Do
portal A Cor da Cultura
Esperança
Garcia era escravizada confiscada aos padres jesuítas, que, com a expulsão
destes pelo Marquês de Pombal, passaram-na à administração do governo do Piauí.
Esperança Garcia foi levada à força da Fazenda Algodões, perto de Floriano,
para uma fazenda em Nazaré do Piauí. Em 6 de setembro de 1770, a escravizada
dirigiu uma petição ao Presidente da Província de São José do Piauí, Gonçalo
Lourenço Botelho de Castro, denunciando os maus-tratos físicos de que era
vítima, ela e seu filho, por parte do feitor da Fazenda Algodões.
Dentre
as diversas leituras concebíveis da referida petição, é possível constatar, em
fins do século XVIII, a existência de mulher negra escravizada alfabetizada e
ciente de sua possibilidade de reivindicar o direito a um tratamento mais
humanizado. Cabe salientar, nesse período, que quem fosse flagrado ensinando
escravizado a ler era preso e/ou processado.
A
atitude de Esperança Garcia não era uma prática. A habilidade dela em perceber
a viabilidade de conciliar seu letramento com recurso de reivindicação
evidencia sua capacidade de análise de conjuntura e habilidade política ao
expor, na petição, a necessidade de realizar alguns sacramentos relacionados à
religião católica – hegemônica naquele momento histórico –, assim como a crença
na possibilidade de ver sua solicitação considerada pelas autoridades.
Para
além de elementos diretamente relacionados à vida de Esperança Garcia, a
petição permite a possibilidade de algumas leituras sobre o contexto histórico,
cultural e social de São José do Piauí, tais como algumas práticas diretamente
relacionas aos escravizados, como a revelação dos sofrimentos a que estes
estavam sujeitos e a separação de entes familiares quando da venda destes.
É
importante lembrar que, tendo em vista a importância dada à petição de Esperança
Garcia, por força da Lei nº 5.046, de 7 de janeiro de 1999, ficou instituído o
dia 6 de setembro, data da petição, como sendo o “Dia Estadual da Consciência
Negra” no Piauí.
CARTA:
“Eu sou hua escrava de V. Sa. administração
de Capam. Antº Vieira de Couto, cazada. Desde que o Capam. lá foi adeministrar,
q. me tirou da fazenda dos algodois, aonde vevia com meu marido, para ser
cozinheira de sua caza, onde nella passo mto mal. A primeira hé q. ha grandes
trovoadas de pancadas em hum filho nem sendo uhã criança q. lhe fez estrair
sangue pella boca, em mim não poço esplicar q. sou hu colcham de pancadas,
tanto q. cahy huã vez do sobrado abaccho peiada, por mezericordia de Ds.
esCapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confeçar a tres annos.
E huã criança minha e duas mais por batizar. Pello q. Peço a V.Sª. pello amor
de Ds. e do seu Valimto. ponha aos olhos em mim ordinando digo mandar a
Procurador que mande p. a fazda. aonde elle me tirou pa eu viver com meu marido
e batizar minha filha q.
De V.Sa. sua escrava Esperança
Garcia”
Carta Versão léxico atualizado:
“Eu sou uma escrava de V.Sª. administração de
Capitão Antonio Vieira de Couto, casada. Desde que o Capitão lá foi
administrar, que me tirou da Fazenda dos Algodões , onde vivia com meu marido,
para ser cozinheira de sua casa, onde nela passo tão mal. A primeira é que há
grandes trovoadas de pancadas em um filho nem, sendo uma criança que lhe fez
extrair sangue pela boca; em mim não posso explicar que sou um colchão de
pancadas, tanto que caí uma vez do sobrado abaixo, peada, por misericórdia de
Deus escapei. A segunda estou eu e mais minhas parceiras por confessar a três
anos. E uma criança minha e duas mais por batizar. Pelo que peço a V.Sª. pelo
amor de Deus e do seu valimento, ponha aos olhos em mim, ordenando ao
Procurador que mande para a fazenda onde ele me tirou para eu viver com meu
marido e batizar minha filha.
De V.Sª. sua escrava, Esperança
Garcia”
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