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Anielle Franco assumiu o Ministério da Igualdade Racial (Foto: Ton Molina/Fotoarena/Estadão Conteúdo). |
A
nova ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, tomou posse do
cargo nesta quarta-feira (11) com um discurso marcado de lembranças
de sua irmã, a vereadora Marielle Franco, assassinada em 2018, e
sobre a luta pela inclusão de pessoas negras.
A
cerimônia aconteceu em conjunto da posse da ministra dos Povos
Indígenas, Sonia Guajajara. Os eventos de ambas estavam marcados
para segunda-feira (9), mas devido aos atos golpistas nos prédios
dos Poderes precisaram ser remarcados.
Leia
abaixo a íntegra do discurso da ministra Anielle Franco:
Gostaria
inicialmente de saudar a todas, todes e todos os presentes e realizar
os cumprimentos formais me dirigindo ao Presidente Lula e sua esposa
Janja, a nossa presidenta Dilma e cumprimento as autoridades
ministeriais aqui presentes em nome das minhas colegas
excelentíssimas ministras (Ministra Luciana Santos, Margareth
Menezes, Esther Dweck, Nísia Trindade, Cida Gonçalves, Ana Moser,
Marina Silva, Simone Tebet, Daniela Carneiro e minha companheira
nesta cerimônia, a Ministra Sônia Guajajara).
Antes
de começar meu discurso, eu preciso agradecer a algumas pessoas.
À
minha família, por todo suporte, carinho e cumplicidade,
especialmente aos meus pais Marinete e Toinho, ao meu esposo Fred, às
minhas filhas, a minha sobrinha Luyara e também a minha irmã
Marielle Franco, em nome de quem eu aceitei este desafio. Obrigada
por serem minha base e sustentação. Obrigada por toda paciência e
cuidado. Obrigada por me fazerem ser a minha melhor versão a cada
dia.
Agradeço
àquelas que vieram antes de mim, as minhas mais velhas, às minhas
irmãs de alma, mulheres negras que seguraram a minha mão desde o
dia 14 de março de 2018 e que nunca mais soltaram. Em especial Sueli
Carneiro, Lúcia Xavier, Jurema Werneck, Conceição Evaristo, Angela
Davis, Vilma Reis, Vanda Menezes, Bianca Santana, Benedita da Silva,
Nilza Iracy, Pamella Passos, Fátima Lima, Janaína Cardoso, Marcelle
Decothe, Flavia Oliveira, Rachel Barros, Glaucia Marinho, Regina
Adami e tantas outras que permanecem comigo.
Agradeço
também e saúdo, em nome da minha amiga Talíria Petrone, todas as
pessoas, em especial mulheres negras, que se disponibilizaram a
seguir na linha de frente da política institucional mesmo depois de
tanta dor.
Agradeço
ao Padre Gegê e Mãe Leiria que vem me acompanhando e guiando nessa
caminhada.
Agradeço
à equipe do Instituto Marielle Franco, que sem elas nada teria sido
possível nesses últimos 4 anos, e que foram fundamentais, nos
ajudando a realizar essa travessia do luto à luta. Além das
parceiras e parceiros que nos ajudaram a plantar essa semente, a quem
comprimento referenciando aqui os queridos Pedro, Átila, Marcelo,
André, Henrique, Carô, Carol Proner e Carol Lourenço.
Agradeço
em especial o GT de transição pelo precioso trabalho realizado, em
tão curto tempo, e que nos servirá de horizonte para orientar as
nossas pautas e ações nos próximos anos.
Agradeço
também a equipe com quem tenho trabalhado incessantemente desde
antes da posse para construir o Ministério da Igualdade Racial que a
população brasileira merece. É uma honra e uma responsabilidade
muito grande suceder nomes como Matilde Ribeiro, Martvs Chagas, Edson
Santos, Elói Ferreira Araújo, Luiza Bairros e Nilma Lima Gomes,
pessoas a quem dirijo a minha mais sincera deferência e admiração.
