O
processo eleitoral chegou ao fim e colocou no poder um representante da extrema
direita. Jair Messias Bolsonaro não só se elegeu presidente, mas carregou
consigo uma grande lista de deputados e senadores.
O filósofo Carlos Alberto Tolovi, professor da URCA. (Foto: Nicolau Neto/Arquivo do Blog). |
O
resultado das eleições trouxe a cena uma questão fundamental e com ela outras tantas. Quais os desafios do Brasil pós eleição? Quais as
estratégias que devem ser tomadas para que os a margem do poder não sejam cada
vez mais massacrados nesses quatro anos vindouros? Como os movimentos sociais
devem se comportar? É possível um diálogo mais eficiente entre partidos de
esquerda e os movimentos sociais? Como isso deve ser feito para atingir os
menos favorecidos?
Pensando
nisso, o Blog Negro Nicolau (BNN) entrevistou o filósofo Carlos Alberto Tolovi,
professor da Universidade Regional do Cariri (URCA). Tolovi afirma que a vitória de Bolsonaro foi
uma “tragédia” social no Brasil e que ele representou a “construção de uma
narrativa organizada pela direita, que respondia aos desejos e necessidades da
coletividade a partir de um caos produzido intencionalmente. ”
O
filósofo, autor do livro Mito, Religião
e Política. Padre Cícero e Juazeiro do Norte (Editora Prismas), ressalta
que nas disputas ideológica o campo da educação é o mais importante, sendo a
diversidade uma constante ameaça.
“Não podemos nos esquecer que, na guerra ideológica, o campo da educação é um dos mais importantes. Principalmente em um movimento fascista como esse que estamos vendo. A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder que quer ser absoluto. ”, disse.
Leia a entrevista concedida por e-mail ao Blog Negro Nicolau (BNN).
Blog Negro Nicolau (BNN). Você
é conhecido por ser um professor ligado aos movimentos sociais, inclusive os de
linhagem religiosa. No que pese a política partidária usou muito sua rede
social facebook para se manifestar contra o candidato eleito Jair Bolsoanro
(PSL). A que você credita a vitória de Bolsonaro?
Carlos Alberto Tolovi.
Quando um filósofo ou um sociólogo, com bases marxistas como eu, tenta entender
o fato de um candidato de extrema direita se eleger com os votos de grande
número de trabalhadores, nós corremos o risco de responder dentro de um esquema
fechado, que não dá conta do fenômeno ocorrido. Em minha perspectiva, entre os
diversos fatores que contribuíram para essa “tragédia” social no Brasil, eu
coloco uma questão que se encaixa dentro de um padrão universal: sempre que for
possível construir um caos social e a partir do mesmo colocar em destaque uma
narrativa ordenadora, que responda aos desejos e necessidades da coletividade,
é possível produzir um mito. Porém, esse mito sempre nasce com desejo de
sacrifício. E nesse esquema, o sacrificado é sempre aquele que não possui poder
de reação. Neste contexto, Bolsonaro não
era apenas um candidato. Ele era a construção de uma narrativa organizada pela
direita, que respondia aos desejos e necessidades da coletividade a partir de
um caos produzido intencionalmente. Assim, em nome de um reordenamento por meio
de uma moral colonialista, foi possível criar uma “onda devastadora” que
diabolizou e condenou todos os focos de resistência das minorias sociais no
campo da luta de classes. A partir da diabolização do Partido dos Trabalhadores
foi possível rotular de forma condenatória todos os partidos e movimentos de
esquerda em nosso país. Paulo Freire já nos alertava que uma das formas de
dominação e opressão viria da mitologização da realidade.
BNN.
O que esperar de um governo em que o eleito já demonstrou ser contra todos os
direitos das maiorias sociais, porém minorias nos espaços de poder?
CAT. Hoje é muito
comum encontrar pessoas que não votaram em Bolsonaro com o seguinte discurso:
“vamos esperar, quem sabe ele não seja tão ruim como nos parece! Quem sabe ele
nos surpreende?” Por outro lado, os que contribuíram com a sua eleição afirmam:
“ele nem assumiu ainda e vocês já estão condenando!” Em meio a esses discursos,
uma coisa já aprendemos nas lições da história: o que vimos de bom
especificamente para os mais pobres vindo da classe política denominada como
direita? Você poderia destacar uma conquista social, como os direitos da classe
trabalhadora, que não veio com suor e sangue de pessoas inseridas nas lutas
denominadas como esquerda? Pois é! Se Bolsonaro se elegeu canalizando as
energias e investimentos da elite do nosso país, como os banqueiros, os
fazendeiros, os médicos, enfim, os que podem ser chamados de burguesia, o que
podemos esperar desse governo? Que ele traia a classe que o elegeu ou que ele
sacrifique as minorias no campo do poder para saciar a fome dos capitalistas
inescrupulosos?
