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Acarajé, bobó de camarão e abará são alguns dos alimentos ligados ao candomblé (FOTO/ Divulgação/Brasil de Fato). |
A religião de matriz africana entende o
ato de comer como sagrado e forma de dialogar com a ancestralidade.
Entre a riqueza de heranças que
africanas e africanos trouxeram para o Brasil, está uma manifestação religiosa
afro-brasileira construída a partir de religiões tradicionais da África: o
candomblé.
Durante suas cerimônias, o ato de
comer, assim como a dança, tem um significado sagrado. É através da comida que
os praticantes do candomblé se comunicam e homenageiam os orixás, figuras que
representam os ancestrais.
Nos terreiros, comer é sinônimo de
socialização, segundo explica a Makota Bayrangi “Nega Duda”. “A comida é
oferecida ao público. Não é só o povo do terreiro, mas o entorno inteiro da
comunidade come e também o povo que vai às festas do candomblé. No candomblé, a
comida é uma partilha”.
A importância que a comida tem na
religião fez do candomblé uma ferramenta de preservação e reconhecimento da
culinária afro-brasileira. Pratos como o acarajé, bobó de camarão e abará,
difundidos na cultura popular e presentes na mesa de muitos brasileiros,
resistiram ao tempo graças a sua preservação nos terreiros.
Identidade africana
O antropólogo e babalorixá Vilson
Caetano explica que a comida, ainda na época da escravidão, além de ser um
vínculo dos africanos com sua ancestralidade, era uma forma de lutar contra o
sistema escravista.
“Quando os africanos chegam ao Brasil,
eles estão com a sua identidade e ideia de comunidade fragmentadas pela
escravidão. Eles têm sua família e seu grupo social destruídos. Quando chegam,
são obrigados a sobreviver e reconstruir isso. Nesse processo de reconstrução
da identidade, a comida teve um papel fundamental”, afirma.
Cerca de 3,6 milhões de pessoas
escravizadas foram trazidas para o Brasil entre os séculos 16 e 19, segundo
levantamento de dados realizado pela Universidade de Emory, dos Estados Unidos.
Caetano, que também é professor da
Universidade Federal da Bahia (UFBA), lembra que os africanos já chegaram ao
Brasil com vasto conhecimento de ingredientes e técnicas, como o preparo dos
alimentos no vapor e o flambar.
“Quando esse africano chega ao Brasil,
ele já conhece outras cozinhas e culinárias. Os grupos africanos já tinham
contato com cravo, canela, cardamomo, damasco, as chamadas ‘especiarias’”,
descreve o antropólogo.
O saber acumulado se mistura com os
conhecimentos que adquirem no contato com populações indígenas e é empregado
nas cozinhas, onde a mão de obra negra escravizada foi amplamente utilizada. Em
meio a essa troca cultural, os africanos marcam o processo de construção da
cultura alimentar brasileira.
Preservação da cultura
Além de construir a história da
culinária, o candomblé tem papel importante na preservação de tradições ligadas
à alimentação. Nos terreiros, as receitas, os modos de preparo e ingredientes
foram protegidos do esquecimento e do preconceito.
“Algumas comidas, que estão hoje
presentes nos restaurantes ou nas ruas de cidades como Salvador e Rio de
Janeiro, são comidas que só conseguiram chegar até nós e serem preservadas por
duzentos ou trezentos anos graças à relação que possuem com a religiosidade”,
afirma o babalorixá.
Para Nega Duda, também é preciso
reconhecer a importância que tem o candomblé contra a apropriação cultural de
elementos afro-brasileiros. Como exemplo, ela cita o acarajé, chamado por
alguns de “bolinho de jesus”.
“O acarajé não é o bolinho de jesus. O
acarajé vem de 'acará', que significa bola de fogo; e 'jé' significa comer. É
comer bola de fogo. Esse acarajé é da religião de matriz africana. Ele tem
dono. É de Iansã e de Xangô, é do povo de santo”, defende.
Segundo o Censo Demográfico de 2010, a
‘religião dos orixás’ é praticada por cerca de 600 mil brasileiros, mas o dado
é tido como subnotificado por seus praticantes.
De acordo com dados do Disque 100
obtidos pelo jornal O Globo, no ano de 2018 foram feitas 213 denúncias de
intolerância a religiões de matriz africana no país. Frente ao preconceito, o
candomblé segue presente no cotidiano como forma de resistência.
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Com informações do Brasil de Fato.
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