Quero
aproveitar esse momento para apresentar a vocês e saudar nossas
futuras secretárias e equipe do ministério: Roberta Eugênio, que
assumirá a Secretaria Executiva do Ministério, Flávia Tambor, que
topou a missão de ser nossa Chefe de Gabinete, Márcia Lima, que
aceitou comandar a Secretaria de Políticas de Ações Afirmativas e
Combate e Superação do Racismo, Iêda Leal, que estará à frente
da Secretaria de Gestão do Sistema Nacional de Promoção da
Igualdade Racial – Sinapir; e Ronaldo dos Santos, nosso Secretário
de Políticas para Quilombolas, Povos e Comunidades Tradicionais de
Matriz Africana, Povos de Terreiros e Ciganos. A vocês dirijo o meu
mais profundo agradecimento por aceitarem o desafio de reconstruirmos
e avançarmos com as políticas de igualdade racial deste país.
Por
fim, mas não menos importantes, agradeço às pessoas que aceitaram
o nosso convite para estar aqui hoje no palco desta cerimônia de
posse, que representam o Brasil que queremos construir, com o
protagonismo de mulheres, mulheres negras, quilombolas, povos de
matriz africana, ciganos, juventudes, favelados e periféricas, povos
e comunidades tradicionais.
Desde
o dia 14 de março de 2018, dia em que tiraram Marielle da minha
família e da sociedade brasileira, tenho dedicado cada minuto da
minha vida a lutar por justiça, defender a memória, multiplicar o
legado e regar as sementes de minha irmã. Nesse caminho fundamos o
Instituto Marielle Franco, organização que se tornou referência no
combate à violência política de gênero e raça e na defesa de
direitos de mulheres negras, pessoas LGBTQIAP+ e periféricas.
Os
dias desde o golpe contra a presidenta Dilma têm sido difíceis, em
especial depois de 2018. Tenho certeza que para todas que estão
aqui. Mas em meio a uma política de morte, nossa resposta foi a luta
pela vida.
Luta
essa que nos trouxe até aquele 1º de janeiro deste ano quando,
finalmente, o povo brasileiro subiu a rampa deste palácio, em um
gesto marcante que emocionou o mundo inteiro pois passou um recado:
quando nosso presidente Lula recebeu a faixa presidencial do povo,
colocada por uma mulher negra periférica, mostrou que o caminho para
o Brasil do futuro será sim liderado por aqueles e aquelas que há
séculos resistem ao projeto violento que fundou esse país.
A
cerimônia de hoje guarda um simbolismo muito especial. Depois dos
atentados sofridos por esta casa e pelo povo brasileiro no último
domingo, pisamos aqui em sinal de resistência a toda e qualquer
tentativa de atacar as instituições e a nossa democracia. O
fascismo, assim como o racismo, é um mal a ser combatido em nossa
sociedade.
O
mesmo projeto que permite que as vidraças deste palácio tenham sido
destruídas, é o projeto que mata todos os dias pessoas como o
catador Dierson Gomes da Silva, da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro.
Combater
o racismo e o fascismo parte — também — da luta por justiça,
reparação e por democracia.
Precisamos
identificar e responsabilizar quem insiste em manter esta política
de morte e encarceramento da nossa juventude negra, comprovadamente
falida. Assim como estamos identificando e responsabilizando quem
executou, provocou e financiou a barbárie que assistimos no último
domingo.
Precisamos,
enquanto sociedade, ter uma conversa franca e honesta, que países no
mundo inteiro já estão fazendo. Encarar a realidade de que essa
política da guerra nas favelas e periferias nunca funcionou. Pelo
contrário, apenas segue dilacerando famílias e alimentando um ciclo
de violência sem fim.
Se
o mundo em que queremos viver é um mundo onde todas as pessoas
tenham o igual direito e oportunidade de serem felizes, com sua
liberdade, respeitando uns aos outros, em paz, harmonia, justiça e
dignidade, já passou da hora de pararmos de repetir as fórmulas
fracassadas que não entregam nada disso!