BNN.
O presidente eleito irá colocar no Ministério da Educação o professor e
filósofo colombiano Ricardo Velez Rodriguez. Ele foi indicado pelo escritor e
jornalista Olavo de Carvalho e teve o apoio da bancada evangélica. É possível
ter uma educação voltada para o reconhecimento e valorização da diversidade
nesse governo?
CAT.
Bem, se foi indicado por Olavo de Carvalho – um intelectual banal e “prostituto” da direita; se foi aprovado
pela bancada evangélica – tendo como referência Edir Macedo e Silas Malafaia,
dois grandes representantes da religião como forma de dominação; e se foi
aprovado por Bolsonaro, então, o que esperar desse ministro? Não podemos nos
esquecer que, na guerra ideológica, o campo da educação é um dos mais
importantes. Principalmente em um movimento fascista como esse que estamos
vendo. A diversidade sempre foi vista como uma ameaça para um sistema de poder
que quer ser absoluto.
BNN.
Houve mudanças no quadro do congresso nacional que foi eleito nessas últimas
eleições. Acreditas que essas mudanças se darão também em ações que beneficiem
aqueles a margem do poder?
CAT. Quando vemos um
ator pornô, um palhaço, e tantos outros personagens que chegaram ao poder na
“onda do golpe”, desencadeado pelo legislativo, apoiado pelo judiciário e
alimentado pela grande mídia, nos perguntamos: o que devemos esperar? Sabemos
que na Câmara dos Deputados e no Senado Federal teremos certamente focos de
resistência em defesa dos que estão à margem do poder. Contudo, se não ocorrer
o fortalecimento e a união dos movimentos sociais, fortalecendo os partidos de
esquerda em nosso país, é muito difícil esperar políticas públicas voltadas aos
menos favorecidos.
BNN.
A grande sacada de Bolsonaro e de seus seguidores eleitos para o campo da
educação é o projeto “Escola sem Partido”. Se aprovado, didaticamente falando
qual o efeito que ele terá?
CAT. Como o campo da
educação está em disputa tendo em vista o controle do Estado, precisamos
desmontar essa narrativa ideológica. Em primeiro lugar, você conhece alguma
“Escola com partido”? Aqueles que sustentam os partidos de direita e extrema
direita em nosso país, propõem uma “Escola sem Partido". Mas, estão fazendo essa
proposta pensando em todas as escolas? É claro que não! Apenas para as escolas
públicas, onde estão as crianças, os adolescentes e jovens dos trabalhadores.
Afinal, é nas escolas que estes poderiam despertar, fazendo uma leitura crítica
da realidade e não aceitando ser mão de obra barata para o mercado de trabalho.
Os dominadores já perceberam que as escolas e Universidades públicas
representam focos de resistência diante de suas propostas de “colonização
moderna”.
BNN.
Certa vez no programa “Esperança do Sertão”, da Rádio Comunitária Altaneira FM,
você chegou a afirmar “quer acabar com a resistência e o poder de organização e
criticidade de um povo"?, "destrua a educação e a cultura". Um
seguidor militar de Bolsonaro e que fala sobre educação chegou a dizer que é
preciso trazer “a verdade” sobre o período da ditadura civil-miliar no Brasil
para os livros escolares. Que efeito prático tem essa frase?
CAT. Somente pela
educação e pela cultura é possível desencadear um processo de colonialidade –
uma forma de colonização da subjetividade. A maneira de fazer o colonizado
assumir a visão de mundo e a defesa do colonizador. Sem esquecer que a moral e
a religião encontram-se nesse campo cultural. Afinal, são duas dimensões
essenciais para fazer o explorado defender o seu próprio explorador, pois o
dominado assume os valores morais da classe dominante.
