O
Ministério Público do Trabalho (MPT) e o Ministério Público Federal (MPF)
recomendaram ao Ministério do Trabalho que revogue a Portaria 1.129, publicada
ontem (16), no Diário Oficial da União, que estabelece novas regras para a
caracterização de trabalho análogo ao escravo e para atualização do cadastro de
empregadores que tenham submetido pessoas a essa condição, a chamada lista suja
do trabalho escravo.
Os
procuradores da República e do Trabalho, que assinam a recomendação, afirmam
tratar-se de um procedimento preparatório para apurar a ilegalidade da
portaria. Para o grupo, a iniciativa do Ministério do Trabalho é ilegal, pois
afronta o Código Penal, que estabelece o conceito de trabalho em condições
análogas à escravidão e se sobrepõe à portaria ministerial.
Segundo
o artigo 149 do Código Penal, quem submete alguém a realizar trabalhos forçados
ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho,
quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida, está
sujeito a pena de dois a oito anos de prisão e multa.
Também
incorre no mesmo tipo de crime quem, com o propósito de reter os trabalhadores,
limita que eles utilizem qualquer meio de transporte, ou os mantém sob
vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou
objetos pessoais do trabalhador.
Os
procuradores que assinam a recomendação sustentam que, além de afrontar o
Código Penal, a portaria ministerial contraria decisões da Organização
Internacional do Trabalho (OIT) e do Supremo Tribunal Federal (STF). “A referida portaria traz conceitos
equivocados e tecnicamente falhos dos elementos caracterizadores do trabalho
escravo, sobretudo de condições degradantes de trabalho e jornadas exaustivas”,
afirmam os procuradores.
Eles
lembram que, ao responsabilizar o Estado brasileiro por não prevenir a prática
de trabalho escravo moderno e o tráfico de pessoas por causa de um caso
ocorrido no sul do Pará, entre 1997 e 2000, a Corte Interamericana de Direitos
Humanos estabeleceu que não poderia haver retrocessos na política brasileira de
combate e erradicação do trabalho escravo, deixando claro que a caracterização
de trabalho análogo à escravidão prescinde da limitação da liberdade de
locomoção.
A
OIT é uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos
(OEA) e o Brasil é o primeiro país condenado nessa matéria.
A
iniciativa do Ministério do Trabalho também gerou reações por parte de
organizações sociais. Entre os aspectos mais criticados por diferentes
entidades está a determinação de que, a partir de agora, apenas o ministro do
Trabalho deve incluir empregadores na Lista Suja do Trabalho Escravo,
esvaziando o poder da área técnica.
A
organização não governamental internacional Conectas e a Comissão Pastoral da
Terra (CPT) enviaram, hoje (17), um apelo urgente à Organização das Nações
Unidas (ONU), pedindo a revogação imediata da determinação do governo.
As
duas entidades criticam a previsão de que, com as mudanças previstas na
portaria, um empregador flagrado submetendo alguém à condição análoga à
escravidão só passe a integrar a chamada Lista Suja do Trabalho Escravo após
determinação expressa do ministro do Trabalho. Até a semana passada, a inclusão
ocorria após uma avaliação técnica.
Para
a Conectas e a CPT, as novas regras são pouco claras e tendem a atingir a
transparência e a legitimidade do processo, que ficará mais vulnerável a
motivos políticos.
“Tendo enfrentado resistência para parar a
Lista Suja, o governo agora tenta esvaziá-la de maneira autoritária. Além
disso, o governo promove uma completa desvirtuação do conceito de trabalho
escravo para atender a interesses das bancadas parlamentares mais conservadoras
e contrárias aos direitos fundamentais", afirma Caio Borges,
coordenador de Empresas e Direitos Humanos da Conectas.
Já
o Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait), afirmou que,
ao reformular o conceito de trabalho escravo, o Ministério do Trabalho impõe “uma série de dificuldades à fiscalização e à
publicação da Lista Suja, provocando enorme retrocesso no combate à escravidão
contemporânea, atendendo a interesses de quem se beneficia da exploração de
trabalhadores”.
“A portaria altera os conceitos de trabalho
escravo que estão no artigo 149 do Código Penal, o que está sendo tentado pelo
Congresso Nacional há alguns anos por meio de projetos e que tem forte
resistência dos atores sociais comprometidos com a erradicação do trabalho
escravo”, sustenta o Sinait, em nota. “O
governo quer tornar muito difícil para os Auditores-Fiscais caracterizar o
trabalho escravo. Sob as regras da Portaria nº 1.129/2017, em pouco tempo
haveria a falsa impressão de que a escravidão acabou no país, mascarando a realidade”,
disse o sindicato..
Elogio
Procurado,
o Ministério do Trabalho alegou que a publicação da Portaria 1.129 vai “aprimorar e dar segurança jurídica à atuação
do Estado”. Segundo a pasta, as disposições sobre os conceitos de trabalho
forçado, jornada exaustiva e condições análogas a de escravo servem à concessão
de seguro-desemprego para quem vier a ser resgatado em fiscalização promovida
por auditores fiscais do trabalho.
Segundo
o ministério, a portaria prevê a possibilidade de que sejam aplicadas multas
cujos valores podem superar em até 500% os atuais. “O combate ao trabalho escravo é uma política pública permanente de
Estado, que vem recebendo todo o apoio administrativo desta pasta, com
resultados positivos concretos relativamente ao número de resgatados, e na
inibição de práticas delituosas dessa natureza, que ofendem os mais básicos
princípios da dignidade da pessoa humana.” (Com informações da Agência Brasil).
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