E
neste ano de 2023, que estamos celebrando 20 anos do primeiro governo
Lula, que criou em 2003 a primeira Secretaria Especial de Políticas
de Promoção da Igualdade Racial no Brasil, daremos um passo à
frente na institucionalização da luta política antirracista com
este Ministério. Trazendo o racismo para o debate público e
institucional de um modo até então não vivenciado na política
brasileira, uma conquista fruto das mobilizações sociais
incessantes que antecederam e culminaram neste momento.
Digo
isto porque o sujeito mais importante a quem devo agradecimentos
nesta data de hoje é o povo brasileiro, especialmente o povo negro e
indígena, que há séculos resistem contra a violência do estado e
se articulam para ocupar e permanecer em espaços como este.
Hoje
nós possuímos um Ministério da Igualdade Racial no Brasil e
gostaria de firmar um compromisso com cada um de vocês afirmando que
a tarefa que me foi confiada, de ocupar o cargo de Ministra, será
exercida com transparência, seriedade, técnica, combatividade,
cuidado, respeito à trajetória e conquistas dos movimentos sociais
e muita escuta.
As
portas do Ministério da Igualdade Racial estão abertas para que
possamos dialogar e construir juntas. Digo essas palavras pensando
também nos excelentíssimos ministros e ministras com quem
compartilho o desafio da união e reconstrução.
E,
para nós, não seria possível falar em reconstrução sem que
pensemos na nossa memória e naqueles que nos antecederam, na
restauração das conquistas que foram ameaçadas pelos retrocessos
dos últimos anos e na reparação, sobretudo, daquilo que ainda não
conseguimos olhar com a devida atenção e cuidado.
Após
quase quatrocentos anos de escravidão negra, e 133 anos de uma
abolição que nunca foi concluída, a população brasileira ainda
enfrenta múltiplas faces do racismo que gera condições desiguais
de vida e de morte para pessoas negras e não negras no país. Isso
não pode ser esquecido e nem colocado de lado.
É
lamentável e inadmissível pensar que diante de um dos marcos
sociais mais cruéis da nossa história, se não o mais cruel, a
escravização de pessoas negras trazidas do continente africano,
mediante torturas, estupros, assassinatos e uma série de outras
violências, ainda existam pessoas que questionem a importância de
um Ministério como o Ministério da Igualdade Racial no Brasil.
Desde
o sequestro dos nossos bisavós e tataravós em África, à luta pela
garantia de políticas públicas e da existência do Ministério da
Igualdade Racial, inclusive no que diz respeito aos recursos
orçamentários, temos nos empenhado visceralmente em um projeto de
sobrevivência. Projeto este que vai desde o enfrentamento ao racismo
científico e suas políticas eugenistas, do branqueamento e da
aniquilação da população negra, à desmistificação das
narrativas de meritocracia e de democracia racial na sociedade
brasileira.
A
desigualdade econômica; a fome; a falta e a precarização de
emprego; o desmonte de políticas de ações afirmativas; a
insuficiência de políticas sociais; o colapso do sistema de saúde;
o racismo religioso e ambiental, a violência estatal e o
encarceramento são alguns dos exemplos que podemos citar para
ilustrar múltiplas dimensões do genocídio da população negra.
Também
não podemos deixar de mencionar o negacionismo do último governo
federal com relação às políticas de prevenção e enfrentamento à
covid-19, bem como o atraso na vacinação, dentre outras questões
que culminaram em resultados que atingiram de forma desigual a
população brasileira, sendo a população negra a mais afetada. Me
solidarizo com todas as pessoas que perderam familiares, entes
queridos e amigos em decorrência da pandemia que atravessamos.
Cumprimento todos os profissionais de saúde que atuaram na linha de
frente desse momento tão duro em nossa história, em especial as
mulheres e homens negros que atuam na ponta deste sistema.
