Meus
eleitores não desculpam. Não estão nem aí se o vereador ou vereadora dormiu mal
ontem à noite. Não querem nem saber se a cabeça e o pensamento estão em outro
lugar que não no seu trabalho frente a câmara. Pouco estão preocupados com as
falhas humanas e sequer aceitam que errar, mesmo que constantemente, é humano.
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Regimento interno da Câmara: um erro ou uma falácia?, por Nicolau Neto. (Foto: João Alves). |
Outra
vez ia com meus pares andando pelas ruas do centro da cidade e nos deparamos
com duas pessoas que de forma calorosa discutia os casos da última sessão.
Reduzimos os passos para que elas não nos percebessem. Mas só reduzimos de
forma que pudéssemos ouvir um pouco da conversa. Cogitamos chegar o mais
próximo possível e, quem sabe, participar também, pois o assunto nos dizia
respeito. Só cogitamos, pois achamos melhor apenas se aproximar.
Uma
delas dizia:
-
“Não vou mais perder meu tempo ouvindo aquelas sessões. Não sai nada de futuro.
Nada que melhora significativamente a nossa vida. Só falam de casos
particulares, de suas desavenças pessoais”.
A
outra interrompeu e afirmou com toda segurança e desprezo ao mesmo tempo.
“-
E agora entrou na discussão um tal de regimento interno que não sai mais. Que
mal pergunte, mais o que isso que eles tanto falam e que é necessário
segui-lo”?, perguntou.
-
“Ah, o Regimento”..... Disse sua companhia de conversa. “É um documento onde tem tudo o que pode ou
não fazer o vereador, a vereadora. Para exercer com zelo o seu trabalho é muito
importante ler e interpretar o regimento”, concluiu.
-
“Tipo um livro do professor, da professora?”, perguntou a outra.
E
enquanto isso os parlamentares ouvindo tudo.
-
“Isso mesmo”, respondeu a outra. “Olhe, aquele regimento se fosse gente ele já
tinha dado tanto esparro com a surra que leva. É uma vez por semana, mas a dor
é tão grande que vale por um mês de sessão. É tanto parágrafo que lhe
acrescenta. É tanta modificação de palavra. Toda semana surge um regimento
novo. Rasga o antigo porque o lugar que ocupa não mais interesse ficar lendo e
relendo ele. E outra, isso para quem sabe interpretar. Tu sabias que lá tem
gente que nunca leu? É o que deduzimos, porque só não tendo lido para cometer
tantos erros’.
-
“E é?”, perguntou desapontada a outra.
-
“E toda semana é isso. E piora quando as picuinhas, quando o lado pessoal fala
mais alto. Imagina você que 97% - talvez mais – das sessões só é isso. Tem
pessoas lá que não é exemplo para ninguém, mas parece que quando chega na
câmara incorpora um personagem ético, que luta pelas causas sociais e que nunca
cometeu nenhum erro. Outros e outras ainda que pouco apresentou projetos e
requerimentos que beneficiem o povo, mas lá se faz de bom samaritano, de Madre
Tereza de Calcutá”.
E
os parlamentares só observando.
-
“Nesse caso o regimento interno é um erro, né?, porque toda semana eles
constroem um?”, perguntou aflita a sua companhia de diálogo que ouviu
atentamente a explicação.
-
“Não’, respondeu. “Na verdade, ele é uma falácia”.
-
“Falácia”?, questionou a outra.
-
“Sim. Veja bem”, disse a outra pessoa. O regimento é uma falácia na medida em
que os vereadores e vereadoras não o leem. E quando o fazem interpretam-no com
um raciocínio errado com uma aparência verdadeira e propositalmente é bom que
se diga. Ou seja, eu uso o regimento quando me convêm”.
-
“Ah, entendi”, disse.
-
“Então, errados e erradas são eles, são elas e não o regimento. Errados e
erradas porquê eles e elas independentemente do lado partidário que estão devem
se unir e fazer mais, muito mais por quem são seus verdadeiros patrões e que,
portanto, pagam seus salários”.
-
“E quem são”? Perguntou a outra pessoa.
-
“Nós”, respondeu.
Os
parlamentares não quiseram mais ouvir a conversa e retornaram por outro caminho
dizendo – Nosso maior erro é continuarmos agindo assim.
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Nicolau Neto é professor; palestrante na área da
Educação com temas relacionados a história e cultura africana e
afrodescendente, desigualdades raciais, preconceito racial, diversidade e
relações étnico-raciais; ativista dos direitos civis e humanos das populações
negras; membro do Grupo de Valorização Negra do Cariri (Grunec); membro da
Academia de Letras do Brasil/Seccional Araripe (ALB/Araripe); servidor público
no município de Altaneira, diretor vice-presidente da Rádio Comunitária
Altaneira FM e administrador/editor do Blog Negro Nicolau (BNN).
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