Urna Eletrônica. (FOTO/ Reprodução). |
A
história brasileira está repleta de personagens e trajetórias interessantes
que, infelizmente e graças à lógica racista que nos ordena, são pouco ou nada
conhecidas. Sem dúvida alguma, a vida de Almerinda Faria Gama se enquadra nessa
categoria de histórias incríveis que foram silenciadas.
Almerinda
nasceu em Maceió em 1899. Assim que perdeu o pai, a jovem menina negra se mudou
para o Pará, onde foi educada por uma de suas tias. Ao contrário do que
acontecia com a maior parte das jovens negras da época, Almerinda conseguiu
estudar datilografia e passou a escrever para o jornal paraense A Província.
Aos 30 anos, quando descobriu que seu salário era menor do que o dos seus
colegas homens, Almerinda se mudou para o Rio de Janeiro, então capital
federal, em busca de condições de trabalho mais justas.
No
Rio de Janeiro, Almerinda se filiou à Federação Brasileira pelo Progresso da
Mulher, se engajando ativamente na emancipação feminina. Sua primeira grande
batalha foi pelo direito das mulheres votarem.
Única mulher na Constituinte de 1934
Quatro
anos depois de chegar ao Rio de Janeiro, em 1933, Almerinda foi indicada pelo
Sindicato das Datilógrafas e Taquígrafas e pôde votar para a escolha da bancada
da Assembleia Nacional Constituinte.
Essa
mulher, que viveu quase um século, também foi uma advogada feminista, com forte
atividade política tanto no que tange a luta sindical, como no que diz respeito
à ampliação do direito da mulher.
Mesmo
diante de tamanha trajetória, foi o feito naquele fevereiro de 1934 que fez com
que Almerinda entrasse para a história, tendo sido a única mulher a votar na
Assembleia Constituinte, que assentaria o futuro do Brasil nas décadas
seguintes.
Para
muitos jovens de hoje em dia, o feito de Almerinda pode parecer coisa miúda,
sem grande importância. Afinal, o que tem demais eleger os representantes
políticos do país?
Absolutamente
TUDO.
Para
quem conhece pouco a história brasileira, é fundamental lembrar que o direito
ao voto, como conhecemos hoje, foi resultado de uma longa luta travada por
diferentes segmentos sociais.
Durante
o Império do Brasil, o exercício do voto estava vetado aos escravizados (que
compunham cerca de 35% da população até a década de 1850- 1860), e mesmo para
aqueles que eram tidos como livres, o direito ao voto e à possibilidade de ser
eleito estava atrelado ao patrimônio dos cidadãos, o que excluía um percentual
significativo dos ditos cidadãos brasileiros, isso sem contar o impedimento
imposto às mulheres.
Lei excludente limitava eleitorado
Na Primeira República (1889-1930), a escravidão não mais existia. Mesmo assim, a possibilidade de votar continuava restrita a um punhado de gente, na sua imensa maioria, os homens brancos que compunham as elites políticas, econômicas e intelectuais do país. Não havia uma proibição expressa definindo os cidadãos que podiam e os que não podiam votar. Entretanto, fazendo uso de uma lei engenhosa e abertamente excludente do final do Império – a lei Saraiva de 1871 -, a primeira Constituição do Brasil Republicano (1891) definia que apenas os cidadãos letrados poderiam votar. Uma régua que privou aproximadamente 85% dos cidadãos respeitados brasileiros do exercício do voto.
Desde então, parte importante da história do Brasil tem sido a história da luta de diferentes segmentos sociais pela maior participação política. Seja na luta pela educação pública – que demorou muito tempo para ser compreendida como um direito dos cidadãos -, seja no embate mais direto pela participação de sujeitos historicamente alijados do processo eleitoral, como as mulheres. Isso sem contar os momentos críticos e violentos nos quais os direitos cidadãos foram suspensos, por meio da instauração de regimes ditatoriais.
A
trajetória da nossa República é também a da conquista da maior participação
cidadã nas decisões políticas do país. Por isso, engrossando o coro entoado
pela Anitta e por muitos outros artistas brasileiros, se você tem entre 16 e 18
anos, exerça esse direito que nos foi legado por grandes homens e mulheres,
tire seu título de eleitor até o próximo dia 4 de maio, e vote nas próximas
eleições.
Porque
a história se faz no presente.
E o
nosso presente também é poder votar.
__________________
Por
yanaê Lopes dos Santos, originalmente no DW e replicado no Geledés.
Mestre e doutora em História Social pela USP, Ynaê Lopes dos Santos é professora de História das Américas na UFF. É autora dos livros Além da Senzala. Arranjos Escravos de Moradia no Rio de Janeiro (Hucitec 2010), História da África e do Brasil Afrodescendente (Pallas, 2017) e Juliano Moreira: médico negro na fundação da psiquiatria do Brasil (EDUFF, 2020), e também responsável pelo perfil do Instagram @nossos_passos_vem_de_longe.
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