Estamos
falando de diferenças raciais hierárquicas que instituem condições
materiais desiguais de vida e de morte de brasileiros e brasileiras.
Não podemos mais ignorar ou subestimar o fato de que a raça e a
etnia são determinantes para a desigualdade de oportunidades no
Brasil em todos os âmbitos da vida. Pessoas negras estão
sub-representadas nos espaços de poder e, em contrapartida, somos as
que mais estamos nos espaços de estigmatização e vulnerabilidade.
Apesar
de a maioria da população brasileira se autodeclarar negra, é
possível observar que os brancos ocupam a maior parte dos cargos
gerenciais, dos empregos formais e dos cargos eletivos. Por outro
lado, a população negra está no topo dos índices de desemprego,
subemprego e de ocupações informais, além de receber os menores
salários.
A
população negra está mais exposta ao analfabetismo, às piores
condições de moradia, sendo inclusive a grande maioria das pessoas
que vivem abaixo da linha da pobreza. Os negros também são os que
mais são mortos no Brasil, sobretudo vítimas da letalidade
policial; e as mulheres negras também são as mais vitimadas por
feminicídio e as que mais estão expostas à mortalidade materna e à
violência obstétrica.
Os
homens e as mulheres negras também correspondem à maior parcela da
população carcerária no país, e muitas dessas pessoas estão
presas provisoriamente, sem uma condenação formal.
Afinal,
de que Estado de Direito estamos falando? Definitivamente, não é
esse o modelo de democracia racial que queremos. Como nos lembra a
Coalizão Negra por Direitos, composta por mais de 200 organizações
negras do país: enquanto houver racismo não haverá democracia.
Reitero
o que foi dito no pronunciamento de posse do Presidente Lula: O
Brasil do futuro precisa responder às dívidas do passado! E é por
isso que em um governo de reconstrução, nós gostaríamos também
de falar com os não negros. O enfrentamento ao racismo e a promoção
da igualdade racial é um dever de todos nós. A população
brasileira não pode ser onerada com o custo das violações das
quais é vítima.
Esperamos
poder contar com vocês nessa tarefa de reconstrução em prol de
respeito, cidadania, dignidade e igualdade de oportunidades. E, me
dirijo especialmente aos demais ministros e ministros cujas pastas
não poderiam funcionar sem um recorte pontual e transversal sobre o
racismo e a racialidade no Brasil. E, também por isso, o Ministério
da Igualdade Racial se coloca à disposição para reconstruir esse
novo Brasil coletivamente. O compromisso com a Igualdade Racial no
Brasil não pode ser o compromisso apenas deste Ministério!
Às
queridas ministras Marina Silva e Sônia Guajajara, contem com o
Ministério da Igualdade Racial para defender nossos povos indígenas
e nosso meio ambiente lutando contra o que reconhecemos como Racismo
Ambiental e pela justiça climática. Afinal, somos nós quem mais
sofremos com as enchentes, deslizamentos e doenças produzidas pelas
mudanças do clima.
Às
queridas ministras Simone, Esther e ministro professor Haddad, contem
com o Ministério da Igualdade Racial, para materializarmos a
promessa que o Presidente Lula tanto repetiu ao longo da sua
campanha: colocar os pobres no orçamento. Sabemos qual a cor da
população mais pobre desse país e trabalharemos incansavelmente
para dar dignidade através de políticas públicas ao nosso povo.
Às
queridas ministras Nísia Trindade, Margareth Menezes, Ana Mozer,
Luciana Santos e ministro Camilo Santana, contem com o Ministério da
Igualdade Racial para pensarmos políticas de Educação, Saúde,
Cultura e Esporte, Ciência, Tecnologia e Inovação que serão
essenciais para garantir o direito ao futuro e à vida digna da
população negra brasileira.
