Douglas Belchior. (FOTO/ Reprodução). |
Uma
das principais lideranças do Movimento Negro e um dos idealizadores da Coalizão
Negra por Direitos, o professor e ativista Douglas Belchior, anunciou na manhã
desta quinta-feira (30), a sua saída do Partido Socialismo e Liberdade (PSOL)
depois de mais de uma década.
Belchior
ajudou a colher assinaturas para o registro do PSOL e por ele foi candidato a
vereador e a deputado Federal não logrando êxito em face de coeficiente
eleitoral.
Na
nota que foi divulgada em suas redes e publicizada no site da Uneafro, Belchior
critica o racismo institucional presente também no partido e defende o apoio
desde já a candidatura de Lula a presidência da república. "acredito e
defendo a necessidade de fortalecer desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula
da Silva como contraponto a Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro",
disse.
"É evidente que pesa também na decisão pela saída do partido, toda a violência política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate, sobretudo quando passei a questionar, a partir de 2016, em documentos e diálogos internos, até chegar à esfera pública em 2018, a conduta racista das direções de São Paulo, de correntes internas e da direção nacional do Psol. Foram justas as disputas que travei e sinto que surtiram algum efeito, constrangeram posturas e abriram caminhos para avanços que, quero crer, um dia virão", destacou.
Abaixo a íntegra da nota:
NOTA
DE SAÍDA DO PSOL
Por
Douglas Belchior
Quinta
feira, 30 de Setembro de 2021
Laroye!
Informo
às amigas e aos amigos de luta e de vida que acompanham a caminhada desses anos
todos a minha desfiliação do PSOL - Partido Socialismo e Liberdade. Nos últimos
16 anos, busquei contribuir com o que pude. Que se abram os caminhos!
Acompanho
o Psol desde que era ainda uma ideia. Me dediquei à coleta de assinaturas para
o registro do partido entre 2003 e 2005. Filiado ao núcleo da PUC-SP, onde
cursei História, vivi intensamente a campanha de Heloísa Helena para presidente
em 2006. Em 2010, com o velho Plínio de Arruda Sampaio à frente, acompanhei de
perto nosso candidato a vice-presidente, militante do movimento negro baiano,
Hamilton Assis. Em 2012, fui candidato a vereador em Poá-SP, sendo o mais
votado, mas que, sem coeficiente eleitoral, não acessamos a cadeira. Em 2014,
fui candidato a deputado federal, sendo o terceiro mais votado da lista. Em
2016, fui candidato a vereador da capital de SP, novamente ficando na
suplência.
Em
2018, candidato mais uma vez a deputado federal, alcançamos quase 50 mil votos,
mesmo sem apoio do partido. Figuramos entre os eleitos, mas perdemos a vaga ao
final da apuração. Em 2020, optamos por fortalecer novas lideranças do
movimento negro e elegemos, com muito custo e mais uma vez apesar do Psol,
Elaine Mineiro co-vereadora da capital paulista, em uma candidatura coletiva -
o Quilombo Periférico, ao lado de Débora Dias, Julio Cesar, Samara Sosthenes,
Erick Ovelha e Alex Barcellos, todas lideranças de movimentos de base das
periferias de SP.
Minha
atuação sempre foi dirigida pelo movimento negro e periférico, em especial pela
Uneafro Brasil, que ajudei a fundar, e por diversos coletivos que constroem a
luta cotidiana nas periferias do Estado de São Paulo há mais de 20 anos. Nos
últimos três anos me dediquei à construção da Coalizão Negra por Direitos,
aliança nacional de movimentos negros que tem uma agenda política sintetizada
em sua carta programa. Sempre acreditei em partido-movimento. Sempre defendi
que o partido faça parte da vida ordinária, cotidiana das pessoas. Sempre
critiquei partidos-mandatos, partidos-correntes, partidos de vida eleitoral
apenas. Me dediquei a essa forma de atuação e todas as candidaturas que vivi
foram expressão do trabalho dos movimentos que ajudo a construir. E sempre
lamentei o fato de o Psol não reconhecer essa nossa atuação em São Paulo.
