Academia Brasileira de Letras, Ana Maria Gonçalves. A autora é a primeira mulher negra a assumir uma cadeira em 128 anos de que a academia existe, em entrevista a Rádio Brasil de Fato, Ana Maria pontua como essa chegada é histórica e ainda muito solitária: “Eu sou a 13ª mulher a ser eleita para a Academia Brasileira de Letras. Nessa conjuntura, seremos seis entre 40. O que continua sendo muito pouco ainda. E quando pensamos na questão do recorte racial, é uma defasagem maior ainda. Eu sou a primeira mulher negra e a quarta pessoa negra a ser eleita para a academia.”
Antes
de Ana Maria Gonçalves, apenas mais 3 pessoas negras integraram as cadeiras,
são eles: o cantor Gilberto Gil, o poeta Domício Proença Filho e o escritor e
primeiro presidente da Academia, Machado de Assis. A autora admite que por
muito tempo não pensou que podia ocupar esse lugar: “Durante até bem pouco tempo eu achava que não era um lugar para mim, um
lugar para nós.”
Segundo
a escritora, a decisão de se candidatar veio de forma rápida, mas marcada por
décadas de exclusão, também sendo motivada por outra mulher negra, Conceição
Evaristo: ”A candidatura da Conceição foi
uma que fez com que não só a sociedade brasileira, mas a própria academia se
olhasse no espelho e visse a sua própria falta”. A escritora Conceição
Evaristo concorreu a cadeira da ABL em 2018, mas na época não foi eleita. Em
2024 a autora conquistou a cadeira nº 40 da Academia Mineira de Letras.
Abrindo espaço para escritoras e
escritores negros
Ana
Maria acredita que sua presença nesse espaço é também um movimento para que
consiga abrir portas para outros escritoras e escritores negros: “Eu acho que uma das coisas que eu vou querer
trabalhar lá dentro é essa questão de ter sido a primeira, mas não ser a única.
Temos que parar de nos contentarmos com a representatividade. Eu quero produzir
presenças”, afirma.
Para
a escritora, a experiência de ser a “a única” em espaços de poder e prestígio é
constante e solitário, por isso pretende abrir portas para que mais pessoas
como elas acessem esses lugares de destaque: “Esse é um processo que acaba sendo extremamente solitário e, ao mesmo
tempo, uma responsabilidade muito grande, porque nós não formamos um grupo
hegemônico. Eu tenho estilo, uma história e interesses completamente diferentes
de outros escritores e escritoras negras que estão produzindo hoje no Brasil.
Espero que a minha eleição abra portas para outras mulheres e para outros
escritores e escritoras negras que, como eu, achavam que também não era para
eles”, torce.
O trabalho na Academia
Gonçalves
vai ocupar a cadeira nº 33 que pertenceu ao professor Evanildo Bechara,
filólogo brasileiro. A autora acredita que é necessário um debate profundo sobre
o papel da ABL e quer entender como a academia funciona “Eu estou entrando agora, estou começando. Eu acho que precisa muito
ainda para eu entender como a academia funciona, como dá para atuar
institucionalmente de dentro para encantar esses ‘portugueses’, e
principalmente o ‘pretuguês’, como Lélia Gonzalez nos ensinou.” O termo
remete à valorização da herança africana na construção da língua falada no
Brasil.
Um defeito de cor
A
obra lançada em 2006 é a mais conhecida de Ana Maria Gonçalves, Um defeito de
cor, o livro conta a história de Kehinde, mulher negra que, aos oito anos, é
sequestrada no Reino do Daomé, atual Benin, e trazida para ser escravizada na
Ilha de Itaparica, na Bahia.
A
atualidade do assunto abordado na obra ainda comove a autora: “A população negra do país ainda continua
vivendo e tendo conhecimento de vivências muito próximas ou, se não, em alguns
casos, até piores das situações que eu narro no livro sobre o período da
escravidão” lamenta Gonçalves.
O
livro já venceu o Prêmio Casa de las Américas, virou samba-enredo da escola de
samba Portela no Carnaval do Rio de Janeiro de 2024, peça, exposição e diversas
releituras.
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Com informações do Notícia Preta.
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