Aos
queridos ministros Flávio Dino, Silvio Almeida e minha querida
ministra Cida Gonçalves Contem com o Ministério da Igualdade Racial
para promovermos a verdadeira justiça social, racial e de gênero
que esse país precisa alcançar.
A
todos os demais colegas ministros, advocacia geral da união liderada
por meu colega Jorge Messias, controladoria geral da união por meu
querido Vini, secretarias, e demais parlamentares e autoridades aqui
presentes, contem com o ministério da Igualdade Racial para
impulsionarmos políticas internas e externas que garantam
efetivamente a democracia que tanto sonhamos.
Só
iremos vivenciar uma verdadeira democracia a partir do momento em que
a preocupação com a dignidade da população negra seja também uma
preocupação de cada um dos outros ministérios, e esperamos poder
contar com vocês para enfrentar este desafio. Só conseguiremos dar
uma resposta eficaz às dívidas do passado se trabalharmos juntas.
Reconhecemos
a demanda dos movimentos sociais com relação à necessidade de uma
institucionalidade própria para a formulação, coordenação e
articulação de políticas e diretrizes governamentais para a
promoção da igualdade racial. Aos movimentos, organizações,
sociedade civil, contem com o Ministério da Igualdade Racial para
retomar o nosso poder de agência institucional.
Nós
precisamos confrontar o esvaziamento e o enfraquecimento das
políticas raciais conquistadas e construídas ao longo da história
do enfrentamento ao racismo e da promoção da igualdade racial no
Brasil. É nossa prioridade lutar pelo fortalecimento e ampliação
de políticas que culminem na dignidade da vida do povo negro
brasileiro.
E
neste dia histórico em que o verdadeiro Brasil toma posse, a partir
da caneta de nosso presidente Lula e com o peso de uma luta de
gerações pela criminalização do racismo, damos mais um passo no
caminho da promoção de reparação e igualdade. Saúdo a todos os
juristas, ministros e secretários envolvidos na construção do PL
que será assinado agora e que sinaliza um país do futuro sem
racismo.
Nos
comprometemos aqui também com a revogação dos atos que não
reflitam a missão do Ministério da Igualdade Racial e com a
promoção de políticas concretas.
Trabalharemos
nos próximos quatro anos para fortalecer a Lei de Cotas e ampliar a
presença de jovens negros e pobres nas universidades públicas;
Buscaremos
aumentar a visibilidade e presença de servidores negros e negras em
cargos de tomada de decisão da administração pública;
Relançaremos
junto a ministérios parceiros o plano juventude negra viva, que
promoverá ações que visem a redução da letalidade contra a
juventude negra brasileira e a ampliação de oportunidades para
jovens de nosso país;
Avançaremos
em uma articulação interministerial pelo fortalecimento da política
nacional de saúde integral da população negra;
Retomaremos
programas que propaguem direitos para comunidades quilombolas e
ciganas, incidindo para a regularização fundiária, a
infraestrutura, a inclusão produtiva e o desenvolvimento local com
direitos e cidadania para estes povos;
Será,
também, a partir da maior estruturação e fortalecimento do Sistema
Nacional de Promoção da Igualdade Racial que iremos realizar ações
que busquem a equidade racial em diálogo com todos os municípios,
estados e órgãos da união.
Essas
serão as primeiras medidas de uma longa caminhada para recuperar o
que foi destruído e fortalecer e ampliar o legado que vem sendo
construído há tantas gerações.
É
preciso reconhecer que este país foi sedimentado sob hierarquias
raciais, consequências do colonialismo escravocrata, das políticas
eugenistas, e das narrativas pautadas na desigualdade racial. Aqui se
desenvolveu o “racismo à brasileira”, negando a nossa história
e falseando uma memória em prol da farsa da democracia racial. O
racismo merece um direito de resposta eficaz e nós gostaríamos de
convidar a todas, todos e todes, negros e brancos, para que possamos
formular e executar juntas essa proposta.
