Ex-presidente da Funai devolve medalha do mérito indigenista após a mesma ser concedida a Bolsonaro

 

Sydney devolveu a medalha junto a uma carta de repúdio pela concessão do mérito a Bolsonaro (Reprodução)

A concessão da Medalha do Mérito Indigenista ao expoente máximo dos ataques aos direitos indígenas, Jair Bolsonaro repercutiu negativamente e gerou revolta. Por considerar que a honraria perdeu toda sua razão de ser, o ex-presidente da Funai e etnógrafo, Sydney Ferreira Possuelo, devolveu nesta quinta-feira (17), a medalha que recebeu 35 anos atrás. Por muito conhecimento, é considerado uma autoridade em relação aos povos isolados.

Em carta endereçada ao ministro da Justiça, Anderson Torres, que dentre outras personalidades controversas, concedeu o prêmio a si mesmo, Sydney descreve que lhe causou espanto a notícia de que Bolsonaro havia sido agraciado.

Quando deputado federal o senhor Jair Bolsonaro em breve e leviana manifestação na câmera dos deputados afirmou que ‘a cavalaria brasileira foi muito incompetente. Competente sim foi a cavalaria norte-americana que dizimou seus índios no passado e hoje em dia não tem esse problema no país.

Ressaltando até mesmo o desapego de Bolsonaro ao que lhe parece tão caro, que é a carreira militar, Sydney ressalta que ao expressar sua crença e seus desejos, ofendeu a memória do Marechal Rondon e por extensão, do Exército Brasileiro.

Dediquei minha vida ao trabalho de defender os direitos humanos de uma parcela da humanidade que vive em outro tempo histórico, mas que compartilha com a sociedade envolvente o mesmo tempo cronológico”.

Ele relata ao atual ministro, que se orgulha da tarefa que recebeu em 1991, do então ministro Coronel Jarbas Passarinho, de demarcar em nome do governo brasileiro, a Terra Indígena Yanomami. Meus companheiros e eu, da Fundação Nacional do Índio (Funai), a cumprimos”.

E conclui, dizendo que a concessão do Mérito Indigenista a Bolsonaro é uma contradição em relação a tudo que viveu.

E a todas as convicções cultivadas por homens de estatura dos irmãos Villas Boas. Por essas razões, senhor ministro, devolvo ao governo brasileiro por seu intermédio, a honraria que, no meu juízo de valores, perdeu toda razão pela qual em 1972 foi criada pelo presidente da República.

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Com informações da Mídia Ninja. Clique aqui e leia a carta na íntegra.

Tia Simoa definiu os rumos da abolição da escravidão no Ceará

 

Tia Simoa. (FOTO/ Reprodução).

A Preta “Tia Simoa” foi uma negra liberta que, ao lado de seu marido (José Luís Napoleão) liderou os acontecimentos de 27, 30 e 31 de janeiro de 1881 em Fortaleza – Ce , episódio que ficou conhecido como a “Greve dos Jangadeiros”, onde se decretou o fim do embarque de escravizados naquele porto, definindo os rumos para a abolição da escravidão na então Província do Ceará, que se efetivaria três anos mais tarde. No entanto, apesar de sua importante participação para a mobilização popular que impulsionou os acontecimentos, esta mulher negra teve sua participação invisibilizada na história deste Estado onde, ainda hoje, persiste a falsa premissa da ausência de negros.

As mulheres negras cearenses são comumente indagadas sobre sua origem e constantemente remetidas à Bahia, principalmente se não submetem seus cabelos a processos de alisamento. Esta não aceitação de nossa identidade se deve a cruel associação do negro à condição de escravo, que no caso do estado do Ceará, teve seu processo diferenciado das principais capitanias importadoras de mão de obra escravizada devido a suas condições climáticas e geográficas, o que não significa dizer que aqui não tiveram escravos ou que não existiram negras e negros livres, a exemplo da “Tia Simoa” que, além de liberta lutou pela liberdade de seu povo, evidenciando uma expressiva característica da população negra (escravizada ou liberta) deste período que ultrapassa a visão dicotomizada entre o conformismo e a resistência, pois demonstra “uma experiência construída historicamente pela etnia negra” (FUNES) estabelecida através de sua sociabilidade, engajamento e luta inserida em seu cotidiano.

A ausência desta documentação histórica se repete no tocante as demais lideranças negras que atuaram no restante do país como Luíza Mahin (Ba), Mariana Crioula (Rj), Tereza de Benguela (Mt) dentre tantas outras que poderiam figurar na lista de resistência e resiliência negra feminina mas que são invisíveis na historiografia oficial do país, bem como na história do feminismo brasileiro que desconhece o extenso histórico de enfrentamento político e social da mulher negra no Brasil. A omissão desta representação na história oficial perpetra o imaginário social e destina, controla e manipula a subjetividade desse contingente significativo de mulheres no Ceará, assim como no restante do Brasil que, além de não veem suas demandas específicas inseridas no debate sobre feminismo também não se percebem nos principais embates simbólicos travados no bojo dessa importante organização política.

