Fator histórico, anti-esquerdismo e corporativismo explicam militares no governo

 

Autor aponta 'pêndulo' histórico entre liberalismo e nacionalismo entre militares. (FOTO/ Marcos Corrêa/ PR).

A expressiva presença de militares nos vários escalões do governo, depois de certo período mais voltados a atividades internas, voltou a chamar a atenção dos observadores da cena política. Uma obra lançada recentemente procura analisar esse fenômeno, passado e presente, por meio de diferentes abordagens – histórica, sociológica, filosófica. É o objetivo de Os Militares e a Crise Brasileira (Alameda, 268 páginas), obra coletiva organizada pelo professor João Roberto Martins Filho, um pesquisador do tema.

Ele identifica alguns fatores que podem ajudar a explicar o boom militar. Lembra que a corporação nunca deixou de estar presente na vida política brasileira. “Eles sempre tiveram, pelo menos, o poder de atrapalhar, de criar instabilidade”, afirmou, em uma das recentes lives de lançamento do livro. “O componente militar é capaz de desequilibrar o governo, mas parece não ter nenhuma vontade de fazer isso.” Outra razão ideológica histórica é o “anti-esquerdismo”, reavivado sob Bolsonaro.

Saúde e Defesa

E há um terceiro fator, “puramente corporativo”, aponta o autor, para explicar a presença dos militares no atua governo: melhorar as condições dos quartéis, da carreira, escapar do contingenciamento orçamentário. “A Saúde deveria receber o dobro da Defesa. Não estamos, no momento, sendo ameaçados por ninguém”, observa o professor da Universidade Federal de São Carlos, autor do livro O Palácio e a Caserna, lançado também pela Alameda em 2019.

Martins Filho identifica também certo “pêndulo”, no pensamento militar, entre a adesão ao liberalismo conservador e nacional-desenvolvimentismo. Isso já aconteceu, por exemplo, em governos de generais-presidentes na ditadura. Neste momento, o nacionalismo parece estar adormecido. “Aparentemente, eles estão confortáveis com a ideologia do (Paulo) Guedes.”

Mundo “em guerra”

Autora de um dos artigos do livro, a historiadora francesa Maud Chirio diz que setores da extrema direita militar, na reserva, contribuíram para formar uma ideologia que sustenta o governo. Um projeto de poder “que se ancora na representação de um mundo em guerra”, que encontrou lugar no imaginário da opinião pública. “O Brasil que a gente pensava conhecer, ao menos no seu sistema político, mudou de maneira radical.

Para o professor Eduardo Costa Pinto, do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o retorno dos militares ao governo e à cena política está associado a uma “profunda fragilidade institucional”. Um processo iniciado, de certa forma, a partir de 2016, com o impaeachment de Dilma Rousseff, e com o que o pesquisador chama de “efeito Temer-Aécio-Joesley”. E, reforçando as palavras do organizador, ele observa que as Forças Armadas “atualizaram” o histórico anticomunismo. Professora da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Ana Penido reforça: o anticomunismo é “repaginado” e vira “antifeminismo”, “anti-onguismo”.

“Soldados digitais”

Autor de livro que esmiúça o funcionamento do DOI-Codi paulista, o jornalista Marcelo Godoy fez no livro uma análise da presença militar no meio digital. Surgem os “soldados digitais da extrema direita”. Ele cita o general Vilas Bôas, autor de famoso tuíte de intimidação ao Supremo Tribunal Federal. O militar segue umas duas dezenas de colegas, que seguem outras dezenas, chegando-se a um total de 115 perfis no Twitter, todos da ativa. Destes, 35 são generais, sendo 31 do Exército.

Desses 115 que se relacionam entre si, detalha o jornalista, 82 haviam feito algum tipo de publicação que pode ser caracterizada como de cunho político-partidário. Mais de 20 partindo de generais, participação significativa entre os atualmente na ativa. Foram, no total, 3.427 manifestações político-partidárias, até em dia da eleição. Só quatro criticavam Bolsonaro.

O sociólogo e professor Eduardo Mei relaciona a pandemia como exemplo da continuidade da “necropolítica” brasileira. “Estamos enfrentando uma situação em que o modelo neoliberal de acumulação no país não abre espaço para a inclusão. A pandemia é uma oportunidade para a eliminação física daqueles que são considerados indesejáveis”, afirma, citando indígenas, quilombolas, sem-terra, “pobres em geral”, os excluídos do chamado mercado. Isso explica em certa medida o discurso de que é preciso salvar a economia em detrimento da vida. Assim, conclui não basta “desmilitarizar” o governo. “É preciso refundar o país, para torná-lo inclusivo.”

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Por Vitor Nuzzi, da RBA

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