E
com relação a afirmação do professor sobre a “verdade da ditadura”, nos serve
para refletir sobre esse termo: a verdade. Para um povo que assumiu as verdades
dos invasores e colonizadores, denominados como “descobridores”, não é de se
estranhar uma afirmação como essas. O estranho foi descobrir nessas últimas
eleições a quantidade de professores preconceituosos, machistas e fascistas que
temos em nossas escolas. Nos faz refletir sobre os nossos processos formativos
em nossas Universidades.
BNN.
Bolsonaro já formou seu quadro de ministros que irão exercer suas funções a partir de
janeiro. Qual avaliação você faz dessas escolhas?
CAT. Sem
novidades! Pessoas que desprezam a diversidade, a educação pública, as
políticas públicas, as manifestações culturais e as necessidades dos negros e
dos índios, etc. etc.. Inclusive com Sergio Mouro, para passar uma imagem de um
governo sério. Afinal, se o desejo é o sacrifício dos menos favorecidos para
atender à “necessidade” de concentração de renda, é preciso um “Capitão do
Mato” para caçar os “escravos rebeldes”. É preciso alguém que ajude a conter os
movimentos de esquerda. Por isso tantos militares também no poder.
BNN.
A democracia está em risco com o governo Bolsonaro?
CAT.
Penso que não esteja em risco, mas já profundamente comprometida.
BNN. Fernando
Haddad (PT) foi colocado de última hora para disputar a presidência. No fundo,
a ala petista ainda acreditaria na soltura do Lula. Chegou no segundo turno,
porém não venceu. A escolha do PT em apostar todas suas fichas no Lula foi um
erro?
CAT.
Não creio que o PT acreditava na soltura de Lula. O esquema do golpe foi bem
montado e era preciso tirar Lula do caminho para que o mesmo funcionasse até o
fim. O que o PT não contava era com a eficiência da estratégia do esquema
montado em torno de Bolsonaro. Favorecido pela facada, que justificou a sua
ausência nos debates e possibilitou o seu “silêncio”, alimentando a imagem da
vítima com poder de reação por meio das redes sociais que alimentou
incessantemente o ódio por tudo o que representava a diversidade frente a moral
eurocêntrica.
BNN.
Tu acreditar que Lula é um preso político?
CAT.
Certamente! Porque devemos aderir à campanha do “Lula Livre”? Porque a trama
que envolve a prisão de Lula faz parte de um golpe ainda em curso, com
características de fascismo que, como afirmei anteriormente, compromete a nossa
“jovem” democracia.
BNN.
Guilherme Boulos (PSOL) é tido como a grande aposta do campo da esquerda para
2022, embora tenha tido uma votação inexpressiva. Qual sua avaliação sobre ele?
CAT. Foi o candidato
que mais apresentou um plano de governo que serviria de alternativa viável
frente ao capitalismo neoliberal. Foi quem mais denunciou de forma competente o
sistema hegemônico vigente e quem mais apontou caminhos para a saída desse
impasse gerado equivocadamente pela tentativa de “conciliação de classes”.
Precisamos de alguém que assuma de fato algumas bandeiras socialistas viáveis
nesse momento histórico, e não tenha medo de se assumir representante da
Esquerda, voltado para as necessidades dos menos favorecidos.
BNN.
O aparecimento de Bolsonaro acabou por acender a chama dos movimentos sociais.
Boaventura de Sousa Santos disse em novembro último que os movimentos sociais
são a chave para a reinvenção das esquerdas. Você concorda?
CAT.
Certamente! São os movimentos sociais que alimentam e fortalecem os partidos de
esquerda. São os movimentos sociais que são capazes de desencadear uma
narrativa desmitologizante. São os movimentos sociais que fomentam o
empoderamento das bases, onde se encontram os núcleos de resistência e de luta.
BNN.
Que lição se pode tirar dessas eleições?
CAT.
Um dos maiores erros do PT no poder - entre tantos outros -, foi ter assumido
uma roupagem de conciliador. Enquanto incorporou diversas lideranças sociais ao
poder executivo, acomodando os movimentos e as organizações de base, ofereceu
espaço e tempo para que a elite brasileira formulasse um “golpe fatal”. Diante
disso temos de aprender: a luta pela justiça social e equidade vai muito além
de uma proposta de igualdade. Exige uma cultura de organização das bases,
resistência e mobilizações permanentes.
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