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Bolsonaro. (FOTO/ Isac Nóbrega/ PR). |
Quem não tem cão caça com gato e, na falta de pesquisas boas, temos de nos virar com aquelas que andam por aí. Como o recente levantamento telefônico do Datafolha. Antes de tratar do resultado mais relevante, uma nota de cautela: em um país como o Brasil, pesquisas telefônicas não são recomendáveis. Se quisermos saber o que pensa o conjunto da população, não é correto usar uma técnica que exclui as opiniões e sentimentos da ampla parcela que não tem acesso à telefonia ou que até pode tê-lo, mas, por desinteresse, desconfiança ou acanhamento, só dá entrevistas a respeito de temas políticos sob estímulo.
Sem
a presença física de um entrevistador ou entrevistadora que os encoraje a se
manifestar, esses eleitores, normalmente de escolaridade, informação e renda
mais baixas, não falam. Mas vários votam, pois é assim que funciona o nosso
sistema eleitoral. É por isso que aprendemos a só confiar nas pesquisas em que
entrevistados e entrevistadores interagem face a face.
A
enquete telefônica do Datafolha mostra algo que desafia o bom senso. No auge da
pior crise sanitária de nossa história moderna, em meio às mais evidentes
demonstrações de inépcia e incúria do ex-capitão Bolsonaro e seu governo de
idiotas, quase um terço dos entrevistados aprova o conjunto de sua “obra”.
Metade responde ser contra o impeachment.
Tolerância seletiva
É
impossível não comparar a situação de hoje com aquelas de Collor e Dilma. Se,
em nossa cultura política, é tranquilo remover presidentes inadequados por meio
de processos de impeachment, como aconteceu com os dois em curto espaço de
tempo, por que tolerar um estafermo como o capitão?
Collor,
dizia seu irmão, era desonesto, o que foi corroborado por cheques inexplicáveis
e depoimentos à vontade. E Bolsonaro, com 20 anos de suspeitas nas costas,
dezenas de funcionários fantasmas recebendo e transferindo dinheiro público
para as contas da família? Será que o problema é que Collor roubou “muito” e a
turma do capitão “só um pouquinho”? Quanto um governante precisa surrupiar para
se tornar desonesto?
Dilma
teria sido tirada por promessas de campanha não cumpridas e fazer um mau
governo na economia. E Bolsonaro, que jogou no lixo o que disse ao longo de
2018 a respeito de moralidade, segurança pública e renovação política? Que tem
uma equipe econômica de cascateiros e incompetentes? Que está à frente do
governo mais lastimável da história do Brasil, inoperante em tudo, sem nada a
mostrar na saúde, educação, meio ambiente, ciência, tecnologia, habitação
popular? Cuja única realização é nos tornar párias internacionais?
“Fabricação” de impeachments
Nos
dias que correm, quando a mistura de burrice e desumanidade da turma se traduz
nos piores resultados do mundo no enfrentamento da pandemia, passamos de um
péssimo presidente a algo mais grave. Percebemos que temos à frente do governo
um genocida, um psicopata ou uma mistura das duas coisas.
Mas
um terço dos brasileiros diz que o capitão faz um trabalho “bom” ou “ótimo” e
metade avalia que deve permanecer no cargo, ao menos entre aqueles para os
quais o Datafolha telefonou. Por quê? Os casos de Collor, Dilma e de Bolsonaro
mostram que não há, no Brasil, um “ponto natural”, um nível de desgaste ou
decepção que, uma vez alcançado, torna irreversível a derrocada de um
presidente. A “inevitabilidade” de uma deposição é fabricada, o que significa
dizer que depende do que querem e do modo como se articulam as forças políticas
hegemônicas.
Uma
presidente virtuosa pode tornar-se “insustentável”, enquanto pode “não estar
maduro” o impeachment de um picareta responsável por centenas de milhares de
óbitos e milhões de cidadãos com sequelas para o resto da vida. A crise da
imagem de Dilma foi consequência de uma estratégia deliberada de
enfraquecimento e não de seus “erros”, que certamente cometeu, como qualquer
presidente, sem que nenhum tenha sido deposto por isso. Inversamente, o capitão
não cai apesar de suas desonestidades e erros grotescos, pois continua a ser
útil ao conjunto de forças que o colocou no poder.
Explica-se
Há
quem procure explicar a permanência de Bolsonaro como se decorresse da falta de
iniciativa da esquerda, o que não é verdade, pois ela, Lula e o PT sempre
lutaram pelo abreviamento do pesadelo. Culpados são aqueles que fingem aguardar
que a opinião pública exija algo que procuram evitar, os que só “formam
opiniões” quando é de seu interesse.
Se
quisessem, nossas elites destruiriam a imagem do capitão em dois ou três meses,
como fizeram com Dilma no passado recente. Seus 30% virariam fumaça. Só que não
querem, pois ainda têm muito a embolsar com a atual política econômica e se
pelam de medo de enfrentar o PT em 2022 com seus candidatozinhos de proveta,
sem Bolsonaro e sua falta de escrúpulos.
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