Nas
últimas olimpíadas, disputadas em Londres, em 2012, a delegação brasileira foi
composta por 123 mulheres, o equivalente a 47% do total de atletas.
Isso
é reflexo direto do protagonismo adquirido pelas mulheres no mundo dos
esportes, processo que se fortaleceu nas últimas décadas e que consolidou a
representação delas nas mais diversas modalidades olímpicas. Esse destaque
forçou muitas áreas de nossa sociedade, marcadamente conservadoras, a exemplo
da mídia, a ceder mais espaços para o esporte feminino.
Se
a paridade de gênero no mundo do esporte está próxima de ser alcançada, embora
ainda haja uma sub-representação das disputas e dos feitos esportivos das
mulheres na cobertura dada pelo meios de comunicação, o mesmo não podemos dizer
quando às questões de gênero somam-se as étnico-raciais, mesmo que entre as
principais referências do esporte brasileiro estejam inúmeras mulheres negras,
como Marta, Cristiane e Pretinha, no futebol, Daiane dos Santos, na ginástica
olímpica, Sarah Menezes, no judô, Fofão, Walewska, Valesquinha e Sassá, no
vôlei, e Janeth, no basquete.
Muitas
pessoas conhecem a história da nadadora Maria Lenk, primeira mulher a
representar o Brasil e a América do Sul numa edição dos Jogos Olímpicos, mais
precisamente, nos Jogos de Los Angeles (EUA), disputados em 1932. Seu legado é
reconhecido e, como forma de homenageá-la, seu nome foi colocado num dos
principais torneios da natação brasileira, batizando também o parque aquático
do Complexo Esportivo Cidade dos Esportes, construído no Rio de Janeiro para
receber as competições de natação, nado sincronizado e saltos ornamentais dos
Jogos Pan-Americanos de 2007.
Todavia,
a maior parte dos brasileiros provavelmente não sabe que 16 anos depois, em
1948, nas Olimpíadas de Londres, Melânia Luz dos Santos realizava algo
igualmente importante e digno de ser lembrado e saudado, ao ser a primeira
negra brasileira a competir nos Jogos Olímpicos.
Nascida em 1º de junho de 1928, no bairro paulistano do Bom Retiro, Melânia ganhou projeção e fez história na equipe do São Paulo. O alemão Dietrich Gerner, um dos responsáveis por tornar o São Paulo Futebol Clube uma equipe de ponta em diversas modalidades do atletismo, nos idos dos anos 1940, era seu treinador, assim como de Adhemar Ferreira da Silva, futuro bi-campeão olímpico do salto triplo. Gerner foi o técnico da seleção brasileira de atletismo nas Olimpíadas de 1948.
A
atleta, embora tenha chegado a participar de competições de salto em altura,
especializou-se nas provas de 100 e 200m rasos.
Atuando
como velocista, esteve presente na maior parte das conquistas dos Campeonatos
Paulistas e Troféus Brasil de Atletismo nos anos 1940 e 1950 pela equipe do São
Paulo. Sua grande adversária nas provas de 100 e 200m foi Benedita Oliveira,
que competia pelo Palmeiras, a qual se convertia em parceira quando
representavam a seleção brasileira.
Aos
20 anos de idade, Melânia Luz integrou a primeira equipe feminina do atletismo
brasileiro, nos Jogos Olímpicos de Helsinque (Finlândia), em 1948. Na prova dos
100m rasos não passou da fase eliminatória.
Ao
lado de Benedita Oliveira, Elizabeth Clara Muller e Lucila Pini, Melânia também
correu o revezamento 4X100m. O quarteto, que chegou a bater o recorde
sul-americano da prova, dado à estrutura que os clubes brasileiros possuíam e
ao nível técnico das adversárias europeias, não conseguiu chegar à fase final.
Não
obstante, o fato de formarem a primeira equipe feminina de atletismo a
representar o Brasil numa olimpíada já constituía uma grande conquista para
todas, em especial para Melânia, que cravou seu nome na história como a
primeira brasileira negra a participar de uma edição dos Jogos Olímpicos, como
hoje em dia ela própria reconhece:
“Eu fiquei na história. Eu também
competi. Não é que me deixaram.”
O
feito de Melânia Luz foi registrado por Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil,
no livro Mulheres Negras do Brasil, que mostra a trajetória dessas mulheres e
tenta revelar a razão de serem um dos grupos mais invizibilizados em nossa
sociedade e em nossa história. A façanha de Melânia garantiu-lhe um capítulo no
livro.
Sua
paixão pelo atletismo seguiu-a durante grande parte de sua vida. Melânia, após
encerrar sua carreira profissional continuou competindo em campeonatos para
veteranos até 1998, quando já tinha 70 anos.
Ao
longo da carreira conquistou vários títulos, entre os quais se destacam o
bronze nos 100m e as medalhas de prata dos 200m e no revezamento 4x100m no
Campeonato Sul-americano do Rio de Janeiro, em 1947; e o ouro no revezamento
4x100m e a prata nos 200m rasos no Campeonato Sul-americano, disputado em Lima
(Peru), em 1949.
Como
atleta veterana estabeleceu vários recordes: Brasileiro +65, nos 100m rasos
(1995), com a marca de 15″40; Sul-americano +60, no revezamento 4x100m rasos
(1997), com o tempo de 1’03″16; Sul-americano +70, nos 200m rasos (1998), com a
marca de 36″77; Brasileiro +70, 200m rasos (1998), com a marca de 36″77; e
Brasileiro +70, no salto em altura (1998), quando alcançou 1,10m.
Por
tudo isso, Melânia Luz dos Santos se tornou referência e motivo de orgulho para
os atletas negros do Brasil, embora seu nome continue a não ter, no Brasil, a
devida projeção.
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