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A antropóloga altaneirense Josyanne Gomes é colunista do Blog Negro Nicolau. (FOTO/Arquivo de Josy). |
Estamos todos e todas nós que pensamos
doentes de um sentimento, que apesar de incomodar muito e causar desconforto e
tédio, não sabemos ao certo como nomear. Há pessoas que chamam esse mal estar
de “Doente de Brasil”, o que eu concordo em partes e, adiante pretendo falar
sobre isso. No entanto, é válido lembrar que não é só o Brasil que tem nos
adoecido. Incertezas, Caos, Desesperança, Depressão, Náuseas, Angústia, Crises,
enfim, é uma mistura de coisas negativas que assola o globo.
Acompanhar as notícias de um modo geral nos
adoece. E aqui é preciso sinal de advertência e muito cuidado para a
interpretação que faremos desse comentário, em nenhum momento estou dizendo que
informação não deve ser levada em conta e/ou que acompanhar as notícias faz mal.
A questão está no modo como lemos determinada informação e, sobretudo naquilo
que fazemos com essa informação.
Via de regra, informações deveriam servir
para orientar posicionamentos minimamente pensados e ajudar na formação de
opiniões menos pessoais. Groso modo, quanto mais informação – melhor. Aqui,
antes de prosseguir nesse argumento que tenho levantado gostaria de pontuar
duas coisas elementares: primeiro – informação é algo diferente de conhecimento.
Segundo – nem tudo que consumimos do ponto de vista de alimento das ideias
corresponde de fato aquilo que nos (in) forma, a maioria das matérias, posts,
veiculação de mídias áudio visuais e textuais, cumpre apenas a função de fazer
circular coisas e não propriamente de passar uma mensagem.
Uma vez tendo dito que, informação e
conhecimento são coisas distintas convém, ao menos, salientar essa diferença.
Informação é referente aquilo que constituímos como base de referência e
organização de dados que coletamos a partir de diversas fontes. Ou seja, faz
parte de um conjunto de ideias que reunimos através de buscas rápidas, em
plataformas virtuais ou não, a informação tem um caráter mais instantâneo e
urgente, enquanto o conhecimento não.
Conhecimento diz respeito a toda uma gama de
possibilidades de reflexões, posicionamentos e argumentos, que somos capazes de
construir ao longo da nossa vida. O conhecimento está atrelado a um repertório diversificado
e amplo de referências, que vamos agregando e somando conforme nossas vivências
pessoais e, são eles: livros que lemos, congressos que participamos, pessoas
que conhecemos, lugares que visitamos, e etc. Em linhas gerais, conhecimento é
equivalente a processos, ou seja, processos de construção de uma nova visão de
mundo, ou de novas visões de mundo, o que requer tempo, investimento, dedicação
e estar aberto/a para as mudanças.
Talvez o mal estar que temos enfrentado
ultimamente esteja associado a um desejo de mudança latente que tem sido
brutalmente barrado por um poder tradicional, conservador e ditador, instaurado
no Brasil. E aqui posso ser acusada de anacronismo histórico, ou pouco
relativista, por essa tentativa de comparação entre contextos diferentes. Refiro-me
a uma ditadura de consciência, a eleição de Bolsonaro, aqui no Brasil,
representa uma ameaça gravíssima a qualquer tipo de manifestação de pensamento
crítico que possa ser expressado.
Nós incorremos ao erro de estarmos o tempo
todo repetindo o óbvio e reforçando redundâncias. Depois de 2019, nós voltamos
no tempo, retrocedemos como sociedade democrática e falhamos como seres humanos,
e isso não é mimimi apenas. Se a gente parar para pensar que é necessário dizer
que a Terra NÃO é Plana, que Vacina protege de doenças, que a poluição ambiental
é igualmente problema social, que queimadas não são e nem foram provocadas por
ciclistas, que Educação é investimento e não gastos, que Ideologia de gênero
não existe, que peixe não desvia coisa nenhuma do óleo, e por aí vai. São
tantas coisas bizarras e sem sentido que a gente tem que escutar hoje em dia,
que uma hora outra, mais cedo ou mais tarde, o cérebro não suporta tanta (des)
informação e, ao invés de tentar avançar no conhecimento a gente permanece
estagnado e retrocede cada vez mais, para não dizer que se acomoda e se
acostuma.
