A lenda renova os saberes sobre a pré-história do cariri. (Foto: Divulgação). |
Francisco
Aécio Gonçalves Diniz conheceu a Fundação Casa Grande – Memorial do Homem
Kariri, em Nova Olinda, no Ceará, quando criança. Os criadores da instituição –
o gestor cultural Alemberg Quindins e a arqueóloga Rosiane Limaverde
(1966-2017) – tinham aberto havia pouco o espaço e promoveram um festival de
banda de lata. Diniz, nessa idade, já produzia instrumentos com material
reutilizado, tinha “a imaginação solta, levada pela musicalidade”, e foi com
seu grupo participar do evento.
Desde
então, tornou-se prata da casa. Participou do laboratório de música e acabou se
agregando, como auxiliar, à produção de A Lenda, show inspirado pelos
povoamentos pré-históricos da Chapada do Araripe – na mesma região de Nova
Olinda –, isto é, pelo povo Kariri ancestral. É essa experiência que alimenta
nele, hoje, a vontade de realizar um projeto homônimo, sendo executado com o
apoio do programa Rumos 2017-2018.
“Fiquei estimulado”, afirma Aécio, “a dar continuidade ao trabalho iniciado e
consolidado por Alemberg e Rosiane, a revisitar, adulto, aquilo que aprendi na
infância e, particularmente, a aprofundar os conhecimentos dos saberes, das
histórias e dos valores que me determinaram como músico e integrante da
Fundação Casa Grande.”
Assim,
A Lenda prossegue a pesquisa etno-histórica iniciada pelos fundadores da Casa
Grande, em andamento desde a década de 1980 até hoje, entre trabalhos de campo
e ações de coleta, preservação e comunicação. O projeto atual propõe uma volta
aos locais de onde se extraíram os saberes científicos acumulados no Memorial
do Homem Kariri. Com essa atualização arqueológica, paleontológica,
espeleológica, ornitológica (estudos dos vestígios materiais, dos fósseis, das
cavernas, dos pássaros), pretende-se construir uma série de produtos: uma
publicação com registros das investigações, um documentário, uma exposição de
fotografias, um show, um vinil encartado e um site.
Como
resume o proponente, “A Lenda parte da
reafirmação de que o mito e a arte são as bases da função simbólica da Casa
Grande. O resgate da memória, a valorização cultural do caboclo e a linguagem
artística são vistos como os alicerces da casa, por serem os primeiros
processos criativos iniciados nesse espaço”.
De casa mal-assombrada a casa viva
Diniz
ressalta “a importância e o valor” da
pesquisa de Alemberg e Rosiane. “O legado”
que deixam, diz ele, é “o mapeamento do
território, dos perfis humanos, dos mitos e das lendas, dos sons e das vozes –
a partir dos relatos oníricos e do realismo guardado no inconsciente coletivo
dos caboclos do pé da serra.”
Os
dois pesquisadores, narra Diniz, “descobriram
e desbravaram os caminhos das pedras, aproximaram-se dos sítios arqueológicos e
de seus habitantes. Foram brindados com artefatos indígenas, panelas de barro,
cachimbos, objetos que não pertenciam a eles, mas sim a um povo, ao coletivo”.
A relevância do material coletado parecia exigir uma “destinação pública”. Dessa forma, surgiu a ideia de criar espaço
para acolhê-lo.
O
avô de Alemberg era dono da primeira casa da Fazenda Tapera, propriedade que,
no século XVII, se tornou a cidade de Nova Olinda. Essa residência – que antes
era um ponto de passagem das estradas que conectavam o Cariri ao sertão de
Inhamus e foi dita mal-assombrada – foi reformada e, em 1992, transformou-se na
sede da Fundação Casa Grande. A instituição passou a atuar nos campos da
cultura, da arte, da memória, da comunicação e do turismo, “manteve-se”, fala Diniz, “viva e futurizada”.
“A Casa Grande comemora 26 anos”,
acrescenta ele, “tempo em que sabemos ter
acumulado credibilidade e respeito por parte da comunidade. A cada dia ela se
faz mais presente. Todos os espaços da casa, desde o seu coração, o parquinho,
até a sua origem, o Memorial do Homem Kariri, passando pelos laboratórios de
conteúdo e produção – rádio, biblioteca, DVDteca, gibiteca, TV, teatro –, são
vivenciados não apenas pelos integrantes da instituição, mas também pela
população. Nova Olinda é hoje uma das cidades indutoras do turismo no Ceará.”
Dos Kariri ancestrais aos Kariri atuais
A
história que cabe na Casa Grande, como vimos, é bem maior do que as décadas em
que foi feita a pesquisa. “Quando falamos
de Kariri”, explica Diniz, “falamos
de um povo que aqui viveu. Há datação de sua existência de pelo menos 3 mil
anos antes de Cristo. Falamos de um território Cariri como lugar encantado,
mitológico, que resiste no tempo e dialoga hoje com a modernidade sem perder
sua essência; mantém viva, até hoje, as suas tradições.”
Essas
raízes não só marcam a instituição como o cotidiano e a filiação de quem vive
no Cariri, mas também, conforme expõe o músico, “Alemberg e sua família são remanescentes dos caboclos do pé de serra da
Chapada do Araripe. Povo que traz consigo trejeitos, lendas – e que é contador
dessa história, ainda hoje!”. Ainda mais, “neste terreiro, o âmago do povo Kariri expresso na dança, no canto, na
arte popular, nos brincantes de reisado, nas renovações de fé que dialogam com
a contemporaneidade”.
Para
além disso, existem os Kariri da atualidade, 50 famílias que moram no Sítio
Poço Danta, na cidade de Crato – vizinha de Nova Olinda – no Ceará. Desde 2008,
pelo menos, esses indígenas buscam reconhecimento. Segundo Diniz, visitantes
dessa etnia foram à fundação, “conheceram
o Memorial do Homem Kariri e assim passaram a ter uma melhor compreensão sobre
o território”. A Casa Grande e projetos como A Lenda, portanto, seguem
reatando, por meio da cultura, o passado, o presente, o futuro. (Por Duanne
Ribeiro, no Itaú Cultural).
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