Nós
estamos aqui porque temos um outro PROJETO DE PAÍS: Um projeto de
país onde uma mulher negra possa acessar e permanecer em diferentes
espaços de tomada de decisão da sociedade, sem ser interrompida ou
violentada.
Um
projeto de país onde uma mãe de um jovem negro não sofra todos os
dias na dúvida se o seu filho vai voltar pra casa porque ele corre o
risco de ser assassinado pelo próprio estado.
Um
projeto de país onde nossos jovens negros possam ter acesso a
educação pública, gratuita e de qualidade, através de escolas,
universidades e serviços públicos que lhes permitam sonhar e
construir outras possibilidades de futuro.
Um
projeto de país em que negros, brancos, indígenas, populações
tradicionais, e todas as pessoas independentemente de sua raça, cor,
etnia, gênero e sexualidade tenham seus direitos constitucionais
garantidos, e sejam tratados com dignidade e igualdade de
oportunidades.
Um
projeto de país pautado na busca pelo bem viver coletivo, pela
melhoria da qualidade de vida e pela garantia da cidadania.
Nós
temos um projeto de país e esperamos contar com vocês nessa
construção. E é por isso que eu faço esse pedido a toda a
população brasileira: caminhem conosco.
Caminhem
conosco nessa estrada por onde nossos antepassados caminharam e por
onde os nossos filhos e filhas caminharão.
Caminhem
conosco até que nosso povo seja verdadeiramente livre, protagonista
de sua própria trajetória, acessando direitos, dignidade e uma vida
plena com justiça, reparação e felicidade.
Caminhem
conosco até que os sonhos de nossas ancestrais se tornem realidade.
Gostaria
de encerrar este pronunciamento com um poema muito especial para mim
e que representa um pouco de tudo isso que quisemos trazer aqui no
dia de hoje:
Vozes-Mulheres
— Conceição Evaristo
A
voz de minha bisavó
ecoou
criança
nos
porões do navio.
Ecoou
lamentos
de
uma infância perdida.
A
voz de minha avó
ecoou
obediência
aos
brancos-donos de tudo.
A
voz de minha mãe
ecoou
baixinho revolta
no
fundo das cozinhas alheias
debaixo
das trouxas
roupagens
sujas dos brancos
pelo
caminho empoeirado
rumo
à favela
A
minha voz ainda
ecoa
versos perplexos
com
rimas de sangue
e
fome.
A
voz de minha filha
recolhe
todas as nossas vozes
recolhe
em si
as
vozes mudas caladas
engasgadas
nas gargantas.
A
voz de minha filha
recolhe
em si
a
fala e o ato.
O
ontem – o hoje – o agora.
Na
voz de minha filha
se
fará ouvir a ressonância
O
eco da vida-liberdade.
Nós
somos essas filhas e não vamos nos furtar à fala e ao ato. Não
recuaremos!
Iremos
construir o Ministério da Igualdade Racial que a população
brasileira merece. Agradeço a cada um de vocês que vieram até
aqui, aos que não conseguiram entrar, aos que estão assistindo em
casa, na rua, no transporte coletivo, agradeço sobretudo a todas as
mulheres negras que construíram esse país no anonimato.
Como
diz os versos de uma música considerada um hino para o movimento de
mulheres negras, cantada no encerramento o 1º encontro nacional de
mulheres negras em 1988, em Valença, no Rio de Janeiro:
África
liberta,
em
suas trincheiras
Quantas
anônimas
Guerreiras
brasileiras
mais
uma vez
África
liberta,
Tem
suas trincheiras
Quantas
anônimas
Guerreiras
brasileiras.
Agradeço
novamente a confiança depositada neste projeto coletivo, não
chegamos aqui sozinhas e seguiremos juntas reafirmando nosso
compromisso em trabalhar dia e noite por um Brasil do futuro com
igualdade, justiça e reparação para todas as pessoas.
Vamos
juntas.
____________
Com
informações do Geledés e do Portal UOL