12 de junho de 2025

"Estamos perdendo a luta para o racismo", diz professor Nicolau Neto em oficina de letramento racial

 

Professor Nicolau Neto ao lado de professores (as), do Grêmio Estudantil e de Lideranças de Sala na EEEp Wellington Belém de Figueiredo pó oficina de letramento racial. (FOTO | Professot Talita de Morais).

Por Valéria Rodrigues, Colunista

A Escola Estadual de Educação Profissional Wellington Belém de Figueiredo, em Nova Olinda-CE, aderiu ao curso de letramento racial – práticas antirracistas pensado e desenvolvido pelo professor Nicolau Neto.

O curso, como disse o professor Nicolau, está dividido em módulos e o que foi apresentado na escola faz parte de um recorte deste em formato de uma oficina. O momento teve como foco "a mestiçagem como ideologia de branqueamento: políticas migratórias no Brasil Imperial e como essa prática contribuiu para estimular o racismo" e iniciou agradecendo a escola por ter aderido ao curso em nome do diretor, o professor Assis.

Junto a professores e professoras, ao Grêmio Estudantil e as lideranças de salas, o professor destacou o que se pretendia:

Identificar a relação entre os movimentos migratórios e a política de 'branqueamento da raça' durante o período imperial e como isso contribuiu para o desenvolvimento de políticas governamentais e legislações racistas ao longo da história brasileira, além de demonstrar que é possível superar esse imenso desafio por meio de meio de práticas educacionais antirracistas (Nicolau Neto durante a formação, 12/06/25).

A oficina foi desenvolvida em cinco momentos. Inicialmente, ele destacou a mestiçagem como um projeto de poder, como uma ideologia de branqueamento da população brasileira implementada pela elite dirigente e que se baseava na ideia de que era necessário embranquecer o país (tornar a população branca mesmo) através das políticas migratórias entre século XIX e meados do século XX. Para fundamentar essa discussão, Nicolau usou o congresso universal das raças em 1911 (Londres), em que o Brasil foi representado pelo médico e diretor do Museu Nacional, João Batista de Lacerda. Em texto científico, Lacerda trabalhou a tese "Sobre os mestiços" em que ele defendia que em três gerações pelos efeitos da imigração e da biologia, o Brasil seria branco.

Ele usou em seus argumentos o quadro do pintor Modesto Brocos, denominada de Redenção de Cam e que foi contruida em 1895. Ela ilustra bem os moldes da construção do branqueamento: A postura da avó, negra retinta, que olha para o céus e faz um gesto de gratidão pela neta, esta já branca e de olhos azuis. A mãe, já mestiça, bem mais clara que a avó. Perceba o olhar do pai, este branco, orgulhoso ao ver a filha também branca, como uma sensação de 'dever cumprido. '

Para Nicolau, essas teorias científicas, mesmo não tendo base na ciência, foram muito propagadas e alimentadas pelo governo brasileiro à época que estava desejoso em purificar o Brasil através da destruição da população negra. As consequências lá atrás e hoje são desastrosas, como por exemplo, a negação da sua própria identidade racial.

No segundo momento, o professor Nicolau trabalhou leis racistas implementadas no país antes, durante e pós o fim legal da escravidão em 1888. A primeira delas foi a Nº 1, de 14 de janeiro de 1837, considerada a primeira lei de Educação no Brasil em que se proibia negros e negras de frequentarem às escolas. Em seguida, falou sobre a lei de terras (Nº 601, de 18 de setembro de 1850), dificultando que negros adquirissem terras e favorecendo a concentração fundiária.

E o pós-abolição?

Como ficou a população ex-escravizada pós 13 de maio de 1888?, ingadou Nicolau. Sem comida, sem moradia, sem terra e sem trabalho. Como se isso não bastasse, construiu-se leis para negar o acesso a educação e criminalizar suas histórias, seus hábitos e costumes, a exemplo da Lei dos Vadios e Capoeiras, presente no código penal brasileiro através do decreto Nº 847, de 11 de outubro de 1890. Por ela, a capoeira estava proibida. E esta proibição, disse Nicolau, reflete uma tentativa de controle social do Estado Brasileiro sobre o Negro e serviu para que a polícia prendesse todos os negros que encontrasse pelas ruas.

