Nascida
no ciclo do ouro de Minas Gerais, a cidade de Santa Luzia, na Grande Belo
Horizonte, já teve na exploração da mão de obra escrava um de seus pilares
econômicos. Hoje em dia, sete em cada dez moradores do município são pardos ou
pretos. Os brancos, porém, dominam a política: todos os seis candidatos a
prefeito deste ano assim se declararam à Justiça Eleitoral.
Do R7
A
ausência de diversidade constatada em Santa Luzia está longe de ser exceção: em
2.512 municípios brasileiros (45% do total), todos os candidatos a prefeito são
brancos. Dois terços dos candidatos a prefeito têm essa cor de pele, embora a
parcela dessa raça na população seja bem menor: 48%, segundo o Censo 2010. É
possível encontrar ao menos um representante dessa cor de pele em nove de cada
dez disputas municipais.
Já
os concorrentes negros são muito mais raros: eles estão em apenas 8% das
cidades. A sub-representação indica que o mundo político impõe barreiras para a
integração dos negros.
Essa
é a primeira vez que os brasileiros poderão saber a cor da pele dos candidatos
nos 5.568 municípios de todo o País. Desde as eleições nacionais de 2014, o
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) adicionou um campo de cor/raça à lista de
informações que devem ser fornecidas pelos concorrentes na hora de inscrever
sua candidatura. O objetivo é justamente possibilitar que seja medido o fosso
racial que separa políticos e eleitorado.
Há
dois anos, foi possível observar que houve proporcionalmente mais candidatos
brancos do que na população como um todo: 56%. Além disso, eles também se
elegeram em porcentual maior do que os de outras raças - 75% dos eleitos eram
brancos. Essa proporção foi ainda maior para cargos mais importantes, como
deputado federal (80%) e senador (82%).
Não
é improvável que esse fenômeno se repita neste ano. Em média, a campanha de um
candidato a prefeito branco arrecadou 65% a mais do que a de um pardo ou negro
até a semana passada: R$ 33,1 mil contra R$ 20 mil. Como há relação direta
entre receita e chances de vitória, a tendência é de que a proporção de não
brancos entre os eleitos seja ainda menor do que entre os candidatos.
Diversidade
Na
lista das 2.512 cidades onde só brancos concorrem às prefeituras, há vários
municípios em que a maioria absoluta da população tem essa cor de pele. Um
exemplo é Três Arroios, no Rio Grande do Sul, onde apenas 24 dos seus 3 mil
habitantes em 2010 não eram brancos, segundo o Censo. Mas há também cidades
como Mirinzal, no Maranhão, ou Jandaíra, na Bahia, onde mais de 90% da
população é formada por pretos e pardos, mas, mesmo assim, um branco tomará
posse como prefeito em 2017.
Entre
as cidades dessa lista com mais de 200 mil habitantes, Santa Luzia, em Minas
Gerais, é a que tem em sua população - ou seja, é onde a disparidade racial
entre eleitores e candidatos é mais evidente. E esse fenômeno não é só de hoje.
Nas paredes da Câmara Municipal, uma galeria de fotos dos 39 ex-presidentes do
Legislativo desde 1892 mostra que apenas seis (15%) foram negros ou pardos, em
uma cidade em que esses dois grupos raciais são mais de 70% da população.
Para
o superintendente municipal de Cultura da cidade, Tom Nascimento, que é negro,
o que explica a exclusão é o racismo. "Verificamos isso aqui na nossa
cidade e em todo o Brasil", afirmou. Para ele, o que predomina no
município e no País é o que chama de "branquitude". "O ser
humano de referência é o branco, de cabelos lisos e traços finos."
Também
negro, o vereador Pastor Josué (PTC) discorda. Para ele, não é o racismo que
faz com que inexistam candidatos não brancos na cidade. "Trato isso como
algo natural, sem a interferência de outros fatores." Ele lembrou que
Santa Luzia já teve um prefeito negro e um pardo nos últimos 30 anos.
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Apenas brancos disputam em 45% das cidades do país. Divulgação. |