Atrelando o conceito de gênero ao de “raça”, onde ambos descartam o discurso biologizante das diferenças para se deterem ao campo semântico do conceito abreviado de “mulher negra”, devemos considerar que este é, sobretudo, um conceito determinado pela estrutura da sociedade e pelas relações de poder que a conduzem. Dessa forma, conhecer a história de Simoa, mulher negra cuja história está submersa entre os escombros da memória é, pois, estabelecer um sentido de pertencimento a um grupo social historicamente invisibilizado no estado do Ceará. Ao sabermos da influencia que as representações históricas exercem na organização social poderemos compreender de que forma o discurso, inserido no pensamento social, contribui para a construção das relações que se estabelecem neste meio.

Ao eleger os sujeitos de uma representação histórica, estamos exercendo o que Bourdieu chama de “poder simbólico” (2006, p.14), pois estamos nomeando um objeto constituído na enunciação. Compreendendo o discurso como campo de exercício deste poder e, portanto, como instrumento de dominação, ele assim se efetua ao tomar reconhecimento e se concretiza ao tornar-se uma representação social ideologicamente estruturada, vindo a contribuir significativamente para a construção da realidade.

Com isso quero dizer que, ao buscar conhecer a estrutura socioeconômica dos responsáveis pela produção e reprodução deste discurso, podemos entender como se formaram as configurações ideológicas acerca da imagem da população negra no Ceará, sobretudo no discurso do período pós-abolição, onde se elegeu os sujeitos para representarem o movimento abolicionista ao mesmo tempo em que sepultava a memória dos “atores” esquecidos. É por meio do poder simbólico que a historiografia oficial tende a forjar a “não presença” de negras e negros no estado do Ceará e, assim, a naturalizar essa invisibilidade por meio da reprodução deste discurso no âmbito educacional perpetrando o imaginário social.

É, portanto, percorrendo o itinerário oposto que buscamos desvendar os elementos para compor nossa representação histórica a partir do protagonismo de mulheres negras que tiveram sua participação omitida nos discursos sobre a série de ações de resistência e de enfrentamento à escravidão, como no caso do movimento abolicionista no Ceará que resultou em uma abolição pioneira no Brasil e que este mês completa 130 anos, nos levando, mais uma vez, a refletir sobre os desdobramentos deste processo no bojo dos discursos que se sucederam. Da mesma forma, a omissão sobre o protagonismo de mulheres negras ao longo da história do Brasil se reproduz no tocante a história oficial do feminismo brasileiro.

Ao voltar o olhar para o feminismo brasileiro percebemos as profundas desigualdades que se reproduzem em suas contradições internas, principalmente quando visto a partir da dimensão racial, ao desconhecer e desconsiderar o duro processo de aprendizagem em busca da construção da identidade da mulher negra. É necessário, portanto, avançar diante destas e outras contradições específicas através de um denso questionamento da lógica estrutural da sociedade, onde estará presente o racismo.

É neste sentido que buscamos reescrever nossa história, para que possamos nos reconhecer como sujeitos em nosso próprio discurso e, assim, fortalecer os laços de nossa identidade através da organização coletiva. Pouco sabemos sobre a vida da Preta “Tia Simoa”, que de forma quase que despercebida passa as vistas dos historiadores, constando apenas um minúsculo relato sobre sua participação na Greve dos Jangadeiros de janeiro de 1881 (GIRÂO, 1984, p.104), o que demonstra a dívida histórica deste país para conosco.

Contudo, Simoa representa para nós uma visão alternativa de mundo ao mesmo tempo em que propõe para todos novas discussões acerca das estruturas sociais tradicionais, nos permitindo a reconfiguração de uma realidade social. Em nome dela, saudamos a todas as negras invisíveis na história e nos fortalecemos no eco de suas vozes silenciadas para dizer que aqui estamos e que daqui, do Ceará, falamos em inúmeras primeiras pessoas e dizemos que ainda há muito que se contar. Nossa história apenas começou.

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Texto de Karla Alves, publicado no Blog em 5 de novembro de 2018 com o titulo “Personalidades Negras que Mudaram o Mundo: Tia Simoa

Relações África-América Latina: o legado de Desmond Tutu

 

O arcebispo Desmond Tutu durante ato de comemoração dos 60 anos da assinatura da Declaração Universal dos Direitos Humanos. (FOTO/ Mike Hutchings/Reuters).

