Bolsonaro. (FOTO/Divulgação). |
Bolsonaro
acredita que foi eleito para empreender uma Cruzada, no significado medieval da
palavra. Quer libertar o país tanto de um comunismo inexistente quanto de
comportamentos e costumes progressistas – que, em sua opinião, são a origem do
mal. Por isso, dedicou boa parte de seus 100 primeiros dias de governo para
travar, através das redes sociais, épicos combates contra malignas golden
showers e perversas cartilhas de saúde para adolescentes com ilustrações de
órgão sexuais.
Mas
também tentou reescrever a História, defendendo que o nazismo era de esquerda,
que não houve golpe, nem ditadura militar e que a democracia é uma concessão
das Forças Armadas ao país. E, orgulhosamente, demonstrou vassalagem a Donald
Trump e, ao seu lado, disse que Estados Unidos e Brasil estão irmanados contra
a "ideologia de gênero", o "politicamente correto" e as
"fake news". Que, como todos sabemos, são os reais problemas da nação.
sso
não é só cortina de fumaça com objetivos políticos ou exagero para manter
seguidores excitados e prontos para a batalha virtual. Bolsonaro realmente
acredita nisso por mais ridículo que pareça. Alimentado por paranóias e teorias
da conspiração, muitas de suas ações seguem pelo caminho iluminado pela
filosofia superficial do polemista de extrema direita e astrólogo Olavo de
Carvalho. De seu retiro na Virgínia, o guru da família nomeou dois cavaleiros
para ajudar Bolsonaro em sua missão medieval –
um no ministério da Educação e, outro, no de Relações Internacionais. E,
vendo que os militares tentavam conter as bizarrices presidenciais, entrou em
guerra contra eles. Diante dos taques contra os generais que fazem perto de seu
governo, chamou-os de "bando de cagões". Bolsonaro, em silêncio,
consentiu.
O
presidente não está genuinamente interessado na Reforma da Previdência ou mesmo
em privatizações de setores estratégicos. Quase botou água no chope da venda da
Embraer para Boeing, por exemplo. Apenas quem acredita em Coelho da Páscoa e
Papai Noel também caiu no conto da conversão liberal na economia do capitão
reformado que começou a carreira defendendo interesses sindicais dos militares.
Contudo, sabe que nem cruzada ou mesmo ele se sustentam apenas com o apoio dos
seguidores fanáticos nas redes sociais. Ainda mais que o general Hamilton
Mourão já mostrou ao grande empresariado e ao mercado financeiro que pode ser
uma alternativa mais racional e está a um impeachment de distância.
Esses
100 primeiros dias também serviram para provar que, confirmando as
expectativas, Jair Bolsonaro é a pessoa mais despreparada a assumir o comando
do Poder Executivo em muito, muito tempo. E olha que a concorrência é dura. Se
ele contasse com um projeto de país, esse despreparo o inviabilizaria. Mas como
o objetivo passa por desconstruir o que está aí, ele ainda tem chances de
realizar seu objetivo com sucesso.
Isso
está adiantado, por exemplo, na questão socioambiental, em que o norte é o
"liberou geral" – dos agrotóxicos a terras indígenas.
Desde
que assumiu, contudo, a população vem perdendo a paciência com ele, o que se
traduz na queda dos índices de aprovação principalmente entre os mais pobres.
Se ainda tivessem emprego, poder de compra e segurança, aceitariam a excêntrica
pauta fiscalizatória do cu alheio. Apenas 32% consideram o governo Jair Bolsonaro
ótimo e bom, segundo pesquisa Datafolha. Outros 30% classificam-no como ruim e
péssimo – a pior avaliação entre presidentes eleitos para um primeiro mandato
desde a redemocratização. Bolsonaro ostentava 49% de ótimo e bom em janeiro,
passando para 39% em fevereiro e 34% em março, segundo o Ibope.
