Política, politicagem e indignação seletiva, por Nicolau Neto. (Foto: Lucélia Muniz). |
Certa
vez na casa situada à rua "povo discutindo tudo”, o casal Dório e Febrôncia
estava em um debate sobre política.
-
Eu detesto política. Disse dona Febrôncia.
-
Deixe de besteira. Respondeu indignado seu Dório. E no mesmo instante perguntou
a ela - Você detesta se vestir? Detesta andar descalça? Detesta comer? Quer ver
seus filhos passando fome?
-
Não! Respondeu prontamente. E com um ar de quem não estava entendendo as
provocações de seu esposo, disse: E porque tantas perguntas Dório?
-
Como o porquê das perguntas. Ninguém deve odiar o que nos traz comida, roupas e
calçados. Ninguém deve odiar de onde se pode trazer melhoria para nossa rua.
Nenhuma pessoa deve dizer que não gosta do que pode tirar milhões de pessoas da
miséria, Febrôncia.
-
Eu sei de tudo isso Dório. Mas, não é a política que permite que esses
benefícios aconteçam. Nenhum político está preocupado com o bem-estar do povo.
Ao contrário, eles só se preocupam com o bolso deles e de suas famílias. Não
adianta votar nesse ou naquele, nessa ou naquela candidata, porque todos são
iguais. Olha, o melhor que a gente faz é trocar nosso voto por algum benefício.
Sei lá.... um saco de cimento, cerâmica, telhas, tijolos... Sei lá... dinheiro,
qualquer coisa. Se fizermos isso, perderemos menos. Afinal, quando ele ou ela
chegar na câmara ou na prefeitura, não vão fazer nada em prol do povo mesmo.
Disse com fervor a Dona Febrôncia.
-
Não, mulher. Não deves pensar assim. Falou com uma voz suave o seu Dório.
Quando age assim só irá contribuir para alimentar ainda mais um sistema
perverso de corrupção. Você estará favorecendo a entrada no poder público de
candidatos que, comprando votos, se sentirão na obrigação de não fazer nada
para melhorar a sua cidade. Muitos já fazer isso porque gostam, imagina você
ajudando...
-
Isso é politicagem. Não gosto, disse ela. Aliás, detesto quando chega época de
período eleitoral. Pessoas que nunca andaram em minha rua e agora só porque é
candidato/a se acha no direito de bater em minha porta para pedir voto. Antes
passava por mim e nem um bom dia dava. Se faltasse dez centavos para completar
o dinheiro do quilo de açúcar não vendia e agora vem todo sorridente? Não,
comigo não, afirmou ela.
- Seu Dório, mesmo entendendo que nesse caso
sua mulher tinha razão, falou – Você está certa, mas, olhe. Até mesmo na
politicagem devemos prestar muita atenção. Ela tem muito a nos ensinar. Por
ela, Febrôncia, nós podemos não votar em candidatos com esse currículo que você
citou. Isso que você disse mostra que está antenada na política e na
politicagem. Demostra ainda que tu estás indignada com o que ocorre em nossa
cidade. É muito importante conhecer e investigar a história daquele e daquela
candidata/o. Se procurarmos fazer isso com todos eles não iremos cometer o erro
de, por exemplo, acreditar em todas as suas promessas e mentiras, pois
saberemos que ele e ela quando estiveram no poder nada fizeram. Querem apenas
voltar ao poder ou permanecer nele.
-
Febrôncia, suspira e diz – Dório, desde quando tu entendes tanto desses
assuntos, nunca te via discutir assim?
-
Dório, sorri e responde – a vida nos ensina.
-
Mas, e se nessa história de investigar o
passado do candidato, da candidata descobrimos que não tem em quem votar?,
perguntou ela.
-
Podemos anular o voto, disse ele. Essa é uma das formas que temos de manifestar
nossa indignação com o estado de coisas que se arrasta de há tanto tempo. E
quando você pensa e age assim, demonstra que se estás indignada e revoltada com
muitos e não apenas com um ou dois candidatos só porque é desse ou daquele
partido.
Mas
se ao conhecer a história do candidato, da candidata, resolver votar nele ou
nela, é preciso que saiba que sua função não acaba quando o resultado sai. É
necessário saber cobrar trabalho daqueles em quem votamos. Porque são eles que
irão nos representar para dirigir nossas cidades, nossos estados e nosso país.
São
os vereadores, prefeitos, deputados, senadores que ao serem eleitos com o nosso
voto irão dirigir nossos destinos. São eles que, uma vez colocados no poder
legislativo e executivo, aprovarão leis que podem prejudicar e deixarão de
aprovar outras que poderiam nos beneficiar. São eles ainda que irão fazer leis
em causa própria, completou seu Dório.
-
Então, disse a esposa - a política influi em tudo na nossa vida. Precisamos
redobrar as atenções, principalmente quando estiverem eleitos, afinal, lá
estarão eles ganhando altos salários e, na grande maioria das vezes desviando
recursos. Mas, lá estão também aqueles e aqueles que estão procurando governar
com e para o povo.
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Nicolau
Neto
é professor; palestrante na área da Educação com temas relacionados a história
e cultura africana e afrodescendente, desigualdades raciais, preconceito
racial, diversidade e relações étnico-raciais; ativista dos direitos civis e
humanos das populações negras; membro do Grupo de Valorização Negra do Cariri
(Grunec); membro da Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe
(ALB/Araripe); servidor público no município de Altaneira, diretor
vice-presidente da Rádio Comunitária Altaneira FM e administrador/editor do
Blog Negro Nicolau (BNN).
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