O falecimento do arcebispo anglicano sul-africano Desmond Tutu, em 26 de dezembro de 2021, nos faz recordar o pouco interesse latino-americano em temas africanos. O fato mereceu um espaço reduzido nos diários e noticiários televisivos da região.

Noticiou-se um tanto vagamente o falecimento de um “símbolo da luta contra o apartheid ao lado de Nelson Mandela e ganhador do Prêmio Nobel da Paz”. No dia seguinte, vida que segue. Não parecia que havíamos perdido um dos maiores lutadores, pensadores e líderes religiosos de nossa época.

Estamos longe de entender e se interessar pela África. Isto ocorre mesmo no Brasil, país de maioria negra e com o maior contingente populacional com raízes negro-africanas fora do continente. Que dizer de outros países da nossa região?

As relações entre Brasil e África vêm se desfazendo nos últimos anos, enquanto os contatos dos outros países latino-americanos com aquele continente nunca se aprofundaram – com a notável exceção de Cuba.

Celebrar o legado de Tutu seria um caminho simples para informar e ir além de temas como apartheid, guerra civil, fome, novas variantes do coronavírus e golpes militares – basicamente o que se notícia sobre o continente na imprensa latino-americana. Em particular, seria uma forma de destacar a importância do pensamento africano e seu impacto global.

FUNDADOR DA TEOLOGIA NEGRA AFRICANA

Tutu foi muito mais que companheiro de Mandela na luta contra o apartheid. Trata-se de um dos fundadores da Teologia Negra Africana, com inspiração na Teologia Negra norte-americana, que teve como principal expoente o reverendo Martin Luther King Jr.

Também na Teologia da Libertação Latino-Americana, iniciada em 1968 na Conferência Episcopal de Medellín e desenvolvida por Gustavo Gutiérrez e Leonardo Boff, entre outros. O arcebispo sul-africano foi mais um a demonstrar que é possível construir uma igreja ombro a ombro com os oprimidos.

Sobre estas filiações, Tutu afirmou que a igreja na África deve se comprometer com a causa da libertação. Para ele, Deus era o grande Libertador, o Deus do Êxodo que conduziu uma turba de escravos para fora do cativeiro e os libertou.

Daí derivou sua defesa da libertação total dos “filhos de Deus”, em nível político, social e econômico. Enfatizando sua inspiração em fontes latino-americanas, apontou que a teologia negra é a teologia do oprimido, uma teologia de libertação. E foi baseado em sua teologia que o arcebispo se posicionou contra o apartheid. Segundo ele, “a Bíblia acabou sendo o livro mais subversivo imaginável numa situação de injustiça e opressão”.

INSPIRADOR DA MODERNA IDENTIDADE SUL-AFRICANA

Para o bem e para o mal, Tutu foi um dos fundadores da identidade da África do Sul pós-apartheid, com a Comissão da Verdade e Reconciliação que ele presidiu e com sua ideia de uma “Nação Arco-íris”.

O que ele chamou de “justiça restaurativa” foi a base da comissão da verdade sul-africana, pensada como elemento central da pacificação, reconstrução e unificação do país.

Funcionando de 1995 a 1998, ela constituiu-se numa das principais experiências mundiais de comissões da verdade, ao condicionar a anistia a um depoimento público do requerente, no qual a principal exigência deveria ser “contar a verdade” sobre os crimes para os quais solicitava anistia.

O elemento mais elogiado naquele processo foi sua condicionalidade, evitando a oferta indiscriminada de anistia (e esquecimento) característica de casos como o brasileiro. O ponto mais contestado foi a limitada reparação dos crimes (ao contrário do que ocorreu em casos como o argentino), na medida em que enfatizou a exposição pública dos violadores de direitos humanos e o registro e construção de uma memória coletiva.

Neste contexto, Tutu insistiu na necessidade de “perdão, mas não de esquecimento”. Para justificá-lo, lançou mão de dois argumentos. Um se baseou em sua já mencionada leitura de esquerda do cristianismo: a necessidade de libertação tanto do opressor quanto do oprimido.

Outro argumento foi apresentar a justiça restaurativa como uma “jurisprudência tradicional africana”. Sua preocupação não passaria por retribuição ou punição, mas por curar violações, corrigir desequilíbrios, restaurar relações rompidas. Ela buscaria reabilitar tanto a vítima quanto o perpetrador, a quem deve ser dada a oportunidade de ser reintegrado à comunidade que ele feriu com sua ofensa.

A esta necessidade de reconciliação, Tutu conectou sua ideia da África do Sul como a “Nação Arco-Íris”, proposta associada ao multiculturalismo tão em voga naquele momento. Esta ideia de uma nação que englobaria todas as cores sem necessidade de que elas se diluíssem assumiu um papel importante na nova identidade nacional, penetrando fundo na autoimagem da África do Sul dos primeiros anos pós-apartheid.

