Globo diz que errou e pede
desculpas por apoio a ditadura
Em editorial histórico, Globo
reconhece que errou ao apoiar o golpe militar de 1964, mas diz que outros
veículos de comunicação, como Folha e Estado, fizeram o mesmo; mea culpa
acontece um dia depois de jovens atirarem esterco na emissora
Quase
50 anos após o golpe de 1º de abril de 1964, quando os militares derrubaram o
governo democraticamente eleito de João Goulart e deram início a 21 anos de
ditadura, o jornal O Globo reconheceu que dar apoio ao golpe foi um erro. Na
apresentação do texto redigido para o site “Memória”, que conta a história da
publicação carioca, O Globo admite ser verdade o teor do coro usado como bordão
nas manifestações de junho: “A verdade é dura, a Globo apoiou a ditadura”.
O
jornal afirma que a decisão de fazer uma “avaliação interna”, contudo, veio
antes das manifestações populares. Mas “as ruas”, afirma O Globo, “nos deram
ainda mais certeza de que a avaliação que se fazia internamente era correta e
que o reconhecimento do erro, necessário”. O matutino carioca diz ainda que “Governos
e instituições têm, de alguma forma, que responder ao clamor das ruas” e diz
que a publicação do texto com o reconhecimento do erro reafirma “nosso
incondicional e perene apego aos valores democráticos”.
No
texto do “Memória”, o jornal começa fazendo um contexto histórico da época e
mostra que não foi o único jornal a dar apoio editorial ao golpe de 64, coisa
que fez “ao lado de outros grandes jornais”. O carioca da família Marinho cita
os jornais “O Estado de S.Paulo”, “Folha de S. Paulo”, “Jornal do Brasil” e o
“Correio da Manhã”. O texto afirma, ainda, que não foram apenas os jornais a
conceder apoio aos militares, mas “parcela importante da população, um apoio
expresso em manifestações e passeatas organizadas em Rio, São Paulo e outras
capitais”.
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Editorial de o Globo em 1964. (Arquivo) |
Ao
mesmo tempo, contudo, em que afirma que o apoio foi um erro, o jornal também
adota o mesmo argumento dos militares na época para sustentar e legitimar o
golpe: que a intervenção se “justificava” pelo temor de um suposto golpe a ser
feito pelo então presidente João Goulart, “com amplo apoio de sindicatos” e até
de “alguns segmentos das Forças Armadas”. Um dia antes do golpe, o jornal diz
que teve sua redação invadida por fuzileiros navais aliados a Jango e que, por
isso, o jornal não circulou no dia 1º de abril. Só voltaria às ruas no dia
seguinte, desta vez estampando em seu editorial o famoso texto intitulado
“Ressurge a Democracia”.
O
Globo dá a entender que se sentira enganado pelas promessas dos militares de
intervenção “passageira, cirúrgica” e que, “ultrapassado o perigo de um golpe à
esquerda”, o poder voltaria aos civis por meio de eleições diretas. Em seu mea
culpa, o jornal também reconhece que a expressão “revolução” foi usada ao longo
de anos pelo jornal, justamente porque diz acreditava que a situação seria
temporária. Ainda assim, o jornal ameniza o discurso ao falar de Roberto
Marinho, o patrono do jornal, o qual afirma que sempre esteve “ao lado da
legalidade”.
O
jornal defende que Marinho “sempre se posicionou com firmeza contra a
perseguição a jornalistas de esquerda”, e que “fez questão de abrigar muitos
deles na redação do GLOBO”. O texto diz que Roberto Marinho acompanhava
pessoalmente os depoimentos dos funcionários “para evitar que desaparecessem” e
que, “de maneira desafiadora”, sempre se negou a repassar aos militares a lista
de funcionários “comunistas”.
Por
fim, apenas 49 anos depois do golpe e uma década após a morte de Roberto
Marinho, O Globo admite o erro: “À luz da História, contudo, não há por que não
reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro, assim como
equivocadas foram outras decisões editoriais do período que decorreram desse
desacerto original. A democracia é um valor absoluto. E, quando em risco, ela
só pode ser salva por si mesma.”
Via Pragmatismo Político