Não bastava só criminalizar a cultura negra, é preciso ainda negar o direito à educação. Isso foi proposto na 1ª lei de cotas no Brasil (conhecida como Lei do Boi, Nº 5.465, de 3 de julho de 1968) com o objetivo de aprofundar as desigualdades, pois beneficiava somente filhos de fazendeiros na medida em que reservava nos estabelecimentos de ensino médio agrícola e nas escolas superiores de agriculturas e veterinária, 50% das vagas a candidatos filhos de proprietários ou não de terras e que morassem na zona rural e 30% a filhos de proprietários ou não de terras que residissem em cidades ou vilas que não possuíssem estabelecimentos de ensino médio.

Feitas essas discussões, Nicolau trabalhou com o professor e escritor Silvio Almeida a respeito das três concepções de racismo: individual, institucional e estrutural. Almeida destaca que essa classificação se fundamenta em três critérios:

1º - relação entre racismo e subjetividade;

2º - relação entre racismo e Estado;

3º - relação entre racismo e economia.

"Para Almeida (2021)", pontuou Nicolau, "só se pode falar em um racismo institucional, porque essa imposição de regras e de padrões racistas dentro de cada instituição está ligada a uma ordem social, externa, que ela quer preservar. Dito de outro modo, os espaços de poder são racistas porque a sociedade também o é".

Dessa forma, o racismo individual está ligado ao comportamento de cada um que precisa ser combatido no aspecto jurídico; O institucional se refere ao funcionamento das instituições, dos espaços de poder que passa a agir direta e indiretamente para promover privilégios a poucos e desvantagens a muito tendo como único critério a raça. São, por tanto, Instituições homogeneizadas por grupos brancos que usam de mecanismo das próprias instituições para ter seus interesses políticos e econômicos atendidos.

Por fim, o estrutural envolve questões políticas, econômicas, sociais, culturais, educacionais e religiosas. Para cada uma dessas formas de racismo, Nicolau exemplificou.

Na parte final da oficina, o professor trabalhou com os caminhos possíveis para superar o racismo e promover a valorização da história e cultura negra, elencando, inicialmente, várias legislações que demonstram um esforço nesse sentido. Trouxe para a discussão, por exemplo: Lei nº 7.716/1989, que tornou o racismo um crime imprescritível e inafiançável; Lei nº 12.711/2012, conhecida como a lei de cotas raciais nas universidades e institutos federais (pretos, pardos, indígenas); A sanção pelo presidente Lula do projeto de Lei 1.958/2021, que aumenta para 30% as vagas de concursos públicos para pessoas pretas, pardas, indígenas e quilombolas. Lei Nº 12.288, De 20 De Julho de 2010 (Estatuto da Igualdade Racial); Lei 10.639/2003 (História e Cultura Africana e Afro-brasileira nas escolas) e Lei 11.645/2008 (História e Cultura Africana, Afro-brasileira e indígena nas escolas).

"Todas essas leis demonstram duas questões primordiais: a primeira é o reconhecimento de que somos um país racista; A segunda é a de que estamos em uma corrida contra o tempo para superar esse grande desafio", destacou ele. "Mas apesar dos esforços e de algumas conquistas importantes, como as que trouxemos aqui, temo que não seja suficiente. Estamos perdendo a luta para o racismo. E isso é fruto do não tratamento dessa questão com a seriedade que ela merece. Fica muito a cargo de um professor, de uma professora trabalhar com a temática. As escolas brasileiras ainda engatinham mesmo passadas mais de duas décadas da lei 10.638. Outras, sequer, deram os primeiros passos e continuam fiel a um modelo eurocêntrico", comentou. "Por isso que estamos perdendo a luta para o racismo que se reverbera, inclusive, dentro das salas de aula. E não podemos perder essa luta", disse.

Nicolau ainda demonstrou suas praticas antirracistas em sala de aula destacando que o fato dos livros didáticos não terem conteúdos da história negra e indígena da forma correta, não o impede de discuti-los com os (as) estudantes. E exemplificou com um plano de curso bimestral para os 1º anos do ensino médio em que os conteúdos tratavam das civilizações africanas na antiguidade: Reinos Núbios, Imério Axum e Cartago.

Para o professor Cícero Wéllio, da Geografia, e que ficou responsável por mediar a atividade, "o momento foi muito significativo. A ação e o trabalho do professor Nicolau repercute não só em Altaneira e em Nova Olinda, mas em muitos outros municípios."

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!