O pluralismo social e étnico herdado pelo país não seria um entrave para seu desenvolvimento, mas sua maior riqueza. Tutu defendia que aquele Estado podia se viabilizar como nação.

FORMULADOR DO UBUNTU

Outra proposta defendida por Tutu era o ubuntu, do qual se tornou o principal divulgador global – conectando-o a outros valores que defendeu nas últimas décadas ao lado de personalidades como o Dalai Lama, como o ecumenismo e a cultura de paz. Ubuntu seria uma forma de garantir a coesão de uma sociedade profundamente dividida e desigual, marcada pela violência e pela opressão, constituindo-se na possibilidade de convivência dos antigos opressores e oprimidos.

Como dito, se um dos pilares de Tutu era o cristianismo de libertação, o outro era a herança africana na qual o ubuntu se insere. Para o arcebispo, ubuntu é um elemento central da visão de mundo africana. Nesta concepção, a vida de todas as pessoas é interligada, bem como a humanidade se integra à natureza e cada geração se integra às anteriores e às que virão.

Tutu definia o conceito através do provérbio “uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”. Para ele, “uma pessoa com ubuntu se afirma pelos outros, não se sente ameaçada se os outros são capazes e bons; ela tem uma garantia que vem de saber que ela pertence a um todo maior e é diminuída quando outros são humilhados ou diminuídos, quando outros são torturados ou oprimidos, ou tratados como se fossem menos do que são. O que desumaniza você inexoravelmente me desumaniza”.

Tutu entendia ubuntu também como expressão de uma nostalgia universal por um paraíso perdido, originada na nossa expulsão do Jardim do Éden. Se a humanidade vivencia um processo centrífugo de alienação, haveria em contrapartida uma divina força centrípeta que impele à comunidade, à reconciliação, à justiça, que viria desde o “princípio dos tempos”.

Tutu levou o ubuntu para o mundo, contribuindo para sua transformação num conceito da moda. Ubuntu inspirou sistema computacional, literatura de autoajuda, prática de coaching e lições de empreendedorismo. Aliás, nisto se aproxima de outro conceito original do Sul Global, o “bem viver” latino-americano. Mas, para além de estranhas reapropriações, o sucesso global do ubuntu é mais um indicativo da importância do pensamento de Tutu para a contemporaneidade.

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Por Fabricio Pereira, na Folha de São Paulo e reproduzido no Geledés.

Órgãos de combate ao trabalho escravo correm risco de extinção

 

(FOTO/ Ministério Público do Trabalho).

Uma decisão do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) pode levar a desativação de varas trabalhistas nas cidade maranhenses de Timon, Pedreiras e Açailândia, que é o terceiro município do país com o maior número de trabalhadores encontrados em regime análogo à escravidão.

As varas trabalhistas do Maranhão atuam no combate ao trabalho escravo em fazendas do agronegócio, carvoarias e também no comércio varejista, segundo o Centro de Defesa da Vida e dos Direitos Humanos de Açailândia.

As três varas com risco de serem extintas atendem uma área com 25 cidades. Os trabalhadores terão que se deslocar por mais duas horas e meia para chegar em Imperatriz. Essas extinções vão favorecer fazendeiros e empresários que exploram trabalho escravo”, afirma Yonná Luma, do Centro de Defesa, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.

De acordo com a resolução 296 do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, as varas com menos volumes de novos processos devem ser aglutinadas a outras varas. O objetivo é organizar a estrutura da Justiça do Trabalho. Todo mês de janeiro, os tribunais regionais devem elaborar a lista das varas com total de novos processos igual ou inferior a 50% da média das varas daquele tribunal. O prazo para deslocá-las para outra cidade ou apresentar justificativas contrárias ao plano de reorganização é de 60 dias.

No levantamento feito pelo Tribunal Regional do Trabalho (TRT) do Maranhão, levando em conta apenas o volume de novos processos, Açailândia, Pedreiras e Timon ficaram na lista de varas a serem extintas e o trabalho incorporado à vara de Imperatriz.

O deslocamento destas três varas do trabalho para Imperatriz representa um retrocesso ao direito de acesso à justiça trabalhista'', diz o juiz Carlos Eduardo Evangelista Batista dos Santos, titular da Vara do Trabalho de Açailândia.

Santos é presidente da Associação dos Magistrados do Trabalho da 16ª Região e destaca a importância da atuação das varas trabalhistas na fiscalização e proteção dos trabalhadores nas áreas mais afastadas.

O Estado do Maranhão é, reconhecidamente, local de origem de muitos trabalhadores usados como mão de obra submetidos ao trabalho escravo contemporâneo”, argumenta.

