Mia Couto. (Foto: Reprodução/Pensar Contemporâneo). |
Trecho
de discurso proferido por Mia Couto na abertura do ano letivo do Instituto
Superior de Ciências e Técnologia de Moçambique:
“A pressa em mostrar que não se é pobre é, em
si mesma, um atestado de pobreza. A nossa pobreza não pode ser motivo de
ocultação. Quem deve sentir vergonha não é o pobre mas quem cria pobreza.
Vivemos hoje uma atabalhoada
preocupação em exibirmos falsos sinais de riqueza. Criou-se a ideia que o
estatuto do cidadão nasce dos sinais que o diferenciam dos mais pobres.
Recordo-me que certa vez entendi
comprar uma viatura em Maputo. Quando o vendedor reparou no carro que eu tinha
escolhido quase lhe deu um ataque. “Mas esse, senhor Mia, o senhor necessita de
uma viatura compatível”. O termo é curioso: “compatível”.
Estamos vivendo num palco de teatro e
de representações: uma viatura já é não um objecto funcional. É um passaporte
para um estatuto de importância, uma fonte de vaidades. O carro converteu-se
num motivo de idolatria, numa espécie de santuário, numa verdadeira obsessão
promocional.
Esta doença, esta religião que se
podia chamar viaturolatria atacou desde o dirigente do Estado ao menino da rua.
Um miúdo que não sabe ler é capaz de conhecer a marca e os detalhes todos dos
modelos de viaturas. É triste que o horizonte de ambições seja tão vazio e se
reduza ao brilho de uma marca de automóvel.
É urgente que as nossas escolas
exaltem a humildade e a simplicidade como valores positivos.
A arrogância e o exibicionismo não
são, como se pretende, emanações de alguma essência da cultura africana do
poder. São emanações de quem toma a embalagem pelo conteúdo.”
(Com informações do Pensar Contemporâneo).
Este
discurso fora integralmente publicado na obra “E se Obama fosse africano?”
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