(FOTO/ Pedro Ladeira/Folhapress). |
A oposição
teve um momento "Bolsonaro" com o pastelão causado pelo deputado Zeca
Dirceu (PT-SP) – que disse em audiência na Comissão de Constituição e Justiça,
nesta quarta (3), que o ministro da Economia, Paulo Guedes, é
"tigrão" com os trabalhadores e "tchutchuca" com o poder
econômico. Não é necessário conhecer o funk do Bonde do Tigrão para entender o
que significa a comparação. Enfurecido, Guedes respondeu que "tchutchuca é
a mãe, tchutchuca é a avó!", exigiu respeito e o tempo fechou e, com ele,
a audiência. A quinta série foi ao delírio.
Não
há como escrever esse parágrafo e não se sentir meio ridículo, considerando que
a história foi o apogeu de um debate sobre a Reforma da Previdência – que, se
aprovada, define um projeto de país para os próximos anos. Tão ridículo quanto
foi atender a um telefonema de um colega de um veículo de comunicação
estrangeiro interessado em uma tradução – o mais fiel possível – do termo
"tchutchuca".
Debate
que levantou pontos importantes, mas que passou por cima de outros tantos. Para
tratar de dois temas que interessam ao assalariado rural, por exemplo. Quando o
governo afirma, por exemplo, que quase não há variação na sobrevida após os 65
anos entre estados mais ricos e mais pobres, ignora que há diferenças
consideráveis entre as regiões rurais pobres e urbanas ricas de cada estado. E
quando a oposição dá mais ênfase à questão da idade mínima como problema dos
mais pobres, mas pouco questiona sobre o impacto da mudança de 15 para 20 anos
de contribuição mínima para uma sociedade com grande informalidade.
Voltemos
às declarações, tema do texto. Desde Primeiro de Janeiro, elas estão mais à
vontade para fugir dos protocolos institucionais e seguirem correndo alucinadas
pelas redes sociais. Gestadas no Congresso Nacional, no Itamarati, no Ministério
da Educação, no Palácio do Planalto, na Câmara dos Vereadores do Rio de
Janeiro, elas têm chocado. Ora cumprindo seu intento de distrair, ora para
mobilizar regimento digitais – ou mesmo na forma de sincericídios e de
guerrilhas contra o bom senso.
Tanto
que, enquanto Paulo Guedes destilava ironia, sarcasmo e cinismo sobre os
deputados, embalando conteúdo em arrogância ("Quem acha que [a reforma]
não é necessária é um problema sério. É caso de internamento. Tem que
internar", disse o ministro), não muito longe dali, outro ministro, o da
Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, fazia uma de suas últimas manobras para
tentar permanecer no cargo diante de sua incompetência transbordante.
Considerando
que nos devaneios de seu chefe, não houve golpe em 1964, nem ditadura militar,
ele anunciou que pretende mudar os livros didáticos para resgatar "uma
versão da história mais ampla".
Isso
encontra eco na polêmica afirmação de Kellyanne Conway, ex-assessora do
presidente Donald Trump. Questionada sobre a declaração de seu chefe, de que
sua cerimônia de posse tinha sido a maior da história, apesar das fotos
mostrarem que isso não se sustentava, afirmou a Chuck Todd, da rede de TV NBC:
"Você está dizendo que é uma mentira. Nosso chefe de imprensa, Sean
Spicer, apresentou fatos alternativos a isso". O jornalista respondeu
corretamente que "fatos alternativos não são fatos. São falsidades".
O
mesmo se aplica a este caso. Versão mais ampla? Não, apenas mentira.
Vivemos
tempos bicudos. Em que, para o presidente da República, a culpa pela subida na
taxa de desemprego, que alcançou 13,1 milhões de pessoas, é da metodologia do
IBGE. Não admira, portanto, que não tenha apresentado políticas para resolver o
problema, ele prefere torturar os números para que falem a verdade que deseja
ouvir. Da mesma forma, ao afirmar que o nazismo era um movimento de esquerda,
passa pano para os grupos de extrema direita responsáveis por fazê-lo renascer
no Brasil e no mundo e que espancam a população LGBTT, negros, judeus, entre
outros.
Se o
debate público fosse mais qualificado, políticos, empresários e a sociedade se
sentiriam motivados a usar da boa e educada argumentação até para não serem
humilhados coletivamente ao exporem argumentos ruins, preconceituosos e
superficiais. O que temos contudo, é que o discurso violento e opressor – mais
palatável e que mexe com nossos sentimentos mais primitivos – ecoa e repercute.
Esse discurso basta em si mesmo. Não precisa de nada mais do que si próprio
para ser ouvido, entendido e absorvido.
m um
debate qualificado quem usa esses argumentos nem seria ouvido. Contudo, fazem
sucesso na rede. Colam rápido, colam fácil. Pois, vale lembrar, quanto mais
qualificado o debate em um universo que não sente a necessidade de um debate
qualificado, menor a arena para consumi-lo. Lembrando que "qualificação"
não significa elitização, muito pelo contrário. Não é algo chato,
hipercodificado, barroco ou acadêmico e sim que ajude o público a perceber a
complexidade do mundo em que vive e o ajude a construir sentido coletivo das
coisas. Ou seja, que o ajude a fazer política.
O
nível do debate público está baixando. E vai puxando a sociedade com ele. (Por
Leonardo Sakamoto, em seu Blog).
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