Trabalhador levou tiro na nuca por cobrar pagamento

Na primeira semana de março, um trabalhador levou um tiro na nuca por cobrar o pagamento de salários atrasados em Cidelândia, cidade maranhense próxima das divisas com o Pará e Tocantins. Após o crime,  o Ministério Público do Trabalho, a auditoria-fiscal e a Polícia Federal realizaram uma operação na cidade e resgataram quatro trabalhadores. O homem que havia levado o tiro na rua precisou se fingir de morto para depois fugir e pedir a juda.

Segundo representantes do Ministério Público do Trabalho, um dos resgatados foi um idoso de 62 anos, que precisou de atendimento médico porque apresentava fortes sintomas gripais. Exames laboratoriais confirmaram que se tratava de covid-19, agravada por desnutrição e desidratação. O idoso atuava como caseiro e vigia há mais de um ano em troca de alimentação e moradia na fazenda São Sebastião.

Cidelândia é uma das oito cidades que fazem parte da área de atuação da vara de Açailândia. Entre 2008 e 2020 foram encontradas, só no Maranhão, 3.457 pessoas submetidas ao trabalho escravo, 825 delas na cidade de Açailândia.

Em todo o Brasil, Açailândia é o terceiro município em número de trabalhadores resgatados nessas condições, ficando atrás apenas de São Félix do Xingu (PA) e São Paulo (SP).

O que diz o Tribunal Superior do Trabalho

A Alma Preta Jornalismo procurou oTribunal Superior do Trabalho (TST) e questionou sobre a resolução que pode resultar na extinção de varas do trabalho em regiões com grande histórico de trabalho escravo.

Segundo o tribunal, a norma estipulada em junho de 2020 não pretende estimular que os Tribunais Regionais do Trabalho extingam Varas do Trabalho. A norma, na verdade, estimula que os TRTs façam uma avaliação da estrutura para o melhor aproveitamento de locais com baixo movimento para melhorar o fluxo do trabalho em toda a região.

O TST informou também que os Tribunais Regionais do Trabalho serão acompanhados pelo Conselho Superior da Justiça do Trabalho e devem enviar ao Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT) os planos de tratamento sobre a resolução.

No dia 23 de fevereiro, o presidente do TRT-MA, Francisco José de Carvalho Neto, pediu para retirar o plano de extinção das varas a pauta de votação do dia 23 de fevereiro, após ter conversado com o presidente do CSJT e ponderado sobre as argumentações contrárias à extinção. Porém, no dia 4 de março, um despacho do próprio Carvalho Neto incluiu o plano de extinção na pauta de votação para o dia 24 de março.

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Com informações da Alma Preta.

Quilombos: resistência ao escravismo

 

(FOTO/ Reprodução).

Clóvis Steiger de Assis Moura (1925-2003), militante negro, intelectual orgânico da classe trabalhadora e o mais destacado cientista social nos estudos raciais no Brasil nos legou obras frutíferas sobre o escravismo no Brasil, dentre elas Sociologia do negro brasileiro, Rebeliões da senzala e agora reeditada pela Editora Expressão Popular Quilombos: resistência ao escravismo. Este é um texto clássico e atual de Clóvis Moura sobre os quilombos como unidade básica de organização e resistência das trabalhadoras e trabalhadores negros contra o escravismo, publicado em 1993, reeditado pela Expressão Popular em parceria com a Andes- Sindicato Nacional. O autor apresenta a análise histórica sobre a formação do escravismo brasileiro com relevância numérica em todo território nacional, o que diferencia do escravismo nos Estados Unidos e na América Latina, cuja contradição principal era a exploração da força de trabalho dos negros e negras africanos escravizados pelos senhores. E desde então a questão racial está associada à estruturação da sociedade brasileira escravista colonial, formação do capitalismo dependente no Brasil.

O autor estuda as formas de rebeldia, de revolta e de resistência construída por negros e negras para destruição do escravismo colonial, desde as fugas coletivas, os justiçamentos, as guerrilhas até a construção dos quilombos. Ele demonstra a expansão de quilombos por todo o Brasil com o aumento da exploração e da violência colonial. E descreve as relações econômicas, políticas, sociais e culturais dos quilombos na luta de classes nacional e internacional. O autor aprofunda no sentido das rebeliões negras, como a Revolta dos Malês na Bahia, e da República de Palmares, o quilombo alagoano que resistiu por quase cem anos numa experiência pioneira de emancipação, dentre outras.

Uma obra atual sobre a questão racial, sob a perspectiva da luta de classes, com a retomada histórica do sentido revolucionário do quilombo como unidade organizativa dos trabalhadores negros e negras rebelados contra a escravidão. Ou como bem afirmou Angela Davis: “Ao colher o fruto das lutas do passado, vocês devem espalhar a semente de batalhas futuras”. Um livro para estudantes, professores, pesquisadores e militantes sociais se armarem do sentido revolucionário da teoria da quilombagem de Clóvis Moura para construírem um país livre, de igualdade racial e emancipado, tal qual a República de Palmares.

