"Não podemos deixar que só uma mídia fale por
nós", afirmou o jornalista Miguel do Rosário, do blog O Cafezinho.
"As redes sociais estão esvaziando a
narrativa do golpe. Estamos conseguindo amanhecer o país dessa treva com a qual
a Globo quis subjugar a nação brasileira", disse a jornalista Laura
Capriglione, do coletivo Jornalistas Livres.
Blogueiros e jornalistas fazem ato e aula pública sobre legalidade democrática, no centro de São Paulo. |
Quem
passou ontem (12) no início da noite pela Praça do Patriarca, centro de São
Paulo, pôde acompanhar um debate sobre o papel da mídia na crise política do
país, que nesta semana se aglutina com a votação do processo de impeachment
pelo plenário da Câmara, no domingo (17). O ato, chamado de "Comunicação em Defesa da Democracia",
foi realizado pela Frente Brasil Popular, que representa mais de 60
organizações do campo progressista, e reuniu jornalistas da mídia alternativa
para falar sobre o papel da comunicação na conjuntura em que forças
conservadoras pretendem destituir a presidenta Dilma Rousseff.
As
críticas à concentração de mídia no país, nas mãos de poucas famílias; o
reinado da Rede Globo sobre a formação de consciência do público, processo que
vem sendo questionado pela mídia alternativa e movimentos sociais por meio das
redes sociais; e a mídia tradicional como articuladora do golpe em marcha foram
os aspectos que permearam as falas dos jornalistas.
"A mídia se arvora o papel de paladino da
ética, mas é mentira, porque ela seleciona os adversários que ela quer
destruir, seleciona o que quer segundo os seus interesses", disse
Miguel do Rosário, ao criticar o problema da concentração de mídia no país.
"Na Europa, tem programas de
assistência social maiores que os do governo Lula", comentou sobre a
dificuldade que o público tem de receber informação diversificada dos meios de
comunicação.
Rosário
também falou sobre o caso Panama Papers, uma série de investigações que
envolvem evasão de divisas por milionários em paraísos fiscais, divulgados pelo
Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ). Ele destacou a
presença do nome da Rede Globo no caso. "O problema é quando as empresas de mídia, elas mesmas, estão envolvidas
em escândalos. Quem vai investigá-las, quem vigia os vigilantes?",
indagou.
O
jornalista frisou que "a imprensa
não pode ter poder absoluto". E afirmou que diante disso surge o pode
investigativo dos blogs, que podem esclarecer sobre a sonegação da imprensa.
"E agora com o caso Panama Papers
surge a Globo, que tem o modus operandi de trabalhar com empresas offshore. Os
bilionários botam dinheiro em paraísos fiscais. Off-shore é palavra para
enganar pobre. O Brasil é o país com a maior taxa de sonegação fiscal do mundo.
No Primeiro Mundo, você tem combate à sonegação; aqui o judiciário é cúmplice
por omissão da sonegação. E tem uma cumplicidade entre a mídia e o judiciário.
Ela encobre a violência policial, que fica impune para continuar praticando
crimes", afirmou.
Na
evasão investigada pelo Panama Papers, podem estar envolvidos os direitos de
transmissão de jogos de futebol. "A
Globo compra os direitos da transmissão de jogos, ela joga o dinheiro em
paraísos fiscais e não paga impostos. Temos de investir em meios alternativos
para conduzir investigações jornalísticas", disse Rosário.
No
caso do Panamá Papers, as informações ficaram nas mãos de jornalistas do Uol,
Estadão e Rede TV!. "É estranho, quem vai investigar? Eles vão
usar isso politicamente só para a narrativa da grande imprensa. Temos de
incentivar meios independentes, por fora da grande mídia, que chegou a um ponto
em que se tornou praticamente delinquente e é agora o centro do golpe".
Rosário
também informou que os jornalistas independentes estão se organizando para
prestar informações sobre o Brasil a comunidades internacionais. A iniciativa
chama-se Brigada Herzog: "Estamos tentando subsidiar a imprensa fora,
dando uma outra visão sobre o que acontece no Brasil. Temos de criar uma ponte
para veicular essas denúncias lá fora".
A
jornalista Laura Capriglione disse que a Globo é um grande drama para a
democracia do país. "Pela primeira
vez não estamos falando sozinhos contra a Rede Globo, e isso é um problema para
a democracia. A torcida do Corinthians denunciando a Globo, isso é fundamental.
Estamos vendo como os evangélicos, por exemplo, não se sentem representados
pela Globo", afirmou a jornalista.
"Quem não se lembra da prisão do bispo Edir
Macedo? A cobertura é incrivelmente parecida com a forma que eles apresentam do
Partido dos Trabalhadores. É a mesma coisa, e tem gente desconfiada da Rede
Globo. Pela primeira vez na história, as pessoas desconfiam, 'será que é
verdade?' Eu acho que para isso colaborou o trabalho de cada um nas redes
sociais", afirmou Laura.
A
jornalista disse que existe uma disputa pela narrativa que representa a
realidade na sociedade contemporânea. "As
maquininhas (referindo-se aos smartphones) permitem que a gente dispute a
narrativa. Em 2014, as redes sociais ajudaram a garantir a vitória de Dilma no
segundo turno. E agora também. Nós somos produtores de conteúdo, cada um de nós
é capaz de ser jornalista. Com a Rede Globo, era um lado só, mas aí surgem as
redes sociais. Nós podemos e devemos ser produtores e transmissores desse conteúdo".
E ao concluir, disse: "Nossa
dificuldade é maior (enquanto jornalistas independentes), mas temos a coragem
do povo e a vontade de vencer. Não vamos entregar a democracia que nos custou
tanto".
O
jornalista do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) Rafael Soriano
indagou sobre a responsabilidade da mídia na morte de dois sem-terra no
acampamento Dom Tomás Balduíno, no Paraná, na quinta-feira (7), com uma
emboscada da Polícia Militar e de seguranças da Araupel, empresa que também
ocupa a área. Soriano lembrou que a área em questão é pública, e foi invadida
pela empresa. "Depois de muitas
ameaças, chegamos a esse estopim na semana passada. Não é um caso isolado. O
povo sem-terra tem se organizado para resistir ao golpe pelo partido da
imprensa, que coloca em curso um golpe à nossa democracia", afirmou.
O
jornalista do MST também lembrou de outra vítima do golpe, o presidente do PT
em Mogeiro, no agreste paraibano, Ivanildo Francisco da Silva, assassinado na
quarta-feira (6) com um tiro de espingarda dentro de casa, no assentamento
Padre João Maria. "Esse
recrudescimento da violência não é à toa, é uma articulação da elite para
enfrentar quem tem capacidade de barrar esse golpe", afirmou.
A
coordenadora do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação, Rosane
Bertotti, defendeu a regulamentação da mídia para a sociedade brasileira
superar o atual estágio de concentração e desinformação. "Este é o grande momento em que temos de
aprender a jogar o xadrez da comunicação", disse. "A comunicação está junto com a história da
democracia. Não é uma questão só para jornalistas, tem a ver com nossas vidas,
com o direito de viver", afirmou. "Precisamos recuperar o debate sobre a comunicação pública",
disse ainda, considerando a necessidade de regulamentação prevista na
Constituição de 1988 e que até hoje não foi realizada.
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