"Enquanto houver racismo, não haverá democracia", diz a mensagemm levada pela Beija-Flor de Nilópolis para a Sapucaí Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo |
Depois
de um recesso forçado pela pandemia, o Carnaval 2022 sublevou a lógica do
calendário gregoriano ao ocorrer depois da Quaresma no Brasil. Porém, ao
encarnar uma espécie de imersão espontânea e coletiva da comunidade do samba em
suas raízes africanas, a festa não poderia ter se dado mais dentro do tom.
Como
antecipei em janeiro no artigo “Hoje cativeiro é favela”, muitos dos enredos do
grupo especial do RJ e de SP trouxeram temas relacionados à influência negra na
construção da nossa sociedade, exaltando a cultura, o culto aos orixás, a
resiliência e o talento herdados dos africanos.
Mazelas
decorrentes do racismo institucionalizado desfilaram pelas avenidas: a cor da
pele como fator determinante para a prisão de inocentes, os homicídios que
vitimam de maneira seletiva e preferencial pretos e pardos e o vandalismo em
terreiros de candomblé. Também não faltou exemplo do desleixo com a segurança
pública, o que coloca em risco vidas como a da menina negra que perdeu a perna
e morreu depois de ser prensada entre um poste e um carro alegórico.
Tudo
exposto aos olhos do mundo em forma de espetáculo cênico musical na maior festa
popular do país. Uma verdadeira catarse frente a manifestações reiteradas de
ódio e ataques às liberdades, às instituições e à democracia. Foi lindo ver a
alegria de um povo que subverte a lógica, resiste e insiste em ser feliz.
Para
completar, uma coincidência fez com que o período dos desfiles compreendesse o
23 de abril, dia dedicado aos festejos de Ogum, orixá guerreiro, que quebra
demandas e abre caminhos, afastando inimigos e injustiças.
Evidente
que o Carnaval não é invenção brasileira, mas o espetáculo grandioso dos
últimos dias é genuinamente nacional e o surgimento das escolas de samba se deu
entre as classes populares, na década de 1920. Num momento turvo, nada mais
simbólico do que um desfile essencialmente dedicado a falar de pertencimento,
representatividade e respeito à diversidade.
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Por Ana Cristina Rosa, na Folha de São Paulo e reproduzido no Geledés.
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