Trechos do texto

Palmares foi a negação, pelo exemplo de seu dinamismo econômico, político e social, da estrutura escravista-colonialista. O seu exemplo era um desafio permanente e um incentivo às lutas contra o sistema colonial em seu conjunto. Daí Palmares ter sido considerado um valhacouto de bandidos e não uma nação em formação. A sua destruição, o massacre da serra da Barriga, quando os mercenários de Domingos Jorge Velho não perdoaram nem velhos nem crianças, o aprisionamento e a eliminação de seus habitantes e, finalmente, a tentativa de apagar-se da consciência histórica do povo esse feito heroico foram decorrência de sua grande importância social, política e cultural.”

Daí podemos ver que a estratificação dessa sociedade, na qual as duas classes fundamentais – senhores e escravos – se chocavam, era criada pela contradição básica que determinava os níveis de conflito. Em outras palavras, a classe dos escravos (oprimida) e a dos senhores de escravos (opressora/dominante) produziam a contradição fundamental. Essa realidade gerava a sua dinâmica nos seus níveis mais expressivos. Dessa forma, os escravos negros, para resistirem à situação de oprimidos em que se encontravam, criaram várias formas de resistência, a fim de se salvaguardarem social e mesmo biologicamente, do regime que os oprimia. Recorreram, por isso, a diversificadas formas de resistência, como guerrilhas, insurreições urbanas e quilombos. É dessa última forma de resistência social que iremos nos ocupar. Ela representa uma forma contínua de os escravos protestarem contra o escravismo. Configura uma manifestação de luta de classes, para usarmos a expressão já universalmente reconhecida”.

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Com informações da Expressão Popular.

“O Brasil vive em situação de guerra”, afirma Coalizão em audiência federal sobre a fome

 

(FOTO/Sheila Carvalho/Coalizão Negra por Direitos).

A Frente Parlamentar Mista de Combate à Fome realizou uma audiência pública federal para debater o assunto e construir um comitê emergencial para desenvolver estratégias de superação do problema no país. A Coalizão Negra por Direitos fará parte do comitê.

Durante a sessão, Douglas Belchior (Uneafro-Brasil) sinalizou para a situação de insegurança alimentar vivida pelo país e agravada pela pandemia. “O racismo impõe situação de calamidade à vida do povo negro, e naturalmente quando uma situação dessa [pandemia] acontece, há um aprofundamento da tragédia. O Brasil vive em situação de guerra, pelas mortes da Covid e a fome generalizada”.

Dados divulgados em 2021 pela Rede Pessan sinalizam que 20 milhões de brasileiros dizem passar 24h ou mais sem comer e 55% da população, cerca de 116 milhões de pessoas, sofrem algum tipo de insegurança alimentar.

O vice-presidente da câmara federal, Marcelo Ramos, destacou o papel articulador da câmara federal e o desejo da instituição de potencializar as ações já existentes por parte da sociedade civil. “Nós queremos fazer links para potencializar as ações de vocês”, disse.

Ele propôs, durante a audiência, a criação de uma emenda à Constituição (PEC) que viabilize a destinação de um percentual mínimo de todas as emendas parlamentares para o combate à fome. Marcelo Ramos afirmou ter coletado assinaturas de colegas da casa para apresentar a PEC.

A fome como um problema histórico do Brasil foi apontada por Iêda Leal, presidenta do Movimento Negro Unificado (MNU). Para ela, é preciso “chamar o povo agora, neste momento, para acabar com todas as injustiças deste país. Chama o povo que ele sabe o que deve ser feito”

Realizada na câmara, no dia 16 de março, a audiência foi coordenada pelo vice-presidente da câmara, Marcelo Ramos (PSD-AM). Estavam presentes também o deputado Célio Moura (PT-TO), Coordenador da Frente de Combate à Fome, e o deputado Padre João (PT-MG), Coordenador da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional.

A Coalizão Negra por Direitos participou da audiência, representada por Iêda Leal (MNU), Biko Rodrigues (CONAQ), Douglas Belchior (Uneafro), Sheila Carvalho (Instituto de Referência Negra Peregum), e Mariana Andrade (Frente de Mulheres Negras do DF).

Durante a pandemia, a Coalizão Negra por Direitos arrecadou cerca de R$ 25 milhões, convertidos em cestas básicas e alimentos, entregues em quilombos e bairros de periferia. De acordo com a organização, foram mais de 50 mil pessoas que doaram para a campanha “Tem gente com fome”.

