Em
posição enfraquecida junto aos colegas de toga, onde crescem sinais favoráveis
a um debate em plenário sobre o pedido de habeas corpus preventivo para Lula,
na noite de ontem a ministra Cármen Lúcia, presidente do STF, foi socorrida
pelo circo político-midiático que sustenta a Lava Jato.
Este
é o significado da longa entrevista a TV Globo, exibida na véspera de uma
reunião com os demais ministros para debater o habeas corpus, convocada por
iniciativa de uma voz influente da casa, o decano Celso de Mello, com apoio de
Gilmar Mendes, Dias Toffoly, Ricardo Lewandovsky e Marco Aurélio, pelo menos.
No
ponto máximo da Justiça do espetáculo imposta ao país desde a AP 470, Cármen
Lúcia deixou claro na TV que, a depender de sua vontade, tudo segue como
previsto até aqui. Pode não ter maioria entre os ministros da casa. Mas tem
apoio da mídia.
Isso
quer dizer que, na prática, o TRF-4 continua em seus trabalhos e, em poucos
dias deve autorizar a prisão de Lula.
Algumas
impressões favoráveis a uma mudança no entendimento do STF nasceram na manhã de
segunda-feira, 19, e ganharam corpo durante o dia. Numa entrevista a Carlos
Lindemberg, da Rádio Itatiaia, a Cármen Lúcia foi chamada a responder a uma
pergunta inevitável na atual conjuntura, envolvendo a possibilidade do pedido
de habeas corpus ir a julgamento em plenário do STF.
Em
vez de rebater a questão de forma clara e direta, como fez outras vezes,
inclusive empregando o verbo "apequenar"
para falar do caso, a presidente do STF transferiu a decisão para Edson Fachin,
o relator da Lava Jato que não só é contrário ao Habeas Corpus, mas também já
disse que não vê necessidade do Supremo voltar a debater a decisão, tratada
pela última vez em 2016.
Descrevendo
uma cena que até as pedras do edifício do STF sabem que não irá ocorrer como se
depreende em sucessivas declarações públicas de Fachin, a presidente do STF
disse que o "Supremo examinará (o
pedido) assim que o relator, ministro Edson Fachin, levar em mesa, ou na turma,
como seria originariamente a competência, ou afetando ao plenário. Quando o
relator leva um habeas corpus, que tem preferência constitucional, é uma ação
nobre porque lida com a liberdade. Todo e qualquer cidadão, desde uma liderança
tão significativa, tão expressiva, tão importante como o ex-presidente, como
qualquer cidadão, tem o direito de ser julgado. E será julgado",
disse.
O
vocabulário empregado pela presidente, definindo genericamente o habeas corpus
como "ação nobre porque lida com a
liberdade", estimulou uma interpretação enganosa de sua visão sobre o
caso. Em termos práticos, a colocação foi absolutamente pedestre.
Evitando
tomar qualquer iniciativa própria além de seguir de braços cruzados, permitindo
que o impulso da Lava Jato seguisse por inércia, ela apenas repetiu o fato já
sabido de que se encontra nas mãos de Fachin a decisão de encaminhar o pedido
ao plenário -- coisa que ministro fez em 9 de fevereiro, sem que ela tenha se
animado a dar sequência a determinação do relator da Lava Jato.
Ainda
assim, o simples risco de uma mudança de rumos no STF sobre um ponto de impacto
direto na campanha presidencial foi suficiente para a formação de um circo
jurídico-midiático em socorro a Cármen Lúcia e em defesa da antecipação da
pena. A ministra foi atendida por uma espécie de ambulância da TV Globo.
Numa
segunda longa entrevista, desta vez a Eraldo Pereira, Cármen Lúcia deu
respostas tranquilizadoras do ponto de vista dos aliados e defensores da Lava
Jato. Pelas perguntas e pelas respostas, o tom era de um depoimento pautado
para colocar os pingos nos iis em relação a entrevista da manhã -- ou da
interpretação recebida ao longo do dia. A presidente do STF disse sem
ambiguidades: " Não há nenhuma razão
para que a matéria volte agora [à pauta] abstratamente, para levar à mudança da
jurisprudência ou à mudança desse entendimento. "
Fazendo
questão de lembrar que lhe cabe, pelo regimento do tribunal, a palavra final
sobre os assuntos em debate, Cármen Lúcia também disse que: "tendo a pauta, não cedo a que isto venha a
acontecer porque não há razões para isso". Para bom entendedor, matou
a jararaca -- e mostrou o pau.
Avançando
por um discurso que é ponto de honra na retórica da Lava Jato, a presidente do
STF disse ainda que qualquer mudança poderia levar à "não punição", à prescrição dos crimes e à "impossibilidade de a sociedade ter a
resposta da Justiça que ela espera".
Vinte
e quatro horas depois da entrevista a rádio Itatiaia, o Estado de S. Paulo saiu
com um editorial, intitulado "Sem
Casuísmos". Lembrando que desde 1986 o país tem aplicado uma decisão
do Supremo que, contrariando o artigo 5 da Constituição, permite a antecipação
da pena antes do transito em julgado, o jornal fez um apelo direto aos
magistrados. No tom de quem faz um apelo direto, defendeu a tese exótica de que
uma mudança de entendimento, agora, seria uma forma de dar um tratamento
privilegiado a Lula: "que os
ministros da Suprema Corte deixem a lei valer também para o sr Lula da Silva".
(Por Paulo Moreira Leite, no Brasil 247).
Carmén Lúcia. (Foto: Reprodução/ Brasil 247). |
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Ao comentar, você exerce seu papel de cidadão e contribui de forma efetiva na sua autodefinição enquanto ser pensante. Agradecemos a sua participação. Forte Abraço!!!