Os
resultados do 7º Congresso Nacional do partido, realizado neste último final de
semana, confirmam que, embora o discurso carregue elementos de mudanças, a
estrutura não muda, a direção é a mesma, a mesma lógica de partilha interna de
poder, a mesma cara, a mesma tez.
Nestes
16 anos a sociedade como um todo sofreu importantes mudanças na forma de fazer
política e de tratar o tema do racismo. Em todos esses anos de vínculo travei
debates internos e públicos sobre o papel do partido frente ao desafio do
enfrentamento ao racismo como elemento fundamental do momento histórico que
vivemos. Bem como da necessidade de o partido se abrir às demandas
organizativas dos movimentos de periferia e do movimento negro. Infelizmente o
partido jovem e depositário da confiança de uma base social também jovem e
sedenta de novas experiências, sempre foi preso à velha lógica das correntes
internas, proprietárias reais da máquina partidária, hegemonizadas pelo
pensamento e pela forma branco-eurocêntrica da esquerda tradicional de se fazer
política.
Este
7o. Congresso também evidencia dificuldade em lidar com experiências que não
aquelas acorrentadas à dinâmica das tendências internas, explicitado na
necessidade de regulação (controle e limitação) de candidaturas coletivas, na
proibição de candidaturas apoiadas por iniciativas da sociedade civil e na
limitação da possibilidade de busca de recursos fora dos "padrões
partidários". E avança pouco na produção de mecanismos de efetivação do
fortalecimento de lideranças negras orgânicamente ligadas aos movimentos
negros. Quanto à conjuntura, acredito e defendo a necessidade de fortalecer
desde já a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva como contraponto a
Bolsonaro. Titubear à esta altura é um erro. Mais um tema tergiversado neste
Congresso.
É
evidente que pesa também na decisão pela saída do partido, toda a violência
política, a prática do boicote, do apagamento, do silenciamento, da
desqualificação e do racismo institucional que sofri nesses anos de embate,
sobretudo quando passei a questionar, a partir de 2016, em documentos e
diálogos internos, até chegar à esfera pública em 2018, a conduta racista das
direções de São Paulo, de correntes internas e da direção nacional do Psol.
Foram justas as disputas que travei e sinto que surtiram algum efeito, constrangeram
posturas e abriram caminhos para avanços que, quero crer, um dia virão.
Meu
afastamento das instâncias internas do partido se deve à óbvia conclusão de que
a única possibilidade de a agenda negra incidir e produzir efeitos sobre a
dinâmica social é o fortalecimento das experiências organizativas do Movimento
Negro e, sobretudo, da imposição do Movimento Negro como instância legítima e
indispensável para a formulação de um projeto de país que nos leve a superar a
desgraça em que estamos mergulhados. O sucesso por essa opção é evidente. O
Movimento Negro se fortalece a cada dia e hoje qualquer formulação, iniciativa
ou atuação política que se queira honestamente comprometida com o povo
brasileiro, deve por obrigação observar, respeitar e considerar a elaboração e
o acúmulo histórico da resistência negra organizada. É só o começo.
Sou
entusiasta do trabalho de tantos e tantas militantes do Psol, que tem
tensionado a branquitude que hegemoniza direta ou indiretamente as direções
partidárias, bem como do compromisso com a construção do movimento negro para
além dos muros partidários. Registro meu respeito a essas lideranças e
reconheço a importância de diversos mandatos legislativos, alguns deles
comprometidos com a agenda do movimento negro.
Temos
um governo racista e genocida para derrotar e um país para construir.
Precisamos estar fortes para enfrentar os horrores do fascismo que nos
atormenta. Para isso, é preciso construir a unidade possível, nos marcos da
defesa dos direitos humanos, cuja missão seja o fortalecimento de agendas
fundamentais em nossos dias, a saber: a defesa da vida de pessoas negras,
mulheres, quilombolas e indígenas, comunidade LGBTQIA+, atenção às questões
climáticas, enfrentamento à fome e as violências do Estado. Comprometidos desde
sempre com esta agenda, construímos muito até aqui. E daqui pra frente, faremos
muito mais! Saudações aos que têm coragem!
Okê arô!
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