Enquanto
ele combate fantasmas e moinhos de vento, o mundo real segue em compasso de
espera. Diante de uma "febre" de 13,1 milhões de desempregados e
quase 4,9 milhões de desalentados, que desistiram de procurar emprego porque
creem que não vão encontrá-lo, Bolsonaro preferiu comprar briga com o
"termômetro". Ao invés de propor maneiras de fomentar a criação de
postos de trabalho ou capacitar a mão de obra, culpa a metodologia do IBGE pelo
aumento do número de pessoas desocupadas.
Ao
mesmo tempo, nem ele, nem seu governo, apresentaram projetos consistentes para
reduzir as quase 64 mil mortes violentas por ano, de acordo com levantamento do
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Pelo contrário, facilitou o acesso à
posse de armas e seu ministro da Justiça apresentou um pacote legislativo que
terá como um dos efeitos colaterais reduzir a punição de policiais que matam em
serviço.
A
chegada ao poder de um discurso que fomenta a violência, por outro lado, tem
gerado vítimas. Sob Bolsonaro, agentes de segurança e fazendeiros desfrutam de
uma sensação de impunidade.
Relatos
como a execução de Evaldo Rosa dos Santos por militares do Exército diante de
sua família após o carro em que estavam ser alvo de mais de 80 tiros, em
Guadalupe, Zona Norte do Rio de Janeiro, no último dia 7, é um exemplo. A
tortura e chacina de seis pessoas, entre elas, Dilma Ferreira Silva,
coordenadora do Movimento dos Atingidos por Barragens, em Tucuruí, no Pará, a
mando de um fazendeiro é outro. Três teriam sido mortos porque denunciariam
trabalho escravo ocorrido em suas terras. Outros três porque ele queria ficar
com as terras do assentamento onde viviam.
Como
disse aqui no dia 26 de março, Bolsonaro age como se comandasse o
"Ministério da Verdade" – apresentado no romance "1984", de
George Orwell, com a função de ressignificar os registros históricos e qualquer
notícia que fosse contrária ao próprio governo. Para tanto, sua máquina de
guerra nas redes sociais e nos aplicativos de mensagens, fundamental para sua
eleição, continua ligada e é usada para atacar violentamente a imprensa, o
Congresso Nacional, o Supremo Tribunal Federal e qualquer um que critique ao
invés de dizer amém.
O
"Ministério da Verdade", de Bolsonaro, inclui castrar a liberdade de
ensino conquistada desde a redemocratização, com uma intervenções no
significado e no sentido da educação pública. Ao que tudo indica, a troca de
Ricardo Vélez por Abraham Weintraub apenas coloca alguém competente para
executar o serviço. Inclui também enquadrar liberdades conquistadas desde a
Constituição de 1988 e dizer que a sociedade está corrompida e degradada por
conta delas, precisando de refundação. E, claro, que "os direitos
trabalhistas" são privilégios que produzem crise econômica.
O
problema é que um político eleito com uma narrativa antissistêmica, contra tudo
o que está aí, não consegue articular com o políticos que fazem parte do
sistema para aprovar projetos e reformas de forma sem comprometer a imagem de
Conan, o Bárbaro. A questão é que, tendo passado três décadas defumando no
conflito, a ponto de dizer que uma deputada "não merecia ser
estuprada", ele dificilmente será capaz de agir de forma republicana. Para
compensar, ele e seus ideólogos dizem que a população estará ao seu lado e
marchará às ruas para defender suas pautas. Quais pautas? A Reforma da
Previdência? A Carteira Verde e Amarela sem direitos trabalhistas Ahã, Cláudia,
senta lá.
Nestes
100 primeiros dias, o presidente da República acreditou de forma messiânica,
que ao revelar a "Verdade" às pessoas, ela as libertaria. Do jeito em
que as coisas andam, elas podem querer se libertar dele. (Publicado
originalmente em seu Blog).
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