É lamentável dedicar anos e anos da nossa
vida, buscando construir um repertório adequado de comunicação e tentar promover
a reflexão, num país onde a febre do momento é dizer “Se Bolsonaro venceu as
eleições sem participar de nenhum debate político, você pode obter aprovação no
ENEM, sem ter estudado”. A ideologia bolsonarisma prega que o caminho mais
fácil é não fazer nenhum tipo de caminho, afinal “Brasil acima de tudo, e Deus
acima de todos”. Quando se admite que um ser totalmente descontrolado, que
grava vídeos durante a madrugada para dar respostas a uma emissora de TV, que
estava fazendo seu trabalho, e não investigando carreiras particulares, assuma
o cargo mais alto na hierarquia de uma nação, é preciso conversarmos sobre
isso, porque reside aí, no mínimo, um problema.
Talvez a expressão não seja “Doente de
Brasil”, mas doente de bolsonarismo, a doutrina desse sujeito é altamente
perturbadora. Seu plano de (des) governo desde o inicio foi não ter planos, aliás,
seu único plano é ferrar com o Brasil. Mas olha só que paradoxo não é mesmo? O nacionalista capitão e cristão que
venceu as eleições em cima de uma indústria das fake News e propagava defender
valores morais e cristãos, após a vitória contradiz tudo o que ele mesmo
dizia/fingia ser. Ou, será que era só fake?
A doutrina bolsonarista ataca fortemente a
Educação, sua religião é pregar o ódio, intolerância e ignorância contra quem
pensa diferente e expõe esse pensamento. Me parece que em certo sentido,
entramos numa espécie de máquina do tempo, longe de ser somente uma metáfora, essa
analogia não é de todo algo ruim para ser descartada, sem maiores
problematizações. Bolsonaro nos faz reafirmar o que julgávamos superado e
encerrado por pesquisas acadêmicas e contribuições científicas, tudo isso
porque ele é o próprio anti ciência. Seus discursos prontos, decorados, e
carregados de clichês fora de moda, ecoam como uma súplica entre a população
que se acha aspirante a burguesia e almeja conquistar o mundo. Tal qual como
numa profecia do messias ou quem sabe através de super poderes de um capetão,
ops capitão.
Diante disso, não é de se espantar que o
famoso “Jeitinho Brasileiro” obtenha ressignificações reais em 2019, século
XXI, e seja lido como “você vai conseguir sem precisar se esforçar muito, não
se preocupe, tudo dará certo”. Ou, “para que esquentar com isso, tem gente que
ganha uma nota e nunca fez faculdade na vida”. Não raro, escutamos aos quatro
cantos, que estudar não dá dinheiro, uma vez vivendo numa sociedade
capitalista, é como se automaticamente a educação deixasse de ser um valor. Logo,
para quem busca estudar, é inevitável não viver na incerteza da própria
consciência e se questionar se o que estamos passando é uma viagem na máquina
do tempo ou estamos procurando nos encontrar em meio aos caos?
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Josyanne
Gomes é graduada em Ciências Sociais pela Universidade
Regional do Cariri (URCA), mestre em Antropologia Social pela Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), professora e colunista do Blog Negro
Nicolau.
Muito bom Josyanne. O Fascismo também ganhou uma roupagem nova (ñ moderna) e se apresenta como solução para os inimigos imaginários que ele mesmo cria e propaga. Lembrei da "corrosão do caráter", mas uma corrosão não provocada pelas mudanças no trabalho mas pelas mudanças sociais.
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