Entre as organizações da sociedade civil presentes, estavam o Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD), a FAO, Organização das Nações Unidas para Alimentação e a Agricultura, a Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (Contag), entre outras. O Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (IPEA) também participou da audiência.

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Com informações da Alma Preta.

Após repercussão negativa, mineradoras abandonam defesa de PL que atinge terras indígenas

 

Caetano Veloso e outros artistas reuniram milhares de pessoas contra retrocessos ambientais em Brasília - Mídia Ninja.

Gigantes da mineração com atuação no Brasil - como Vale, Vallourec, Samarco, Rio Tinto e Anglo American - voltaram atrás no apoio ao Projeto de Lei (PL) 191/2020, que autoriza a exploração mineral em terras indígenas.

Por meio de nota do Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram), as empresas se pronunciaram nesta terça-feira (15) contra a aprovação do texto, uma das agendas legislativas prioritárias do governo de Jair Bolsonaro (PL).

Segundo o comunicado, o projeto "não é adequado para os fins a que se destina" e deveria "ser amplamente debatida pela sociedade brasileira, especialmente pelos próprios povos indígenas".

O posicionamento contraria um artigo em defesa do PL 191/2020 assinado pelo diretor-presidente do Ibram, Flávio Ottoni Penido, e publicado pela Folha de S.Paulo em fevereiro de 2020. "Para o Instituto Brasileiro de Mineração (Ibram) (...) a iniciativa é adequada e deve ser apoiada pelos brasileiros", escreveu Penido.

"A aprovação desse projeto de lei trará segurança jurídica e condições de competitividade para as mineradoras direcionarem seus eventuais investimentos em terras indígenas", continua o texto de autoria do presidente do Ibram publicado há dois anos.

Repercussão negativa

A pressa pela aprovação do projeto repercutiu negativamente na opinião pública. No dia 9 de março, a Câmara aprovou a tramitação em regime de urgência. Enquanto isso, do lado de fora do Congresso, um protesto liderado pelo cantor e compositor Caetano Veloso reunia artistas e manifestantes contra a iniciativa. 

Antes da mobilização, Bolsonaro afirmou que o conflito na Ucrânia é uma “boa oportunidade” para liberar a atividade nas áreas indígenas, em função da redução da oferta de fertilizantes produzidos na Rússia.

Embora represente um recuo na defesa do PL, o comunicado mais recente do Ibram reafirma que a "mineração industrial pode ser viabilizada em qualquer parte do território brasileiro", desde que amparada pela legislação. 

Leia na íntegra o comunicado do Ibram do dia 15 de março de 2022

"O Ibram (Instituto Brasileiro de Mineração) entende que o PL 191/2020, encaminhado pelo poder Executivo ao Congresso Nacional, não é adequado para os fins a que se destina, que seria regulamentar o dispositivo constitucional que prevê a possibilidade de implantação de atividades econômicas em terras indígenas como geração de energia, produção de óleo, gás e mineração. ...

Uma vez que a mineração em terras indígenas está inscrita na Constituição Federal, artigos 176 e 231, a sua regulamentação precisa ser amplamente debatida pela sociedade brasileira, especialmente pelos próprios povos indígenas, respeitando seus direitos constitucionais, e pelo parlamento brasileiro.

O Ibram considera que a mineração industrial pode ser viabilizada em qualquer parte do território brasileiro, desde que condicionada aos requisitos de pesquisa geológica, estudos de viabilidade econômica, licenças ambientais embasadas em estudos e outras autorizações previstas em lei, de modo a preservar a vida e o meio ambiente, em especial na Amazônia, evitando o desmatamento.

No caso de mineração em terras indígenas, quando regulamentada, é imprescindível o CLPI (Consentimento Livre, Prévio e Informado) dos indígenas. O CLPI é um princípio previsto na OIT 169 e em uma série de outras diretivas internacionais, o qual define que cada povo indígena, considerando sua autonomia e autodeterminação, pode estabelecer seu próprio protocolo de consulta para autorizar as atividades que impactem suas terras e seus modos de vida.

É importante destacar que o Ibram condena qualquer atividade de garimpo ilegal em terras indígenas, na Amazônia ou em qualquer parte do território nacional, e acredita que esta atividade deve ser rigorosamente combatida e seus promotores responsabilizados penalmente. A preservação da Amazônia é condição necessária para as discussões de todos os temas relativos à mineração no Brasil."

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Com informações do Brasil de Fato.

A capoeira é feminina: mestras falam da prática como símbolo de luta para mulheres negras

 

"Estamos aqui para recontar essa história e resgatar as nossas falas" | Foto: Dindara Paz/Alma Preta Jornalismo.

