Tranças nagô ou mandraka: racismo e privilégio branco

(FOTO |Reprodução | Internet).

“Imagine encontrar algo que te faça sentir especial e conectado com sua identidade e de repente esse mesmo símbolo seja utilizado justamente por quem historicamente lhe fez sentir inferior? É como sobrepor camadas que nos distanciam daquilo que nascemos para ser”, pontua a artista visual Íldima Lima.

As tranças, penteados usados principalmente pelas mulheres há centenas de anos carregam a identificação – além da estética – de tribos, estados civis, religiões e posições sociais. No Egito Antigo, por exemplo, quem possuía muitas tranças passava mensagens de riqueza material e também de abundância. Dentre os penteados, o mais antigo registrado é a trança nagô, de origem africana, que consiste numa trança rasteira, rente ao couro cabeludo.

Durante o período da escravidão no Brasil, as tranças eram utilizadas para identificar as tribos de origem dos escravizados, e até mesmo serviam como mapas e rotas para as fugas planejadas. É o que diz o artigo “Longa História de Penteados com Tranças”, do pesquisador e tricologista Evandro Carvalho.

No entanto, a trança nagô recebeu outro nome nos últimos tempos: a trança madraka. Para Íldima Lima, detentora da marca Illi (como também é conhecida) e idealizadora da exposição “Negras Cabeças”, essa ressignificação das tranças gera um certo apagamento da cultura e estética negra. Illi salienta que é contra qualquer tipo de linchamento, mas também ressalta que as pessoas têm lidado com a importância da trança nagô de maneira superficial.

“Está acontecendo o apagamento do termo Nagô em decorrência do uso da palavra Mandraka. Para além de toda polêmica que envolveu a origem do termo, o que mais importa é o resultado disso, ou seja, intencional ou não, criou-se esse novo termo para definir um estilo de trançado ancestral que sempre foi usado pela cultura negra – e, consequentemente, marginalizado –, de maneira a torná-lo aceitável”, enfatiza.


De acordo com a artista visual, que elaborou a exposição “Negras Cabeças” a partir de uma vasta pesquisa a respeito dos penteados e adornos de cabeça utilizados pelas mulheres negras da África, a trança mandraka simboliza uma violência da expressão cultural negra, “não apenas pela banalização do uso, mas principalmente pela reclassificação do termo, como se essa nova roupagem na grafia viesse acompanhada de uma validação social, naturalizando o uso como algo estiloso, moderno e jovial”, pondera.

Apagamento cultural

“Ao usarmos essas tranças [nagô], devemos honrar e respeitar a sua origem, perpetuando o sentido. As associações e reformulações de nomenclatura são graves porque, historicamente, são formas de apagamento cultural e se posicionam como uma forma contemporânea de apropriação e transplantação cultural através da ressignificação e aceitação social do uso validado pela incorporação da branquitude”, avalia Illi.

Para a pesquisadora e trancista Amanda Coelho, conhecida como Diva Green, a modificação de “nagô” para “mandraka” é uma das facetas do racismo estrutural no Brasil. Ela pontua que a estética negra serve para além do visual, sendo uma ferramenta de demarcação de território em uma sociedade racista que mantém vivo o apagamento histórico negro.

“Por meio dos nossos cabelos, adornos e vestimentas, contamos histórias e ativamos memórias as quais se conectam com a autoestima de nossa população negra, nos trazendo pertencimento e fundamentos de nossas matrizes africanas. Mudar o nome significa nos afastar desses lugares que nos potencializam. É estratégia do racismo”, afirma.

Illi, por sua vez, pondera que esse apagamento, que começa com a discreta associação das tranças, é algo que já aconteceu repetidamente com outros signos e símbolos identitários esvaziados de significado após serem engolidos, remodelados e incorporados pela cultura branca dominante.

“Em toda minha vida, a primeira pergunta que me faziam ao me ver de trança era se e como eu lavava meu cabelo. Duvido fortemente que se faça esse ou outro questionamento similar a uma mulher branca de tranças, o que certamente é substituído por um elogio exaltando a personalidade e estilo dessa mulher, coisa que nunca nos foi destinada”, diz.

“Em resumo, a pergunta que sempre devemos fazer é: o que faz com que um tipo de trançado passe de algo sujo ou feio a estiloso e bonito? A resposta seguramente estará associada ao momento em que a cor da pele que ostenta o penteado passou de preta para branca, um reflexo inegável do nosso racismo estrutural”, completa a artista visual.

Branco pode usar tranças?

Diva Green salienta que além de se apropriar dos símbolos negros, o racismo estrutural faz a população negra adotar outras culturas, a fim de promover uma falsa aceitação que, na opinião dela, faz parte de um processo de dominação. Porém, quando o povo preto retoma o uso de sua estética, como os penteados de origem africana, ocorre o retorno à ancestralidade, que cria novos imaginários e entende a beleza como parte de outros olhares, vivências e histórias.
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Com informações do Alma Preta. Clique aqui para ler o texto completo.

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