No mês das mulheres, mestras de capoeira da Bahia buscam transformar os debates dentro da prática histórica que, ao longo do tempo, foi predominantemente ocupada por homens. Com o avanço das pautas de gênero e a inclusão de lideranças femininas, a história da capoeira tem sido reestruturada por mulheres negras que pretendem resgastar a identidade ancestral e também lutam pela valorização de grupos vulnerabilizados, como a população LGBTQIA+.

Apesar dos avanços, dados ainda apontam a urgência em discutir estratégias para combater a desigualdade de gênero na capoeira. No Brasil, estima-se que 35% dos praticantes de capoeira são mulheres, no entanto, a ocupação do público feminino na condição de mestra ainda é reduzido quando se considera a capoeira de angola, tipo mais tradicional.

Quando se busca pela representatividade das mulheres negras nesta tradição, poucas são as pesquisas e dados que demonstram a representatividade feminina, especialmente das lideranças negras, segundo aponta a capoeirista Viviane Santos, mais conhecida como contramestra Princesa.

Em busca de romper com o epistemicídio atribuído aos saberes ancestrais da população negra, mestras tem buscado criar movimentos de resgate identitário alinhado com a luta das mulheres e a importância do debate da diversidade na capoeira como forma de denunciar práticas machistas, sexistas e LGBTfóbicas.

"As mulheres não estão na capoeira só agora. Elas estão há muito tempo. Só que a presença das mulheres foi invisibilizada pela história. Então, estamos aqui para recontar essa história e resgatar as nossas falas", diz a contramestra Princesa, capoeirista há quase 30 anos e integrante do Movimento Karapaça e do coletivo Mestras e Contramestras.

A capoeirista e historiadora Mestra Janja destaca o papel fundamental das mulheres negras na história da capoeira e aponta a necessidade de reconhecer as assimetrias de gênero dentro do movimento, a exemplo dos privilégios das mulheres brancas em detrimento das mulheres negras.

"A partir do momento em que a capoeira se evidencia como um fenômeno cultural internacional, isso possibilitou que algumas famílias rompessem seus próprios preconceitos em deixar que suas filhas entrassem para a capoeira. Com isso, elas vão acabar ocupando muitos espaços porque, obviamente, tem mais privilégios assegurados do que as mulheres negras, ou seja, elas têm mais tempo para treinar, tem mais condição para se deslocar, não precisa inserir a capoeira como uma atividade quádrupla ou de quíntupla jornada", explica a historiadora.

Mestra Janja, que pratica há 40 anos,  atua do Departamento de Estudos de Gênero e Feminismo na Universidade Federal da Bahia (UFBA), também aponta que o reconhecimento dessas pautas tem ampliado o debate feminista dentro da capoeira.

"Esse espaço é desigual e evidencia muito as assimetrias intragênero e isso vem sendo provocado por muitas de nós como um dos maiores focos das nossas atenções", completa Mestra Janja.

'Respeita as Mina na Capoeira'

Por meio de oficinas e rodas de conversa, mestras, contramestras e capoeiristas da Bahia e do Brasil lançaram a campanha 'Respeita as Mina na Capoeira', como forma de realizar atividades e alertas contra práticas machistas, sexistas e LGBTfóbicas dentro do movimento.

Dentre as discussões, representantes e mestras veem a importância de colocar as mulheres negras como protagonistas na história da capoeira, tidas como fundamentais para o mantimento da prática.

"É um movimento de colocar essas mulheres à frente, reconhecendo seus papéis, seus saberes, e o que elas trazem enquanto desafios para a história recente da capoeira, entre elas a violência no interior da capoeira", diz Mestra Janja.

O lançamento da campanha fez parte do 1º Festival de Capoeira: Ancestralidade e Resistência, idealizado pelo Capoeira em Movimento Bahia, que teve como objetivo o fortalecimento da capoeira em suas diversas expressões e vertentes, dando visibilidade à prática e reconhecendo o papel de homens e mulheres que fazem parte da história do movimento, considerado patrimônio cultural brasileiro.

Para a contramestra Princesa, a expectativa é que a campanha possa servir de instrumento para o fortalecimento das lutas interseccionais que também perpassam pelo movimento.

"A gente está na expectativa que isso aqui gere outras ações, que ligue um alerta para a galera que ainda não entendeu que precisam se engajar. A capoeira são lutas diversas, porque a gente é resistência também", afirma a contramestra.

Mestra Janja também aponta quais os caminhos que ainda precisam ser feitos para que a capoeira possa ser uma aliada no combate às opressões contra as mulheres, sobretudo as mulheres negras.

"A capoeira não perde nada quando as mulheres assumem lugares de liderança e de poder, que, ao contrário, elas são extremamente responsáveis por todo esse processo de internacionalização da capoeira e o que a gente quer é falar por nós", finaliza.

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Com informações da Alma Preta.